Manu narrando
Assim que saímos do hospital, fomos direto pra casa da Lavínia. Minha bolsa ficou lá no meio de toda a confusão, e eu precisava buscar minhas coisas. O caminho até lá foi tranquilo, e a sensação de estar fora daquele hospital me trouxe um certo alívio.
Manu: Será que você pode me emprestar o carregador? Meu celular tá sem bateria, e eu preciso falar com a Any. Ela deve estar desesperada atrás de mim.
Lavínia: Claro! - Ela responde sem hesitar, voltando da sala com um carregador branco nas mãos. Abaixa, conecta na tomada e me entrega o fio. - Consegue ligar sozinha?
Manu: Acho que sim... - Tento encaixar o cabo no celular, mas minha mão machucada não ajuda em nada. Cada movimento é uma luta frustrante.
Lavínia: Deixa que eu faço isso. - Ela pega o celular da minha mão com aquele jeito prático e conecta com facilidade. Faz parecer a coisa mais simples do mundo enquanto eu a observo aliviada.
Felipe: Bom, agora que vocês estão bem, acho que é minha deixa. Vou indo nessa. - Ele se levanta da mesa da cozinha, ajeitando o boné enquanto fala.
Lavínia: Valeu, Mago. Aproveita que tu faz mágica e faz uma nessa tua cara, porque olha... já não era lá essas coisas antes e agora tá pior! - Ela provoca, soltando uma risada enquanto ele bagunça o cabelo dela em resposta.
Felipe: Vou fazer na tua língua, Lavínia. - Ele retruca com um sorriso travesso, recebendo de volta um dedo do meio de Lavínia, que continua rindo.
Felipe: E você, Manu, fica bem, tá? Qualquer coisa, só chamar. Essa daí tem meu número.
Manu: Obrigada, Felipe. Sério. Por tudo. - Respondo sincera, sorrindo de leve.
Ele me dá um aceno final e sorri antes de sair pela porta.
Lavínia: Tá vendo, né? Ele é gente boa
Manu: Aham - Concordo com a cabeça enquanto ela fica rindo fazendo graça.
Logo, uma mulher baixa, de cabelos pretos cortados na altura dos ombros e bem arrumados, aparece na porta da cozinha. Ela tem um sorriso no rosto e carrega algumas sacolas cheias de coisas. Ontem na laje, só nos cumprimentamos rapidamente, então não tivemos tempo pra conversar melhor..
Lavínia: Olha quem chegou! Tava demorando, hein, tia Joana? - Lavínia diz, indo até ela com um sorriso divertido.
Joana: Ai, menina, você sabe como é... Fui resolver umas coisas e ainda dei um pulo na feira. - Ela coloca as sacolas na mesa e ajeita o cabelo atrás da orelha. - E essa é a Manu, né?
Manu: Sou eu mesma. Prazer em te conhecer melhor agora, dona Joana. - Respondo com um sorriso, sentindo a energia boa que ela transmite.
Joana: Que dona nada! É só Joana. - Ela responde, com um olhar acolhedor. - Já ouvi falar de você. A Lavínia não para de falar como você é bacana.
Lavínia: Também não exagera, tia. Tá querendo puxar o saco dela, é? - Lavínia brinca, me fazendo rir.
Joana: E você, como tá se sentindo? - Ela pergunta, olhando direto para meu braço engessado.
Manu: Tô melhorando. Ainda incomoda um pouco, mas pelo menos agora tô livre daquela dor insuportável. - Digo, tentando parecer mais confiante.
Joana: Que bom ouvir isso. E se precisar de qualquer coisa, me avisa, tá? Não quero você passando aperto.
A gentileza dela é tão natural que me sinto à vontade. Dá pra ver de onde Lavínia herdou esse jeito.
Lavínia: Minha tia é assim, Manu. Coração mole.
Joana: Só não gosto de ver ninguém m*l. - Ela diz, revirando os olhos enquanto começa a descarregar as sacolas. - E já que tô aqui, Lavínia, me ajuda a organizar isso tudo.
Lavínia: Tá vendo? eu não tenho um minuto de paz nessa casa! - Ela responde, rindo, enquanto pega algumas coisas das sacolas.
Eu fico observando as duas com uma pontinha de inveja boa. A relação delas me faz lembrar de como era bom ter minha mãezinha.
Joana: Bom, meninas, eu trouxe umas frutas, uns biscoitos... Ah, e o bolo que você Lavínia, adora! - Ela diz, tirando da sacola um bolo de chocolate lindamente embalado.
Lavínia: Tia, você é perfeita! Sabe que vai ser atacado em cinco segundos, né? - Lavínia responde enquanto já pega o bolo e vai direto cortá-lo.
