A manhã começou quente, mas diferente das outras vezes, eu não estava pensando em Juliana, em outras mulheres, em conquistas ou em risadas maliciosas. Hoje era sobre carros, sobre pessoas e sobre mim mesmo — meu jeito de vender, de me conectar, de fazer a diferença sem nem perceber.
Cheguei na loja e cumprimentei todo mundo com aquele sorriso de quem sabe o que faz, mas não se leva a sério demais. O Djalma já estava atrás do balcão, mexendo em alguns papéis, e me lançou um olhar cúmplice.
— Bom dia, Beto. — disse ele, piscando. — Hoje você tá com moral, hein?
— Moral e carisma — respondi, apertando a mão dele. — O resto é detalhe.
Enquanto andava pela loja, ajeitando alguns carros, verificando se os espelhos estavam limpos, as rodas brilhando e os bancos impecáveis, pensei em como meu trabalho me dava algo que nenhum romance temporário podia oferecer: uma sensação de controle real e de utilidade. Aqui, cada cliente era um desafio diferente, cada negociação um pequeno teatro em que eu era o protagonista, e onde minhas palavras podiam mudar o humor de alguém, ou até melhorar o dia de alguém que precisava sorrir.
O primeiro cliente do dia era um senhor de meia-idade, elegante, que queria um sedã confiável para a família. Ele olhou para mim com aquela desconfiança natural de quem sabe que vai ser “mais um vendedor tentando empurrar carro caro”.
— Bom dia, senhor. Posso ajudá-lo a escolher o carro perfeito? — perguntei, com aquele sorriso meio torto, mas sincero.
Ele arqueou a sobrancelha, avaliando meu terno, meus sapatos limpos, e, claro, aquele charme que eu não conseguia desligar nem se quisesse.
— Hm… vamos ver se você é honesto, garoto. — Ele riu, e já era um bom sinal.
— Honestidade é meu sobrenome — respondi, piscando. — Bom, não literalmente, mas dá pra imaginar, né?
E assim começou a conversa. Expliquei cada detalhe do carro, mostrei espaço interno, desempenho, economia de combustível, todos os pequenos segredos que poderiam fazer a diferença entre ele comprar ali ou sair. E enquanto falava, percebi o quanto gostava de fazer isso: ajudar as pessoas a encontrar o carro certo para elas, mesmo que fosse apenas pelo prazer de ver o sorriso no rosto delas quando percebiam que estavam fazendo um bom negócio.
— Você realmente gosta do que faz, não é? — ele comentou, depois de testar o carro na pista da loja. — Não é só vender, é… sei lá, se conectar com a gente.
— É exatamente isso, senhor — respondi, abrindo um sorriso genuíno. — Não adianta só empurrar números, você sabe? O negócio só vale se a pessoa se sentir bem no final.
Ele me olhou surpreso, mas satisfeito, e voltei com ele à loja, onde fechamos a venda. A sensação de dever cumprido me deu aquele friozinho gostoso no peito, sabe? Como quando você faz algo certo e sente que fez diferença.
Logo depois, veio uma jovem que estava tentando comprar seu primeiro carro. Nervosa, insegura, cheia de dúvidas. Ela me olhou como quem queria fugir da conversa, mas eu me aproximei com calma:
— Ei, relaxa. — disse, sorrindo. — Primeiro carro, certo? Posso apostar que você quer algo confiável, mas que também seja divertido de dirigir.
Ela riu, meio envergonhada, e eu comecei a explicar cada detalhe, desde o consumo de combustível até o tamanho do porta-malas para viagens. Fui paciente, tirei todas as dúvidas, dei espaço pra ela dirigir, testei cada recurso do carro com ela, rindo e brincando, mas mantendo tudo profissional.
— Nossa, você realmente explica tudo… sem enrolar. — Ela sorriu, mais confiante.
— É meu jeito — respondi. — E sabe de uma coisa? Um carro é como qualquer relacionamento. Precisa de atenção, paciência e, se você escolher bem, pode durar uma vida inteira sem te decepcionar.
Ela gargalhou, e naquele momento percebi que parte do meu charme não era só aparência ou jeito de galã: era empatia. Conseguia ouvir, perceber, me adaptar, fazer com que as pessoas se sentissem seguras. E isso fazia toda a diferença. No final das contas, ela saiu feliz, carro na garagem, e eu com a sensação de ter ajudado alguém a dar um passo importante na vida.
Entre uma venda e outra, fui ao escritório para organizar papéis, conferir pagamentos e planejar negociações futuras. Mas mesmo ali, não deixava o bom humor de lado: piadas rápidas com os colegas, observações engraçadas sobre os carros que chegavam e até pequenos desafios de quem conseguia adivinhar a melhor oferta da semana.
— Beto, você não para, hein? — o Djalma comentou, rindo. — Cada cliente sai daqui sorrindo. Qual é o seu segredo?
— Segredo? — arqueei a sobrancelha, fingindo mistério. — Não existe segredo. Só gosto de ver gente feliz. Além do mais, se eu conseguir vender um carro e arrancar risadas, posso morrer satisfeito no fim do dia.
E enquanto falava, percebi que aquilo realmente me definia: Humberto, o Beto, vendedor, engraçado, carismático, e que fazia do trabalho mais do que um emprego — fazia dele um palco, uma chance de ser útil, de impactar pessoas, de ganhar sorrisos genuínos.
O dia seguiu assim, cheio de pequenas histórias: uma família comprando uma van nova, um jovem que não sabia se confiava no próprio orçamento, clientes que só queriam conversar sobre carros e acabavam rindo das minhas piadas. E cada interação me lembrava que, mesmo vivendo de maneira meio canalha no amor, no trabalho eu era alguém confiável, alguém que se importava, que ajudava, que fazia o dia das pessoas melhor.
No fim da tarde, sentado no meu carro novo na frente da loja, observando o movimento, senti aquela mistura de orgulho e tranquilidade. Não precisava de aplausos, não precisava de reconhecimento externo. Cada sorriso que eu arrancava, cada cliente satisfeito, cada pessoa que se sentia acolhida… isso bastava.
E mesmo que Juliana e todas as outras aventuras continuassem a me procurar, naquele momento percebi que o mais importante era eu mesmo, minha habilidade de fazer diferença, minha capacidade de transformar um simples dia de trabalho em algo memorável, divertido e cheio de significado.
Porque, no fundo, Humberto, o Beto, podia até ser um canalha charmoso no amor, mas no trabalho, no mundo real, eu era um cara legal, divertido, que sabia ouvir, ajudar e deixar todo mundo melhor do que me encontrou.
E com esse pensamento, desliguei o carro, me espreguicei, e entrei na loja para fechar o expediente com aquele sorriso largo no rosto, pronto para o que quer que a vida decidisse me jogar amanhã.