Capítulo 03 Hades

1176 Words
Hades Narrando O som das vozes na boca já ecoava pelos becos do Tuiuti quando o dia começava a clarear. O sol m*l havia surgido no céu, mas a movimentação estava em pleno vapor. O calor era abafado, como se o próprio Morro segurasse o ar pesado e suado da manhã. Eu estava sentado na poltrona da minha sala, as costas curvadas, com o cheiro da fumaça do baseado ainda impregnado no ar. A mente girava, mas o corpo permanecia ali, imóvel, como se cada músculo tivesse se recusado a funcionar. A porta foi aberta bruscamente. Nem precisei olhar para saber quem era. Só o jeito de entrar, sem cerimônia, já denunciava. — Fala viadö. – Já vou logo dando boas vindas. Buchecha — Tá aí ainda, porrä? — Buchecha passou pela porta e me encarou. Seus olhos faziam uma pergunta muda, mas ele verbalizou mesmo assim. — Cê passou a noite sentado aí? Levantei o olhar, peguei o cigarro do cinzeiro e traguei devagar. O gosto amargo do fumo misturado com a erva ainda estava na boca. Não era resposta que ele queria, mas dei mesmo assim. — E onde mais eu ia tá? — Respondi, com a voz rouca e grave, que ainda parecia carregar o peso da noite anterior. – Tu sabe que eu nunca durmo. – Apaguei o cigarro no cinzeiro, tirei a camiseta e joguei no braço da cadeira. Fui até o banheiro, os passos arrastados ecoando no chão frio. A água da torneira era gelada, mas não o suficiente pra apagar o calor sufocante do Tuiuti. Me lavei, o rosto molhado escorrendo gotas que se misturavam com o suor. Encostei as duas mãos na pia e me olhei no espelho. — Tá difícil, mano... — Murmurei, mais pra mim mesmo do que pro Buchecha, que ainda estava na sala. Tralha — Tá difícil nada! — A voz de Tralha entrou junto com ele, já escancarando a porta e abrindo os braços como se fosse resolver tudo no grito. — Tá fodä pra carälho, isso sim! Tu vai se afundar nessa porrä mesmo, cara? – Ele já paga logo aquele sapo! Dá teu jeito, Hades! Eu enxuguei o rosto, mas antes de responder qualquer coisa, ouvi passos atrás dele. Reconheceria aquele andar em qualquer lugar. Minha irmã, Sofia, entrou logo depois, com aquele olhar que me fazia endireitar a coluna na mesma hora. Era impressionante como ela não precisava dizer uma palavra para me fazer sentir um garoto de novo, mesmo que agora eu fosse o Imperador das Trevas. Sofia nunca foi de pagar muito sapo. Ela sabia que as palavras certas, ditas no momento certo, eram muito mais letais do que qualquer arma. Mas só o jeito dela olhar, sério e firme, já era o suficiente pra me desmontar por dentro. Sossô — Ô, meu irmão, de novo não, Mateo. — A voz dela era calma, mas tinha aquele tom firme que ninguém mais tinha coragem de usar comigo. — Até quando, hein? Até quando você vai ficar nesse ciclo, Hades? Eu te amo, cara... não quero te ver se perdendo, nem passando mais essas noites em claro. – Respirei fundo Não gostava que me chamassem de Mateo assim, não na boca, nem no meio da tropa. Mateo era pra família, pra momentos que eu não podia mostrar fraqueza. Mas com Sofia... ela tinha esse direito. Sempre teve. E a tropa aqui é família, são os meus primos herdeiros disso tudo também. A boca estava movimentada, como sempre. A molecada correndo, os soldados atentos, e o cheiro do café misturado com pólvora. Era o tipo de cena que eu via todo dia, mas que, por algum motivo, nessa manhã parecia pesar mais. Talvez fosse o calor, talvez fosse a porrä da noite m*l dormida. Talvez fosse eu mesmo. Até a fodä m*l fudidä, mas também desde que entrei na minha pequena desde senti o sabor e o cheiro dela sabia que mulher nenhuma teria o que ela teve de mim. XXX — E aí, chefe, tá melhor? — Um dos soldados perguntou enquanto eu passava. — Melhor do que você, que ainda não pregou os olhos. — Respondi seco, mas com um meio sorriso, só pra disfarçar. O respeito era mútuo, mas o medo ainda era a moeda principal. E eu fazia questão de manter isso. O Tuiuti sempre foi lugar pra sorrisos e abraços. Mas, a frieza era sobrevivência, e qualquer fraqueza era motivo de queda. E eu não podia cair. Não de novo. Depois de horas de rotina, de resolver problemas que não deveriam ser meus e de ouvir mais do que gostaria, decidi que precisava de algo diferente. Algo que me tirasse daquela inércia. Então, sem avisar ninguém, peguei o carro e segui para a casa pra tomar aquele banho pra ir até a casa da única pessoa que me entende de verdade a Imperatriz. Barbie — Meu filho... — Ouvi a voz dela assim que manobrei a moto pra dentro da garagem. — Fala, minha rainha. — Desci da moto com calma, apoiando o braço no vidro do carro dela. Puxei o cabelo dela de leve, aquele gesto que só eu fazia, e dei um beijo longo e respeitoso na bochecha dela. Barbie — Banho que é bom, nada, né, Mateo? — Ela soltou, com aquele tom de mãe que mistura bronca e carinho. Dei um sorriso de canto, mais pra disfarçar o cansaço do que qualquer outra coisa. — Tô indo fazer isso agora, relaxa. Barbie — Aproveita e come alguma coisa, meu filho. — A preocupação estava estampada nos olhos dela. Era aquele olhar que parecia atravessar qualquer armadura que eu tentasse usar. Suspirei fundo, desviando o olhar por um segundo, antes de responder. — Pode deixar, coroa. Agora vai lá, ou cê vai chegar atrasada no trampo. Amo tu, viu? — Falei, apertando o lóbulo da orelha dela, um gesto nosso, de infância. Ela passou a mão no meu queixo, com um suspiro longo que parecia carregar de preocupação. Barbie — Também te amo, meu filho. — Vai pela sombra, e qualquer coisa, me chama. Tamo junto. — Fiz sinal pra ela seguir e fiquei olhando até ela sair. Fechei a porta atrás de mim assim que entrei, e subi direto pro banho. A água gelada bateu na minha pele, mas o calor do Tuiuti parecia maior do que qualquer chuveiro conseguia apagar. Passei a mão no rosto, ainda tentando me livrar daquela sensação estranha. Era como se algo tivesse ficado preso, uma lembrança, um fantasma... — Mel, tu ainda tá por aqui... — Sussurrei pra mim mesmo, sentindo aquele nó no peitö. De olhos fechados, deixei a água cair, tentando clarear a mente. Mas a porrä daquele Porto não saía da minha cabeça. Saí do banheiro, fui até o closet e vesti qualquer coisa. Peguei o celular tirei do carregador e disquei rápido. Não dava mais pra esperar. — Bora resolver isso agora. — Murmurei, decidido. A tropa precisava ser convocada. Isso ia ser tirado a limpo, nem que fosse na bala......
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