Choramos em silêncio,de pé, grudados, destruídos, e mesmo assim… mesmo entre toda aquela dor... o desejo estava ali, ele encostou a testa na minha,nossas respirações se misturavam,as lágrimas molhavam nossos rostos.
— “Eu te odiei.” — ele sussurrou.
— “Eu também.” — respondi,nossos lábios se tocaram,primeiro como um lamento,depois como uma explosão,beijar Bruno foi como acordar de um coma,a boca dele tinha gosto de raiva e saudade,as mãos dele tremiam, mas me seguravam como se eu ainda fosse dele,me jogou contra a parede,minhas pernas envolveram sua cintura,ele mordeu meu pescoço como se quisesse marcar.
— “Você ainda é minha.” — ele disse entre os dentes.
— “Eu nunca deixei de ser.”— A sala virou campo de guerra,beijos, tapas, gemidos abafados,roupas rasgadas,dentes na pele,gritos que não eram de dor mas de fúria contida há anos,foi amor,foi vingança,foi punição,depois, o silêncio,nos olhamos deitados, ainda suados, ainda pulsando,ele virou o rosto.
— “Isso não muda nada.”
— “Eu sei.”
— “Eu ainda não confio em você.”
— “Eu também não confio em mim.”
Mas algo dentro de nós dois tinha mudado,algo estava prestes a ruir de vez…ou recomeçar, e justo nesse momento, o celular dele vibrou,mensagem de número desconhecido:
“Se você não ficar esperto, vai perder a próxima mulher da sua vida também. Atenciosamente, G.”
Narrado por Milena
Depois daquela noite, eu soube que não havia mais volta,nem pra mim,nem pra Bruno,nem pra Gustavo,os três entrelaçados num nó de passado, sangue e mentiras, e no centro de tudo, Maria, era por ela que eu continuava em Curitiba,era por ela que eu acordava todos os dias mesmo sabendo que a qualquer momento tudo podia desabar,mas nos últimos dias… comecei a sentir, estavam nos vigiando,Bruno também percebia, ele tentava disfarçar,mas seus olhos estavam sempre atentos,os passos, calculados,as mãos, tensas.
— “Ele vai fazer alguma coisa, Bruno,eu conheço o Gustavo.”
— “Ele não vai tocar na minha filha.”
— “Ele já tocou em tudo que eu era. Ele destruiu o que me restava de dignidade. Você acha mesmo que ele vai parar agora?”
Bruno não respondeu, apenas trincou o maxilar e me puxou para um abraço duro,um abraço que dizia: vou proteger vocês, nem que eu morra tentando.
No dia seguinte, Bruno deixou Maria na escola como sempre.
Ela o abraçou mais forte do que o normal.
— “Papai… a moça dos cabelos dourados estava de novo na esquina.”
— “A moça?”
— “Sim. Ela sorri pra mim. Mas não como antes ,ela sorri… como o papai sorri quando tá bravo.”
Senti meu estômago revirar.
— “Se você ver essa moça de novo, nunca fale com ela. Nem chegue perto. Entendeu?”
— “Entendi, papai.”
eu ouvi tudo atentamente,afinal tinha colocado uma escuta no carro de Bruno,mais tarde, Bruno me ligou,a voz dele soava diferente,gelada.
— “Recebi outro envelope. Mais fotos. Dessa vez… com a Maria.”
— “O quê?”
— “Ela no parquinho. No caminho da escola. No corredor do prédio.” —Meu coração falhou uma batida.
— “Milena... Ele tá perto de mais da minha filha.”
Enquanto falávamos, ouvi o som de uma moto desacelerando na frente da minha casa,fui até a janela,nada,mas minha mente gritou.
Flash,imagem, o som de um motor,as mãos dele no meu pescoço, o grito abafado, o cheiro de sangue e gasolina.Mateo, caí de joelhos, o ar faltando;Bruno apareceu minutos depois,me encontrou ainda no chão, ofegante.
— “Milena, o que foi?”
— “Ele tá me caçando… como um animal.”
— “Ele não vai vencer.”
