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d***a!
Bato forte a porta de meu quarto.
Ando para os lados buscando o ar que me faltava.
Ouço batidas na porta.
– Audrea, querida – era mamãe.
– Não quero falar com ninguém. Por favor, me deixe em paz.
Dou graças quando ouço o barulho de seus sapatos se afastarem.
Sento na cama e fito o babado de meu vestido.
Deito e fito o teto.
Sigo para a janela, e avisto Edgar escovando Panteão.
Saio do quarto e desço as escadas correndo.
– Ele está pronto? – pergunto ao me aproximar.
– Está sim – diz Edgar, um homem de meia idade – deseja montar?
– Sim – digo passando a mão no dorso do cavalo n***o.
– Deixe-me pegar a cela.
– Não precisa – num pulo eu monto em Panteão.
– Senhorita, seu pai não vai gostar nada. Principalmente sem a cela.
– Edgar, e desde quando eu ligo para o que meu pai pensa? – digo rindo.
Olho para a porta e avisto de longe seu bigode bem alinhado e preto.
– Audrea! – papai grita – desça já daí!
Rio e dou o comando pa rapidamente ra que o animal saísse em disparada.
O animal correu pela enorme propriedade até chegar os portões de saída.
Seguimos pela estrada larga de terra, até chegarmos ao pequeno centro.
– Bom dia senhorita – cumprimenta uma senhora corpulenta que me oferece uma maçã. Sorrio em agradecimento.
Sigo vagamente até chegar a entrada onde um velho amigo trabalhava.
Desço do cavalo e o amarro.
– Poope – entro em meio a sujeira e os ferros pontiagudos.
Adentro um pouco mais, onde ouvia o barulho de batidas em ferros.
– Aí está você – digo ao encontrá-lo.
– Audrea? O que faz aqui? – pergunta enquanto tira a p******o de seu rosto.
– Não acredito que esqueceu.
– O que?
– Combinamos de caçar hoje.
Poope me olha cabisbaixo.
Todas as vezes que seus olhos verdes se escondiam atrás das sobrancelhas alaranjadas, eu sabia que algo havia acontecido.
– O que houve? – indago preocupada.
– Nada, só estou sem tempo.
Encaro-o seriamente.
– Poope!
Ele me olha e baixa a máscara.
– Poope – toco em seu braço – o que houve?
Ele respira fundo.
– Seu pai.
Afasto-me e sinto mais uma vez a raiva tomar conta de mim.
Dou as costas e saio apressada. Monto em Panteão, mas Poope me impede de sair.
– Ele apenas pediu que não fôssemos mais caçar.
– E o que mais? Que você não me procurasse mais porque não merece estar no meio de pessoas como nós? – Poope me olha sem jeito – conheço meu pai, e sei que ele não falaria somente isto.
Dou a comanda e o cavalo sai em disparada.
Cheguei em frente ao enorme casarão e saltei.
– Papai! – abro a porta e percorro a entrada com o olhar.
– Audrea querida, o que houve? – indaga mamãe com a voz de preocupação.
– Onde ele está?
– No escritório com uns… – não esperei que ela terminasse de falar, e corri para as enormes portas de madeira pesada no fim do corredor.
Empurrei-as sem me importar.
Papai estava rodeado de velhos corpulentos, com olhares sujos e bolsos repleto do que ele mais queria.
– Com que direito você vai até meus amigos e os manda ficar longe de mim?
Papai apenas me observava.
Ele baixou o papel que segurava e tirou os óculos.
– Estou no meio de uma reunião. Podemos conversar depois?
– Não, quero conversar agora!
– Audrea, esta reunião é de extrema importância!
– Eu não ligo! – berrei alto.
O olhar de papai era o que mais me deixava enfurecida. Era um olhar de desprezo, de indiferença.
– Audrea, pela última vez. Saia daqui.
Plantei os pés no chão e cruzei os braços.
Papai odiava aquilo.
Ele levantou e bateu com os punhos fechados na mesa.
Se aproximou rapidamente e me pegou pelo braço.
– Agora chega!
– Me solta!
Papai me arrastou para o lado de fora da casa.
– Luíz – mamãe gritou.
– Não se meta Analice – gritou ainda mais alto – Você gosta de aparecer, não é isso Audrea? Pois bem – ele me virou de costas e rasgou meu vestido.
