Prólogo
Três anos antes.
Passo as mãos pelas grades e lembro-me da parede, mas as imagens ruins são logo substituídas pelas boas. Verônica e seu corpo macio, nossos lábios se tocando, as pernas dela presa em minha cintura e aquela música tocando ao fundo. No more heroes.
Mas naquela noite não estava tocando aquela música. Eu sorrio e abro os olhos lentamente.
Uma garota de cabelos negros, um pouco abaixo dos ombros, e de olhos gentis está na minha frente. Ela segura um caderno de capa marrom, um livro e um celular que é de onde vem à música.
Ela sorri e eu sei que já vi aquele sorriso em algum lugar, um lugar bom da minha memoria. Ela está um pouco corada e com um pesado bem mais saudável, usa roupas coladas no corpo e um casaco grosso por conta da onda de frio.
A música continua tocando e as pessoas param para ver a cena. As crianças, meus irmãos aparecem estampando sorrisos nos olhos e então a garota me mostra um pedaço de papel amassado e sujo.
– Eu não quero isso. – Ela estende para mim. – Nada do que está escrito ai é verdade.
Eu sorrio e abro os braços. Verônica deixa cair o caderno, o livro e mais alguma coisa que eu não consigo distinguir em meio as minhas lágrimas, ela pula em meus braços e enquanto a nossa música toca nossas línguas dançam dentro de nossos lábios, sedentos por aquele sentimento.
– O que você faz aqui? – Pergunto enquanto os londrinos aplaudem. – Achei que você não quisesse me ver.
– Eu tinha que devolver sua cueca. – Ela sussurra em meu ouvido.
– Ela fica melhor em você. – murmuro.
Verônica
Segurando as mãos cheias de cicatrizes de Sammy eu finalmente me sinto em casa. Ele sempre me dissera que o amor dele por mim me guiaria até meu lar... Meu lar sempre foi ele. Não havia lugar que eu me sentisse mais segura do que em seu peito cheio de cicatrizes. Ao seu lado eu não tinha medo do futuro. Eu estava onde deveria estar.
Sammy estava bem diferente, continuava em forma e vestia roupas de grife, eu sentia falta de vê-lo sem camisa, mas ainda assim, finalmente, eu podia ver como ele era. Seus cabelos estavam cortados e sua barba feita e assim seus olhos se destacavam mais. Ele era extremamente charmoso, como eu imaginava em sonhos.
No final nós dois cumprimos nossas promessas. Eu o salvei do cativeiro e ele nunca me deixou sozinha. O tempo todo eu sabia que aqueles olhos verdes como esmeralda que eu desenhava era o que me tiraria da insanidade.
O que você faria se visse uma garotinha sendo espancada?
O preço por cometer um ato de bondade sempre foi o amor, não importa o que passei até entender isso, as minhas cicatrizes não são nada comparadas ao sorriso de Giovana, ao amor de Sammy e das crianças por mim. Eu nunca vou me arrepender de ter corrido na direção do Caçador, mas também não irei me arrepender de ter o matado, talvez eu nunca esqueça o brilho dos olhos dele se esvaindo, talvez as cicatrizes de Sammy e as minhas me lembrem do quão doloroso foi o caminho até que ficássemos juntos, mas nada disso me faz me arrepender. O amor tem dessas coisas e eu tenho certeza que serei muito feliz.
Atualmente.
Estendo a mão, ainda sem abrir os olhos, e puxo a cintura de Verônica para mais perto de mim. Ela resmunga um pouco, mas se deixa relaxar quando eu acaricio seu ombro.
Demorou alguns meses até que Verônica estivesse cem por cento segura do que sentia por mim, ela era uma garota cheia de bravura, mas no fundo era frágil. Matar José havia sido a pior coisa que havia acontecido para a mente dela.
Todos tiveram que ter muita paciência com ela. Os sete meses que ficou no sanatório ajudou-a a ficar sã, mas não bem. Ela ainda tinha pesadelos e não suportava ficar no escuro, nem eu na verdade, mas as coisas foram bem piores para ela. Ataques de pânico em elevadores, medo de facas, qualquer tipo de faca e falta de confiança nas pessoas eram só algumas das consequências daqueles três, terríveis, meses.
