Adeus Aka

1253 Words
Narrado em terceira pessoa O avião pousou em Curitiba numa madrugada chuvosa,a pista molhada refletia as luzes do terminal como um espelho torto e lá estava ele Thiago Yamaguichi Souza, carregando o peso da liberdade como quem arrasta uma mala cheia de cadáveres,Milena o esperava do lado de fora, o capuz cobrindo os cabelos curtos e os olhos escondidos por lentes escuras,já não era a mesma mulher. nem ele era o mesmo irmão,se entreolharam por longos segundos,sem sorriso,sem palavras.a liberdade tem cheiro de luto. — “Conseguiu?” — ela perguntou, sem rodeios, Thiago assentiu e entregou-lhe o envelope preto, marcado com um carimbo em japonês e uma assinatura em sangue. — “Estamos fora. Mas custou caro.” —Ela nem precisou abrir sabia o conteúdo. — “E o corpo?” — “Foi cremado. Os registros apagados. Para a Yakuza, Aka e Hachi morreram no Japão, em um acerto de contas. Nunca pisaram em solo brasileiro de novo.” Milena respirou fundo,soltou o ar como quem se despede de uma vida inteira. — “E o preço final?” —Thiago hesitou. — “Você terá que entregar tudo. As contas, os imóveis, os códigos. Inclusive o acervo de dados sobre os contratos...” Ela assentiu, firme. — “E as tatuagens?” — “Comecei a remoção há meses. Agora é sua vez.” O silêncio entre os dois foi quebrado apenas pela chuva que pingava ritmada no capô do carro. De volta a antiga casa onde Milena e Thiago nasceram e cresceram,a casa que seus pais contruiram,sonharam, em seu antigo quarto,ela tirou a blusa devagar, encarando o espelho,as marcas no corpo o dragão entre os ombros, as flores ao redor do quadril, os números nos dedos, cada uma representava um crime, uma morte, uma fuga. — “Doe mais tirar ou deixar?” — ela perguntou, encarando o reflexo. — “Deixar.” —A remoção começou dias depois,um processo lento, doloroso, caro,cada sessão uma punição, mas também um rito de passagem,a cada gota de tinta arrancada, Milena chorava,não pela dor,mas pelas memórias que sangravam juntos noites em Kyoto,as execuções silenciosas,as mulheres que treinou..as meninas que salvou. As que não conseguiu,ela queria esquecer tudo. mas não podia,na terceira sessão, Maria entrou no quarto sem bater. — “Mãe?” —Milena rapidamente cobriu o braço, mas a filha viu. — “Você tá doente?” — “Não, meu amor. Tô curando.” —Maria se aproximou, tocou suavemente o antebraço da mãe. — “É feio... mas parece que sua pele tá se libertando.” —Milena sorriu, com os olhos marejados. — “É exatamente isso.” Thiago agora se mantinha discreto,longe de armas,longe de códigos,com um pequeno estúdio de tatuagem,irônico para quem estava apagando as próprias marcas, mas agora transformando dor em arte para outros. — “A gente nasceu duas vezes, mana.” — ele disse uma noite, enquanto partilhavam uma pizza fria na varanda. — “E a segunda vez doeu mais.” — “Mas dessa vez, é real.” Agora, eles não eram mais fantasmas da Yakuza,agora eram apenas Milena e Thiago, filhos de Ana e João,mas Milena ainda precisava enfrentar algo que nem a remoção da tatuagem podia apagar, Bruno . Narrado em terceira pessoa, com foco nos sentimentos de Bruno Bruno observava Milena à distância,sentada no sofá, de cabelos presos e expressão serena, com Maria deitada sobre suas pernas, rindo de alguma coisa que o tio Thiago dizia a cena era bonita,quase familiar,quase,mas por dentro, ele sangrava,cinco anos,foram cinco malditos anos em que chorou, gritou, sonhou com ela e quando a reencontrou, não foi nos braços dele que ela viveu... Foi com Gustavo com aquele desgraçado,ele vira as fotos eles estavam felizes sorrisos sinceros. Abraços íntimos e ela... ela parecia apaixonada,mesmo depois daquela noite ardente, em que seus corpos se reconheceram como fogo e estilhaço, Bruno não conseguia ignorar o gosto amargo do passado recente,não conseguia confiar. — “Você tá bem?” — Milena perguntou, naquela tarde, ao vê-lo calado demais. — “Tô.”