Joana: Vai com calma, menina! Deixa pelo menos a Manu provar primeiro. - Ela diz, rindo, enquanto arruma as frutas em uma tigela.
Sorrio olhando pra elas.
Joana: E então, Manu? Tá pensando no que fazer agora? - Ela pergunta, puxando uma cadeira para sentar.
Manu: Ah, pra ser sincera, ainda tô meio perdida. Só sei que não quero voltar pra... enfim, pro lugar onde tava. Preciso de um recomeço.
Joana: E recomeçar é bom. Às vezes a gente só precisa de um espaço, um tempo pra pensar. Lavínia comentou comigo que você talvez estivesse precisando de um cantinho só seu.
Manu: Sim... A gente tava falando sobre isso.
Joana: Então. - Ela se ajeita na cadeira, olhando diretamente pra mim. - Eu tenho um apartamento aqui perto mas fora do morro. Tá vazio desde que me mudei pra cá. Já pensei até em alugar, mas não me apressei porque tá tudo direitinho lá. É pequeno, mas bem ajeitado. Se você quiser, a gente pode conversar.
Manu: Eu aceito, claro! Só de ter um cantinho só meu... Nem sei como explicar o alívio que me dá.
Joana: Então é isso, Manu. Se você acha que o apê pode ser útil pra você, então ele é seu. Só precisa de uma limpeza e ajeitar algumas coisas básicas.
Manu: Pra mim está ótimo.
Joana: Então fazemos assim: amanhã, no começo da tarde, eu e Lavínia vamos lá dar uma geral no lugar. Se você puder, já passa por lá pra pegar a chave.
Lavínia: A gente vai deixar o lugar com a sua cara! Vai ficar incrível, você vai ver.
Manu: Combinado então! - Falo sorridente
Joana: Não precisa se preocupar com nada.
Vamos só dar uma limpada básica mesmo, tirar o pó. Depois você vê o que quer colocar ou mudar. Já tem os móveis principais lá.
Manu: Tá ótimo, sério. Vocês não têm ideia de como me ajudaram.
Joana: Fico feliz de poder ajudar. O apartamento é pequeno, mas é um lugar só seu, sabe? Um espaço pra chamar de casa.
Lavínia: E é pertinho daqui. Qualquer coisa, já sabe onde me achar, né? - Ela pisca pra mim, me fazendo rir.
Manu: Vocês são demais. De verdade. Amanhã estarei lá com vocês. Prometo que vou cuidar com muito carinho.
Joana: Tenho certeza disso. Vou levar as chaves e a gente combina direitinho como vai ser. Tá decidido então!
Continuamos conversando por mais algum tempo, acertando detalhes sobre o horário e o que levar para a limpeza.
Depois que meu celular alcança uma carga de 30%, pego o aparelho com certa dificuldade, mas consigo discar o número da Any. A chamada não demora a ser atendida, e sua voz desesperada explode do outro lado.
Ligação On
Manu: Amiga, tá tudo bem?
Any: Até que enfim! c*****o, Manuela, que desespero! Onde você tava?
Manu: Calma, tá tudo bem comigo. Juro.
Any: Tá tudo bem? Eu acabei de sair do hospital, me falaram que você teve alta. Eu já tava pegando um Uber pra te procurar!
Manu: Amiga, respira. Eu tô bem. Vou voltar pra casa daqui a pouco. Preciso muito conversar com você.
Any: Então o que eu faço? Vou aí ou...?
Manu: Não, não precisa. Tô indo pra casa, tá? Me espera lá.
Any: Tá bom... Mas não demora, tá? Eu tô preocupada pra caramba.
Manu: Pode deixar. Beijo, te amo, irmã.
Any: Também te amo, irmã. Só vem logo, tá?
Ligação Off
Coloco o celular de lado e me recosto na cadeira, soltando um suspiro.
Lavínia: Ela tava preocupada, né? - Comenta, sem tirar os olhos das coisas que tá guardando.
Manu: Muito. Mas é o jeito dela. Eu amo essa menina.
Lavínia: Dá pra ver. Vocês têm uma conexão forte. Isso é raro.
Eu apenas sorrio, pensando em como a Any sempre foi e vai ser eternamente minha parceira. Tudo que eu não quero é que minha situação com o Terror respingue nela.
(....)
Foi muito bom passar essas horas aqui, mas tá na hora de resolver algumas coisas. Preciso conversar com a Any. Não dá pra simplesmente fugir e abandonar tudo. Existem pessoas que eu amo e que me receberam com todo amor. Tenho que ser grata a elas.