Mas finalmente as coisas pareciam estar de acertando agora. De volta a Santa Rita do Trivelato, Verônica e eu passamos a morar juntos em uma casa no centro da cidade, uma casa antiga e cheia de quartos que é perfeita para nós que temos muitas crianças. A casa era tão grande que cada um poderia ter um quarto. Mas as crianças não queriam ficar sozinhas, ainda tinham medo e eu as entendia. Por isso arrumamos um quarto para as meninas e o outro para os meninos.
Verônica continua cuidando dos meus irmãos com muito afinco, ela é uma ótima dona de casa e não se importou de sujar as mãos com tinta ou cimento, conseguimos reformar a casa muito rápido e nesse tempo ela não teve nenhuma crise.
Ás vezes, ao olhar para trás, eu m*l acreditava em tudo o que passamos. Muitas pessoas não me viam com bons olhos, ser filho do Caçador era um fardo que eu levaria para o resto de minha vida. Mas não queria que isso estragasse a vida de Verônica, ela era só mais uma vitima.
Logo que assumimos um relacionamento, ainda estávamos em Londres na época, recebemos em nossas contas de e-mails e redes sociais várias mensagens de desaprovações, muitos me chamavam de psicopata e diziam parra Verônica que ele mereceu tudo o que passou e ainda, como se não bastasse, havia os simpatizantes do Caçador, pessoas anônimas que juravam vingança.
Nessa noite eu pensava uma maneira de provar as pessoas que eu e Verônica realmente nos amávamos e merecíamos ser felizes.
– Em o que você está pensando? – Verônica vira o corpo e fica de frente para mim. Acaricia meus lábios com o dedo indicador e sorri quando eu me arrepio. Ela sabe todos meus segredos e pontos fracos, tanto quanto físico e mental. Estávamos a dois anos juntos, oficialmente como namorados, nos respeitávamos e nos amávamos, mas ainda havia uma barreira psicológica que não me permitia tentar fazer amor com ela.
José estava certo em uma coisa, o sexo seria sempre uma barreira para nós. Como eu iria toca-la sem se lembrar do que meu pai e irmão fizeram com ela?
– Em nós. – respondo fechando os olhos, afastando assim todos meus pensamentos desnecessários, quando Verônica está comigo eu tento não me questionar, apenas aproveitar o que temos.
– Coisa boa ou r**m?
– Ao seu lado qualquer r**m é bom.
Verônica sorri e beija meus lábios com ternura.
– Precisamos levantar. – Ela começa a sair da cama, mas e a puxo de volta. – Hoje é o primeiro dia de aula do Luiz, não podemos enrolar.
– Nem dá para acreditar que ele já tem oito anos.
– Você só o conhece a três anos, é como se o tempo não tivesse passado.
– É, fico feliz que ele não viveu tanto daquilo, ele vai ter a chance de se esquecer o pouco que sofreu.
– Todos nós podemos esquecer. – Ela desvia os olhos de meu rosto e encara a janela, como se visse algo ou alguém que não queria ver. – Um dia estaremos livres disso.
– Está tudo bem, amor?
– Sim.
Verônica se levanta e fecha a cortina, vai ao banheiro e tranca a porta, mas eu a ouço chorando. Levanto-me e vou até a janela, não há ninguém lá.
***
Vou até meu estojo de maquiagem e pego o bilhete que escondi lá. Sei que Sam, paramos de chama-lo de Sammy, pois nos traziam lembranças ruins, nunca mexeria lá. Ele não precisava saber daquilo.
Logo que acabamos a reforma encontrei um bilhete no meio das minhas roupas. Sorri achando que era uma surpresa de Sam, mas quando abri parecia que meu mundo havia começado a desabar. O passado vinha me perseguindo há tempos através de minha imaginação, mas aquilo era real.
O bilhete dizia:
“Voltei para vivermos nosso amor. Seu Estripador.”
Poderá o amor resistir a todas as cicatrizes?