Olhares que Queimam

578 Words
A semana seguiu como um jogo silencioso entre dois jogadores que sabiam exatamente o que estavam fazendo e o que estavam sentindo. Kira chegava cedo às aulas de Luís. Sempre na segunda fileira, onde ele podia vê-la perfeitamente sem levantar suspeitas. Seus cadernos impecáveis, a letra caprichada, a concentração aparente. Mas havia muito mais do que disciplina ali. Havia intenção. E Luís... Luís fingia normalidade. Dava aula com a mesma precisão, com a mesma voz firme e pausada. Mas seus olhos traíam o controle. De vez em quando, entre um gráfico de fluxo de caixa e uma explicação sobre startups, ele se perdia apenas por um segundo naquele par de olhos castanhos que o desafiavam como uma promessa. Naquela terça-feira, a sala estava mais cheia que o normal. Alguns alunos haviam trocado de turma e a classe ficou apertada. Kira entrou, mas sua carteira habitual estava ocupada. Luís, ao notar, apenas ergueu uma sobrancelha e apontou discretamente para a fileira da frente. Havia uma única cadeira vazia bem em frente à mesa dele. Ela entendeu o recado. Sentou-se com calma, cruzou as pernas com elegância e inclinou-se sobre a mesa, o decote da blusa abrindo sutilmente. Era uma dança. Nenhum dos dois falava sobre isso, mas dançavam mesmo assim. Luís começou a aula. Falava sobre estratégias de captação de investimento, mas sua mente estava longe. A cada pausa, a cada vez que virava para o quadro, sentia o perfume de Kira preencher o ar. Um aroma doce, com toques florais e perigosamente viciante. Em um momento, ao passar entre as fileiras, ele se aproximou demais. O braço roçou no dela. Foi um toque leve, acidental, mas ambos sentiram como uma faísca. — Está tudo claro até aqui? perguntou, parando bem diante dela. Kira ergueu os olhos devagar. Um sorriso quase imperceptível brincava em seus lábios. — Tudo... muito claro, professor. A resposta veio com uma entonação baixa, como se carregasse outro significado. Luís apertou o ponteiro a laser nas mãos, desviando o olhar para o quadro, tentando controlar o desejo que começava a incomodar sob a camisa. A aula seguiu, e a tensão aumentava a cada minuto. No fim, enquanto os alunos saíam em pequenos grupos, rindo e comentando o conteúdo, Kira guardou seus materiais com lentidão provocante. Luís fingia revisar os slides na tela do computador, mas via tudo pelo canto dos olhos. Ela se aproximou. — Gostei muito da aula hoje. disse, em tom casual. Mas havia algo em sua voz que não era tão casual assim. — Fico feliz. Você tem se destacado. respondeu, mantendo o tom profissional. Mas os olhos... os olhos dele estavam longe disso. Kira abaixou levemente a cabeça, como quem agradece um elogio, mas não saiu. Passou os dedos pelos cabelos e, ao levantar o olhar novamente, lançou a pergunta: — E se eu quisesse me aprofundar mais nos temas da aula? Particularmente. Luís respirou fundo. O convite era claro, mas ele precisava medir os próximos passos. — Podemos agendar um horário. Tenho disponibilidade depois do expediente... Ele pausou, olhando para ela de cima a baixo, com sutileza. Em horários menos movimentados. — Perfeito. Eu prefiro quando há menos... distrações. Ela se virou e saiu da sala com passos firmes, os saltos ecoando pelo corredor. Luís permaneceu parado, com o coração acelerado, os olhos fixos na porta que acabava de se fechar. Aquele jogo estava indo longe rápido demais. Mas, no fundo, ele já sabia: não havia mais como voltar atrás.
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