Capítulo 34

1167 Words
Agatha narrando Todos os dias aqui dentro são uma repetição sem fim. Acordo, como, durmo, e depois como de novo. O silêncio desse apartamento de luxo é quase ensurdecedor. Não tem nada pra fazer aqui. Às vezes, sinto uma saudade absurda de mim mesma, daquela garota que eu era antes de tudo virar de cabeça pra baixo. Minha vida era tão calma antes do RD aparecer, sabe? Mas, ao mesmo tempo, não consigo me imaginar sem ele. Sem o sorriso torto dele, o jeito como me olha, o toque que me arrepia dos pés à cabeça. É irônico pensar que ele trouxe tanto caos pra minha vida, mas também uma intensidade que eu nunca tinha sentido antes. Sinto falta da minha antiga rotina, das coisas simples, mas mais ainda sinto falta dele. Mesmo com tudo que tá acontecendo, não consigo imaginar um mundo onde o RD não exista pra mim. É como se uma parte de mim tivesse sido arrancada e deixada lá fora, junto com ele. Suspiro, encarando o teto, enquanto me afundo nesse sofá que provavelmente vale mais do que tudo que já tive na vida. Poderia sair, ver umas lojas de bebê, tentar me distrair. Mas o sono e o m*l-estar não me deixam fazer nada. A cria do RD tá sugando minhas energias. Nem nasceu e já tá mostrando que puxou o pai. Agatha: Onde você tá, RD? — murmuro pro vazio. A televisão continua ligada em alguma série qualquer, mas nem presto atenção. Minha mente tá longe, perdida nas lembranças, nos momentos que passamos juntos. O jeito que ele ri das minhas piadas sem graça, como segura minha mão quando acha que não tô percebendo. São essas pequenas coisas que me fazem falta. O resto do dia se arrasta, e as palavras da minha mãe ainda ressoam na minha cabeça. Por mais que eu tente afastar, elas voltam, insistentes. Não importa o que eu faça, ela sempre vai me ver da mesma forma. É difícil carregar esse peso sozinha, mas tento me manter firme. Pelo bebê. Por mim. Por ele. Fecho os olhos e tento imaginar um futuro diferente, onde as coisas se acertam, onde minha família me aceita de volta, onde o RD tá aqui comigo, compartilhando cada momento da minha gravidez. Mas a realidade é bem mais complicada que isso. Agatha: Ah, que tédio! — exclamo de novo, como se pudesse espantar esses pensamentos. Mas no fundo, sei que a única coisa que realmente quero é ele aqui, ao meu lado. E até esse dia chegar, vou ter que encontrar forças dentro de mim pra continuar. Pego o controle e ligo a TV, achando que uma série qualquer vai me distrair. Só que não, né? Como se o universo quisesse me zoar, dou de cara com um casal na tela. Eles se abraçam, riem juntos, têm essa conexão que eu conheço bem… E pronto, lá tô eu pensando no RD. Onde é que esse filho da mãe se meteu? Falo pra mim mesma, mas a resposta é só o silêncio. Sinto falta do morro, daquela sensação de saber que minha família tá por perto. Lá, eu podia dar uma escapada, aparecer do nada, matar um pouco da saudade deles. Mas aqui, trancada nesse apartamento, não sei de nada, não ouço nada. Só eu, meus pensamentos, e essa saudade amarga. Quinze dias longe. Quinze dias sem ver ninguém que eu amo. O pior de tudo é que quando eu saí, tava rolando tiroteio, tudo desandando. Agora, segundo o jornal, parece que deu uma acalmada. Mas ninguém ainda veio me buscar. Pego o celular, encaro o número da minha mãe na tela e aperto pra ligar. Ligação On Mãe: Fala, Agatha, que eu tô fazendo almoço. Agatha: Só queria saber notícias, se tá tudo bem... Se meu pai tá bem? Mãe: Se tivéssemos morrido, você já saberia. Seus amiguinhos marginais já teriam te falado. Agatha: Mãe, será que dá pra gente conversar sem se agredir? Pelo menos uma vez? Mãe: Não dá. No dia que você largar mão de ser marmita de bandido, você me procura. Antes disso, esquece que tem família. Ligação Off Ela desliga sem nem me dar tempo de responder. Eu sabia como essa conversa ia terminar, já imaginava as palavras amargas que ela jogaria em cima de mim. Mas ainda tenho um pingo de esperança de que um dia minha mãe ainda possa ver algo em mim além desse julgamento. Ao longo do dia, as palavras da minha mãe não saem da minha cabeça. Por mais que eu tente me distrair, cada frase e ataque ficam dando voltas, como uma sombra que não para de me assombrar. É como se tudo de bom que fiz ou fui um dia não tivesse valor algum, como se o simples fato de amar o RD tivesse apagado qualquer coisa boa que eu tenha feito por eles. Nada, absolutamente nada, afasta essa sensação amarga de que, não importa o que eu faça, ela sempre vai me ver da mesma forma. Não adiantou nada ser uma boa filha, estar presente, ajudar em casa. Tudo isso se perdeu quando me apaixonei por ele. Quando já são quase cinco da tarde, o céu começa a ganhar aquele tom alaranjado lindo. Olho pela janela e sinto que o celular vibra do meu lado. Número desconhecido. Ignoro de primeira, sem vontade de lidar com mais nada hoje. Mas depois de seis, sete chamadas insistentes, resolvo atender. Quem quer que seja, tá com uma pressa danada. Ligação On Agatha: Alô? — silêncio do outro lado dura um segundo a mais, e meu coração dá um salto. RD: Agatha? — a voz rouca do RD atravessa a linha, e tudo dentro de mim congela. O peito aperta, a respiração falha, e sinto uma lágrima quente escorrendo antes de conseguir falar. Agatha: Rodrigo… é você mesmo? — A emoção explode, misturada com um alívio por ouvir sua voz. RD: Sou eu, p***a. Calma aí. Tá tudo certo aqui, tô bem. Como você está? — ele tenta manter a voz calma, mas eu conheço cada nuance dele. Tem algo errado, eu sinto. A voz tá tensa, carregada, como se ele tentasse esconder algo de mim. RD: Agatha, não começa. Já falei, tá tudo certo. Só tô resolvendo umas paradas que você não precisa saber agora. Confia em mim, tá? Logo mais tô aí, junto contigo e com o moleque. Só fica de boa. Agatha: Eu tô bem, mas volta logo, tá? Eu e o bebê… a gente precisa de você. RD: Eu vou voltar, Agatha. Tô contigo nessa, não solto mais. Cuida de você e desse moleque pra mim, beleza? Agatha: Tá…tá bom. Tô esperando. Ligação Off A voz dele se despede, e, antes de desligar, deixo escapar um "eu te amo" baixinho. Ele não responde, mas não precisa. Fecho os olhos e deixo aquele momento gravar em mim, a voz dele ainda ecoando. Por mais difícil que tudo seja, aquela ligação trouxe de volta algo que eu tava perdendo: esperança.
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