Soberana

Entre prazer e luto

Fabio

Mesmo conhecendo Milena a anos ,e sabendo de tudo que ela é capaz,e uma porcentagem do que ela ja fez,mesmo assim me espantei com a frieza e a naturalidade naquele ato,Milena estava sob o corpo de Yoshiro,uma perna de cada lado,sua roupa estava rasgada e suja,varios cortes pelo braço e perna ,ela estava com um vestido,branco, com uma venda que deixava sua coxa amostra,ela estava assustadoramente sexy,em sua mão tinha uma pequena adaga e ela parecia uma artista terminando o quadro, ela o esfaqueia

uma,duas, dez vezes,sem gritar,sem pressa, até o peito dele afundar, até o rosto virar lama, até que não restasse mais homem, só poeira de um monstro,Bruno, Bene, Paulo e Leco ,estão ao meu lado,todos como eu parados,observando aquela cena em camera lenta,ela não falava nada mais aqueles gestos dizam muitas coisas,corpos caídos,fumaça,sangue por todos os lados e então…

ela levanta,Milena larga a adaga,olha suas mão,olha para gente então sorri,um sorriso, lindo e assustador ao mesmo tempo,coberta de sangue, o rosto inreconhecível,olhos vazios, mãos trêmulas, peito arfando,Mas viva, ela olha para cada um de nos,não diz nada,

— “Milena…” — Ela ergue os olhos.

— “Eu disse que voltaria,mas não disse quem voltaria comigo.”

No helicóptero,ja sobrevoando Curitiba ,é amanhecer, Milena, envolta em manta térmica, no meu colo, Bruno olhando o horizonte,silêncio entre todos,mas todos sabem, a soberana voltou, e dessa vez… ninguém vai acorrentá-la de novo,os meses vão se passando , Milena voltou a agir como de costume,desde que a encontramos,sinto uma necessidade maior de protegela,ela disfarça,mais a cara de Bruno não,não a largo pra nada,ate a sombra dela deve ter ciumes, ficamos um tempo sem nos falar,logo que aconteceu tudo aquilo a 5 anos atras,eu sinto como se fosse culpa minha aquele dia,se não fosse por mim ela nunca teria pego aquele onibus,ela sempre ia andando nos lugares,aquele dia eu a cansei, fiz correr pelas ruas do centro,ela nem poderia estar correndo daquele jeito ,mais eu a fiz correr,eu soube dias depois, eu não poderia aparecer, eu estaria a colocando em perigo,então quando ela voltou e me procurar,eu jurei que a protegeria de tudo, venho falhando,mais Milena se tornou tudo para mim...

Milena Narrando

A chuva batia na janela do meu quarto, Bruno estava a caminho do Rio, disse que seria rápido,mas algo em mim já pressentia que aquela despedida… ia mudar tudo,Fábio ficou, silencioso, sempre me acompanhava com os olhos,mesmo quando eu fingia que não notava, naquela noite, eu não queria poder, não queria planos, códigos, nem alianças "Eu queria um corpo quente, eu queria um abraço honesto, eu queria ficar "

Fábio entrou no quarto com uma garrafa de vinho, meu cabelo ainda estava molhado, usava a camisa dele, aquela cinza escura, que eu sempre fingia devolver e esquecia de propósito, ele me olhou,como se visse todas as versões minhas de uma vez só.

— “Você tá bem?” — ele perguntou.

— “Não pergunta isso, só me beija”—E ele beijou, foi lento, sem pressa, sem joguinhos, só desejo cru e respeito misturado, me tocou como quem já conhecia o caminho, me despiu como quem desarma uma bomba, me penetrou como quem invade e cura ao mesmo tempo, naquela noite, eu gozei com o peito apertado,de prazer…de medo, porque no fundo, eu sabia,algo ali era último, e eu odeio finais.

Dois meses depois

Segurei o exame com as mãos trêmulas, a médica me olhou com cautela,como se já soubesse quem eu era,como se estivesse com medo de dar a notícia errada pra mulher certa.

— “Milena… você está grávida” — Silêncio,não chorei ali,não disse nada,só assinei o papel e saí,mas quando entrei no carro…eu desabei sozinha, com as mãos na barriga ainda insível,chorei por mim, por ele, pelo bebê, por tudo que nunca consegui ser sem medo, a Milena fria não grita, mas essa… chorou até soluçar, até os olhos arderem, até o passado bater na porta e perguntar:“Você vai errar de novo?”. Eu bati no volante, gritei.

— “Por que agora? por que depois de tudo? por que da e tira sempre?”

Mas o ventre não responde, ele só pulsa, devagar, como um coração novo…esperando que eu me reconstrua de novo,ja cama casa que um dia foi dele, visto de novo a camisa cinza,deito na cama fecho os olhos.

— “Eu queria que você soubesse,eu queria que você visse,mas você se foi…e me deixou a parte mais viva de você.”

Acaricio o ventre, ainda plano,e sussurro:

— “Dessa vez, eu não vou fugir,dessa vez, eu não vou ser forte,eu só vou ser mãe.”

Bruno narando

Voltar pra Curitiba depois da morte do Fábio…foi como entrar numa casa onde alguém deixou uma música tocando no quarto vazio.,tudo parecia igual, mas nada tinha vida, eu soube que Milena tinha voltado à ativa, negociava com a Yakuza com frieza, assinava contratos como se tivesse gelo nas veias, controlava territórios e homens com o olhar, mas tinha algo errado com ela, nos olhos,na postura,nos silêncios, Milena sempre foi uma muralha, agora ela parecia uma muralha… com rachaduras, e eu conheço cada uma delas, demorei uma semana pra forçar um encontro, ela não queria me ver, ou melhor… ela não queria ser vista por mim.

Quando entrou na sala da cobertura onde combinei, vestia preto da cabeça aos pés, sobrancelha feita, perfume de ameixa, mas estava pálida, e mais quieta do que o normal.

— “Faz quanto tempo que você tá se escondendo de mim?” — perguntei, ela nem piscou.

— “Desde o momento que percebi que você não podia me salvar de certas coisas.”

Foi só quando ela pegou o copo de água que notei a leve tremedeira, e a forma que ela protegeu a barriga com o braço, instintivamente.

— “Você tá doente?”

— “Não.”

— “Então me diz o que é.”

— “Você não quer saber.”

Me aproximei, coloquei a mão no rosto dela.

— “É disso que você tem medo agora? de mim?”

E então… uma lagrima escorreu de seu olho,rígida,como quem odeia demonstrar fraqueza.

— “Tô grávida... do Fábio.”

Foi como levar um soco no estômago e outro no coração,na mesma hora,sentei no sofá,olhei pro chão.minha cabeça começou a gritar com tudo o que eu não disse quando ele morreu,com tudo que ela perdeu quando quando eu não tava aqui,com tudo o que ela foi, e ainda é, pra mim.