– Luíz! – mamãe se aproximou, mas ele a olhou daquele jeito que só ela entendia.
Os homens que antes estavam em sua sala, agora estavam servindo de plateia.
– Edgar, o chicote.
Olhei para Edgar e percebi sua surpresa.
– Mas, senhor…
– Não vou pedir duas vezes – ameaçou.
Edgar se afastou por alguns instantes e voltou com um chicote fino na mão.
– Não – papai gritou – o meu. Traga o meu.
– Pai…
– Calada. Eu devia ter feito isso há muito tempo.
Edgar voltou com o chicote de papai, que era cinco vezes mais grosso do que o normal. Era trançado com duas voltas.
Ele me empurrou para o chão e ordenou que eu ficasse imóvel.
– Luíz, pelo amor de Deus – mamãe suplicava.
– Se disser mais uma palavra Analice, serão mais dez chicotadas nas costas dela – advertiu.
Baixei a cabeça e pensei em tudo o que já dissera para meu pai. Era demais pedir que ele deixasse que eu escolhesse meus amigos? Era demais pedir que ele tratasse melhor as pessoas?
Olhei para Edgar a minha frente e tornei a baixar a cabeça.
Antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, senti minhas costas esquentar.
Tentei segurar o grito, mas, as lágrimas, foram impossíveis de conter.
Na segunda, ele aumentou a força e foi assim até ele gritar:
– Dez – ele soltou o chicote no chão e se apoiou nos joelhos.
Caí no chão sem forças. Sentia o sangue escorrer em minhas costas, mas, não daria o prazer a ele de me ouvir pedir perdão.
– Quer me dizer alguma coisa? – pergunta se abaixando ao meu lado.
Olhei-o da forma mais desprezível possível.
– Não? Ótimo! Edgar – berrou – ajeite tudo para a viagem de Audrea.
Levanto a cabeça e a encaro.
– Vai para casa de sua tia.
– O que? – retruco.
– Luíz, não.
– Calada mulher. Você – disse apontando para mim – vai morar com sua tia no convento. E só vai voltar de lá, quando aprender a ser gente. Até lá, não verá mais sua mãe, e nem a mim.
– Quanto a você, me sinto aliviada – rebato.
Ele cerrou os punhos, mas se conteve.
– Leve-a para dentro – diz para mamãe que se aproxima rapidamente – apronte-a o quanto antes.
Mamãe me levantou e me levou para dentro.
Ela me ajudou a tomar banho e chamou uma empregada para ajudar com os curativos.
Pus o vestido mais confortável que tinha.
– Audrea, peça desculpa, peça perdão se necessário – mamãe suplicava.
– Não posso mãe.
– Porque?!
– Porque, quem tem de pedir desculpas é ele, e não eu. Ele está errado.
A porta do quarto se abre de uma vez.
– Está pronta?
Baixo a cabeça e não respondo.
– Estou terminando de fazer as malas dela – mamãe diz.
Papai sai e nos deixa sozinhas novamente.
– Por favor, minha filha, faça isso, por mim.
Seguro a mão de mamãe e a faço entender, que estava fora de cogitação pedir desculpas a ele.
Descemos e estava tudo pronto.
Edgar pegou minha mala e colocou na carruagem.
Papai estava do lado de fora com um charuto na boca.
Mamãe me abraçou calmamente por conta das feridas.
– Coloquei muitos mantimentos para seus curativos – diz – por favor, desista.
Beijo-a e sigo para a porta da carruagem.
Entrei e o cocheiro tomou sua posição.
Papai se aproximou e disse:
– Aprume-se. Aproveita sua estadia por lá, para que aprenda algo, principalmente sobre matrimônio – não consegui conter minha surpresa diante de suas palavras – quando voltar, será para casar.
Ele bate na lateral e o cocheiro bate as rédeas.
Ponho a cabeça pra fora e observo-o atentamente.
Mamãe me dá um adeus que nem consegui responder.
Casar? – penso.
Recosto-me no banco e começo a pensar no que me esperava.
Sabia muito pouco sobre essa tia que era freira, mas, o que sabia, era que, além de muito religiosa, ela era pior que o papai. Ela o criou, fez dele sua imagem e semelhança.
Respirei fundo e decidi que nada mais me abalaria, mas, que acima de tudo, eu jamais perdoaria papai por aquilo.