— Mentira ele não estava. — “Você... vai buscar a Maria hoje?” — ela continuou, tentando suavizar o clima,Bruno assentiu, e logo emendou, num tom seco: — “Rodrigo vai junto?” — Milena parou respirou fundo. — “Ele é nosso advogado, Bruno. Tem nos ajudado com tudo.” — “Nosso... ou seu?” — “Não começa.” Ele se afastou, irritado ela queria diálogo, mas ele ainda estava tentando digerir a imagem dela de mãos dadas com Gustavo, como um veneno lento que ainda corria nas veias,Rodrigo era presente,sempre educado,sempre pontual e Bruno odiava isso, era como se aquele homem tivesse ocupado o espaço que era dele,Rodrigo levava Maria ao parque, ajudava Milena com os documentos, trocava confidências com Thiago, como se os três tivessem um passado do qual ele, Bruno, sempre foi excluído, e era verdade, eles se conheciam desde a adolescência,Rodrigo sabia coisas que Bruno nem imaginava. — “Ele é só um amigo,” — Milena disse certa noite, quando Bruno foi buscá-la para levar Maria a uma apresentação da escola. — “É sempre assim que começa,” — ele respondeu, com amargura, ela o encarou. Aquilo doía. — “Você não sabe a metade do que passei com aquele homem que você odeia tanto. E agora desconfia do único que me estendeu a mão sem querer nada em troca?” — “E o que você deu em troca, Milena?” Ela ficou em silêncio, enquanto os adultos ardiam em ressentimentos, Maria, a menina agora chamava Milena de “mãe” com naturalidade, contava seus medos, suas alegrias, seus segredos, Thiago virara seu “tio preferido”, e ela vivia pedindo para aprender palavras em japonês, fascinada com a cultura que ele tentava deixar para trás. — “Você sabia que o nome da mamãe era Aka?” — ela disse um dia, sem malícia Milena travou. — “Quem te contou isso, Maria?” — “O tio Thiago. Mas ele disse que esse nome já morreu. Que agora você é só minha mãe.”— Milena sorriu, os olhos marejados. — “É isso mesmo.” Bruno ouvia tudo de longe, via a filha mais feliz, via Milena tentando se reconstruindo, mas ainda assim... doía o toque de Rodrigo em seu ombro, a confiança entre ele e Milena, as lembranças que só eles compartilhavam, uma noite, Bruno explodiu: — “Você já o amou? Rodrigo?” — Milena não respondeu de imediato. O silêncio foi como um t**a. — “Nunca como amei você,” — ela respondeu por fim. — “Mas ele nunca me feriu. Nunca me abandonou. E isso também é amor, de um tipo diferente.” Bruno saiu, precisava respirar ou gritar, na varanda, Thiago o encontrou. Ficaram lado a lado, sem palavras. — “Você acha que ela ainda sente algo por ele?” — Bruno perguntou, sem esconder a angústia, Thiago olhou o céu. — “Não importa o que ela sente. Importa o que você vai fazer com o que sente por ela.” Bruno ficou em silêncio, no dia seguinte, Rodrigo apareceu para levar Milena e Maria a uma consulta com o psicólogo da escola. Bruno os viu entrarem no carro e pela primeira vez, não teve raiva, teve medo, de perder de nunca mais recuperar o lugar no coração de Milena, de perceber que talvez ele tenha chegado tarde demais.
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