Me despeço da Lavínia e da Joana com um abraço apertado. Quando Joana desfaz o abraço, ela me olha com um sorriso leve, mas logo fica séria.
Joana: Manu, vou ser bem sincera com você... Eu fiquei muito preocupada com você depois do que aconteceu. Foi assustador. Mas, olhando bem, eu também vi que o Terror... ele também não tava nada bem.
Olho pra ela meio sem entender, franzindo a testa.
Joana: Ele é um cara cheio de marra, sempre está cercado de mulher ... Mas ontem foi diferente. Foi a primeira vez que eu vi ele naquele estado, parecia fora de si. Você percebeu?
Manu: Eu... não sei. Eu só pensava na humilhação que ele estava me fazendo passar e em me proteger.
Joana: E você fez certo, querida. Não me entenda m*l. Mas sabe, o Terror é um menino bom, ou pelo menos era. Só que é perdido. Sempre foi.
Manu: Perdido. Como assim?
Joana: Ele cresceu sem pai, Manu. E a mãe dele ficou daquele jeito... Ele sempre teve que se virar sozinho. Eu sei que isso não justifica o que ele fez, não mesmo. Mas às vezes, sabe, vale a pena conversar. Tentar entender o outro lado.
Manu: Conversar com ele, Joana? Depois de tudo que ele fez?
Joana: Eu sei que parece loucura. Mas às vezes, quando a gente entende a dor do outro, consegue lidar melhor com a nossa. Não é sobre perdoar ou esquecer o que ele fez. É mais pra você ficar em paz consigo mesma.
Manu: Não sei, Joana... Ele me machucou muito. Não só fisicamente.
Joana: Eu sei, minha querida. E você tem todo o direito de se afastar e seguir sua vida. Só tô te falando isso porque... Bem, já vi gente perdida como ele antes. Às vezes, uma conversa pode mudar mais do que a gente imagina.
Manu: Vou pensar nisso.
Joana: Só faça o que seu coração mandar, Manu. No fim das contas, a escolha é sempre nossa.
Lavínia: Tá defendendo o Terror? - Lavínia pergunta, cruzando os braços e inclinando a cabeça.
Joana: Não é questão de defender, Lavínia. É só que... conheço ele desde moleque. Ele não era assim.
Lavínia: Tá, pode até ser, mas isso não dá o direito dele tratar a Manu do jeito que ele tratou. Não tem desculpa, tia!
Joana: Eu sei, Lavínia, e eu não tô passando pano. Só tô dizendo que, às vezes, entender o que tem por trás ajuda. Terror carrega muita coisa, muita dor... Mas ele não sabe lidar com isso.
Lavínia: É, mas quem sofre com esse "não saber lidar" são os outros, né? Tipo a Manu. Ele quebrou o braço dela!
Manu: Vocês tão discutindo por quê? - Interrompo, rindo sem jeito. - Relaxa, Lavínia, eu sei me cuidar.
Lavínia: Eu sei, Manu, mas eu fico p**a. Ele não é problema seu pra você resolver!
Joana: Não tô dizendo que é. Só acho que ela precisa decidir o que fazer, sem a gente ficar jogando lenha na fogueira.
Lavínia: Tá bom, tá bom. Mas eu ainda acho que você tá sendo boazinha demais com ele, tia. O cara é um babaca.
Manu: Eu entendo os dois lados. Só que agora... eu quero focar no meu canto. Quero paz, sabe?
Lavínia: E é isso que você vai ter, amiga. Porque, se depender de mim, esse tal de Terror nem passa perto de você.
Joana: E eu espero que ele respeite isso. Mas, Manu, se algum dia você achar que vale a pena... sei lá, uma conversa, um acerto... faz do jeito que for melhor pra você, tá?
Manu: Vou pensar, Joana. Por enquanto, só quero descansar e começar minha vida de novo.Fica bem e até amanhã.- Respondo, me despedindo tentando sorrir, mesmo com a cabeça cheia de pensamentos.
Lavínia: É isso aí, Manu! Terror que fique lá com os problemas dele. Você é maior do que isso.- Ela fala com aquele jeito direto, mas cheio de carinho.
Nós nos abraçamos com força e depois, ela anota o número dela no meu celular e salva o meu no dela, garantindo que a gente não vai perder o contato.
Lavínia: Prontinho! Agora tá tudo certo. Até amanhã, beijos. - Diz sorrindo.
Manu: Amanhã a gente se vê. Beijos! - Respondo, retribuindo o sorriso.
Subo na moto do vapor que vai me levar até o pé do morro. Ele dá partida e acelera devagar no começo, enquanto me ajeito no banco de trás..