Mas ele já tinha vencido uma vez, e a verdade é que eu ainda não sabia o quanto,na manhã seguinte, Bruno decidiu buscar Maria mais cedo,ela não estava na escola,a professora disse que ela havia sido retirada por um “tio”,Bruno tinha avisado: ninguém mais além dele poderia buscá-la. o mundo escureceu, Bruno caiu de joelhos,eu gritei,gritei como se pudesse desfazer o tempo com a força do desespero,fz todoas as cosas sob a mesa voar longe,sem me importar com nada
— “Ele levou a nossa filha.” —Horas depois, Bruno recebeu um vídeo, a tela tremia,Gustavo aparecia, sorrindo.
— “Ela é linda. Tem os olhos do pai, e é teimosa feito a mãe, ela me mordeu,posso garantir que é sua filha mesmo, Bruno.”
Mostrou Maria, sentada numa cadeira,assustada, mas intacta, atrás dela… aquela mulher de cabelos dourados Márcia.
— “Achou que ia me enganar pra sempre, Milena?” — disse a velha,naquele instante, algo se partiu dentro de mim,a Milena frágil, amedrontada…sumil e em seu lugar surgiu algo mais antigo,mais escuro,mais letal.
— “Eu vou buscar nossa filha.” — sussurrei para Bruno.
— “Você não vai sozinha.”
— “Você não entende. Se eu não for… eles a matam.”
— “Então vamos juntos.”
No espelho, vi meu reflexo,os olhos de âmbar, cabelo solto,as cicatrizes internas queimando sob a pele,Julieta,Milena,ambas iam ao resgate, e dessa vez… so uma voltaria.
Narrado por Milena
Eu nunca soube como ser mãe,não da forma que as revistas ensinam,não com laços de fita, festinha no parque e lancheira organizada,minha maternidade foi costurada com sangue, fuga e solidão e ainda assim, ela estava ali, ao meu lado, com olhos verdes me observando como se eu fosse o Sol,como se eu não tivesse passado metade da vida escondida…e a outra metade tentando morrer.
Maria me puxou de volta com a voz baixa:
— “Mamãe, você sempre foi assim?”
— “Assim como?”
— “Bonita. Mas triste.”— Sorri sem saber o que responder,ela tinha 5 anos e enxergava além dos adultos,era como eu era,mas eu não tinha a chance que ela tinha agora,respirei fundo, sentindo o cheiro do cabelo dela e então respondi, sem máscara:
— “Eu era bonita. Mas a tristeza me comeu por dentro, até você nascer.”— Maria inclinou a cabeça e me encarou com curiosidade infantil.
— “Você estava feliz quando eu nasci?” — Meus olhos se perderam no passado,na lama,no frio,no sangue,estávamos sob uma ponte abandonada, perto de uma estrada de terra , norte do Parana,eu sangrava a horas,fugindo pela mata no escuro,sozinha,minhas mãos e pernas tremiam, os gritos do meu próprio corpo abafados por uma chuva fina que pingava pelo folhas,eu me ajoelhei na terra molhada,e ali, sob a ponte, entre lama e pedras,com um canivete que eu mesma afiei,e com os gritos presos na garganta,você nasceu, Maria,você veio ao mundo como eu em silêncio mas inteira,lembro da sua pele quente contra meu peito,o seu choro fraco e eu te cobrindo com o meu casaco ensanguentado,naquele momento, o mundo se calou e pela primeira vez… eu soube o que era o amor.
voltei à sala, ainda com a filha entre os braços.
— “Sim, Maria. Eu estava feliz. Foi o único dia da minha vida em que eu quis viver. Mesmo sem saber se conseguiria.”
Ela me abraçou apertado, com os bracinhos finos.
— “Eu também te amo, mãe.”
E ali, naquele sofá, no meio da madrugada, entre fantasmas e dores,recebi o carinho que sempre sonhei,não da minha mãe,não dos homens,mas da minha filha,ela adormeceu no meu colo e eu chorei,chorei como nunca,chorei pela Milena de 16 anos, pela de 20, pela de 25,chorei por cada pedaço que eu enterrei pra continuar viva e entendi…agora eu tinha algo a perder.
E isso tornava tudo ainda mais perigoso.