O barzinho da esquina era daqueles lugares que a gente nunca se cansa de ir. Nem era tão requintado, mas tinha aquele cheiro de comida boa misturado com o som de risadas e copos batendo. Eu conhecia metade dos garçons pelo nome, e eles me conheciam ainda melhor: “Beto, o cara das piadinhas que nunca deixa a mesa silenciosa”.
Cheguei sozinho naquela noite, camisa branca levemente aberta no peito, relógio discreto no pulso e aquele ar de quem sabe que vai acabar chamando atenção sem precisar forçar nada. Pedi meu chopp gelado, sentei na mesa mais afastada e fiquei observando o movimento.
Foi então que eu a vi.
Morena, cabelos lisos que caíam como cascata até o ombro, batom vermelho que se destacava no meio das luzes amareladas. Ela ria alto com as amigas, mas de vez em quando desviava o olhar pra mim. E eu? Bom, eu já sabia jogar esse jogo. Cruzei o braço, dei aquele meio sorriso de canto e segurei o olhar dela tempo suficiente pra deixá-la sem graça.
Não demorou muito: ela levantou pra ir ao balcão. Eu levantei também. O destino adora brincar comigo.
— Boa noite — falei, encostando casualmente no balcão, como se eu também tivesse ido pedir alguma coisa. — Se eu disser que esse batom vermelho foi feito pra borrar minha boca com um beijo, vou parecer cafajeste?
Ela me olhou com aquela expressão de quem finge não gostar, mas gosta.
— Vai — respondeu, rindo de leve. — Mas pelo menos é criativo.
— Ótimo, porque criativo é o mínimo que eu tento ser. — Pisquei e pedi uma dose de whisky. — Aceita uma também?
Ela hesitou por dois segundos, só pra manter a pose, e depois assentiu.
Conversamos ali, entre um gole e outro, sobre coisas banais: trabalho, música, viagens. Ela se chamava Juliana, trabalhava em uma agência de marketing e jurava que era péssima em matemática, mas ótima em inventar desculpas pra sair mais cedo na sexta-feira. Eu fazia minhas gracinhas, arrancava dela gargalhadas que chamavam atenção até das amigas na mesa ao lado.
— Você sempre foi assim? — ela perguntou, cruzando os braços sobre o balcão. — Esse cara cheio de piadinhas?
— Eu? Não. — Ri. — Normalmente sou muito sério, focado, quase um monge. Mas quando aparece uma mulher bonita, aí eu me transformo.
Ela balançou a cabeça, rindo, e o olhar dela desceu por um segundo até minha camisa entreaberta. Eu percebi. E fiz questão de me inclinar um pouco mais perto, deixando meu perfume chegar até ela.
Dali pro convite foi um passo.
— Quer esticar a noite? — falei direto, mas com aquele tom de quem não tá pedindo nada demais, só sugerindo.
— Você é rápido, hein. — Ela arqueou a sobrancelha, mas não recuou.
— Não sou rápido. Só sei quando não vale a pena enrolar.
Dez minutos depois, o carro já deslizava pelas ruas em direção ao meu apartamento. No banco do passageiro, ela ria de alguma bobagem que eu contei sobre clientes tentando pagar carro com galinha e promessa de sogra. O riso dela preenchia o espaço e deixava a noite mais leve.
Chegando lá, subi com ela. Assim que a porta se fechou atrás de nós, ela tirou os sapatos, deixando os saltos no canto da sala.
— Bonito apartamento — comentou, dando uma volta com os olhos.
— Obrigado. Mas hoje eu quero ver só você bonita aqui dentro. — Aproximei-me, pegando de leve na cintura dela.
Ela sorriu, mordendo o lábio. Foi o suficiente pra eu puxá-la mais perto. O beijo veio quente, urgente, como se já estivesse sendo esperado desde o momento em que trocamos o primeiro olhar no bar. Minhas mãos deslizaram pela curva da cintura, e as dela seguraram firme minha nuca, trazendo-me pra mais perto.
Entre risos abafados e beijos cada vez mais intensos, fomos deixando o caminho até o quarto bagunçado: bolsa dela no sofá, minha camisa esquecida na porta, o salto solitário caído no corredor.
A cama nos recebeu como cúmplice. O que aconteceu ali não precisa de detalhes explícitos pra ser entendido. Foram olhares que queimavam, toques que diziam mais que palavras, a respiração dela acelerada no meu ouvido, minhas mãos explorando cada pedaço permitido e além. O tempo pareceu derreter.
Quando finalmente nos deixamos cair exaustos sobre os lençóis, o quarto ficou em silêncio, exceto pelo som da nossa respiração ainda descompassada. Ela apoiou a cabeça no meu peito, e eu fiquei passando os dedos distraidamente pelo cabelo dela.
— Você é mesmo engraçadinho — murmurou, meio sonolenta. — Mas vou confessar… tem mais coisa em você do que só piadinhas.
Sorri no escuro. Não era a primeira vez que eu ouvia isso.
— Eu avisei — respondi baixo, beijando o topo da cabeça dela. — Nem tudo em mim é graça.
Ficamos ali, entre o sono e a lembrança quente do que acabara de acontecer. E eu, mais uma vez, percebi: por trás do vendedor conquistador, do cara das piadinhas, existia também esse homem que sabia aproveitar cada detalhe — da gargalhada no bar até o silêncio cúmplice entre quatro paredes.
E, sinceramente? Eu gostava disso. Gostava de ser tudo ao mesmo tempo.