Sombras de Sangue

1152 Words
Julieta Rodrigo marcou o encontro num canto discreto da praia, longe do restaurante, o mar era só um ruído baixo ao fundo, ele estava tenso olhos vermelhos, barba por fazer. — “Preciso te contar uma coisa, não sei se você vai entender ou acreditar.” — “Tenta.” — “É sobre o Thiago.” Meu coração congelou, fiquei em silêncio. — “O irmão gêmeo da Milena.” — “Sim.” — “Você… você é a Milena, né?” Eu desviei os olhos, respirei fundo. — “Continue, Rodrigo.” Ele se abaixou na areia, tirou um cigarro do bolso, mas não acendeu. — “Depois que a Milena sumiu, Thiago ficou obcecado em encontrá-la, procurou pistas, ameaçou gente grande, pressionou traficantes e policiais,mas ninguém sabia de nada, era como se ela tivesse evaporado.” — “Ela evaporou.” — “Só que ele não acreditava nisso.” Rodrigo me olhou nos olhos. — “Aos poucos, Thiago percebeu que ela tinha sido engolida pelo mesmo mundo,pelas alianças do crime,pela guerra suja entre facções, e quando ele tentou ir atrás dela…quase morreu.” — “O que aconteceu?” — “Um acerto, Thiago enfrentou o cara errado no momento errado, a Yakuza que cuidava de parte dos negócios da família materna dele fez um acordo, salvariam a vida dele,em troca, ele teria que sumir do Brasil.” — “E ele aceitou?” — “Ele aceitou por ela, pela Milena? ” — “Porque ele sabia que estando vivo… ainda teria uma chance de encontrá-la, e pra viver, ele teve que sangrar.” Rodrigo tirou o celular do bolso, me mostrou uma foto granulada,um homem com traços orientais de pele clara,com as costas nuas, ajoelhado, enquanto duas figuras tatuavam algo em suas costas. — “É o ritual de aceitação no submundo, Thiago se tornou um fantasma, passou a existir só dentro dos códigos da máfia japonesa.” — “E veio pro Chile?” — “Foi o único território neutro, fora do Brasil, longe da Ásia.” — “ Quem realmente foi ou é essa Milena, que tanto me assombra? ” Fiquei em silêncio,mas dentro de mim, algo tremia, Thiago se exilou… por causa da irmã — “Você acha que ele ainda a reconheceria ?” — “Tenho certeza.” Voltei pro restaurante com um vendaval na cabeça,Mateo estava me esperando, de camisa preta, rosto tenso, ele não disse nada. Só me encarou. — “Onde você estava?” — “Caminhando.” — “Com Rodrigo?” — “Por quê?” — “Porque ele tá se metendo demais na nossa vida.” Engoli seco. — “Tá com medo do quê, Mateo?” — “Medo de te perder.” Ele se aproximou, me segurou com força, sua respiração colava na minha pele. — “Sabe o que acontece quando você me provoca?” — “Você tenta me domar e consegue.” — “Nem sempre.” Transamos ali mesmo, contra a parede, com raiva contida, ele mordeu meu pescoço como se quisesse marcar território, eu gemi pra distrair, mas por dentro…eu ria, porque ele não percebeu que a mulher que ele tenta domar já domou tudo ao redor; mais tarde naquela noite, recebi uma mensagem codificada de Rodrigo:“O reflexo respondeu, ele lembra, e está esperando.”Thiago está perto. Thiago está pronto, e Mateo…Mateo vai ser o próximo a cair. O recado estava claro:“Ele lembra. Está esperando.” mas chegar até ele não seria tão simples, as montanhas de San Antonio ficavam a mais de duas horas dali, em uma região isolada, sem estradas fáceis, com neblina densa e olhos atentos em cada curva, e eu sabia que não podia sair pela porta da frente, não com Mateo vigiando tudo, a primeira tentativa foi de madrugada, Rodrigo me esperava num carro alugado, longe do restaurante, com um mapa antigo e um rádio desligado por segurança, eu me despedi de Mateo com um beijo quente e mentiroso. — “Vou ao mercado bem cedo amanhã. Quer algo especial pro café?” — “Surpreenda-me.” E eu iria, mas ele me seguiu, vi o carro preto no espelho lateral, mesma placa, mesmo modelo, ele sabia, Rodrigo acelerou, viramos por ruas de terra, atalhos improvisados, o carro de trás colou no nosso para-choque. — “Tem certeza que quer fazer isso, Julieta?” — “Não tem mais volta.” Foi aí que os pneus estouraram, Mateo não veio pessoalmente, mandou dois homens encapuzados, armados, precisos, Rodrigo tentou reagir, mas levou uma coronhada, eu gritei, chutei, mordi,fui amarrada, o capuz abafava minha respiração. — “Ela não vai morrer,Mateo quer que ela veja o que acontece quando mente.” Quando tiraram o capuz, eu estava no porão de uma casa vazia, paredes de pedra, cheiro de mofo, cordas apertando meus pulsos. Mateo entrou meia hora depois, calmo,frio. — “Você ia me deixar.” — “Eu ia procurar respostas.” — “Você ia fugir pra ele.” — “Você tá delirando, Gustavo.” — “NÃO ME CHAME ASSIM!” Ele me segurou pelo cabelo, forçou minha cabeça pra trás, mas não me bateu. — “Sabe o que me mata? que mesmo te amando como eu amo…você ainda pensa nele, nos outros, naqueles que te abandonaram.” — “Você não me ama, você me coleciona.” Mateo riu, e então… chorou. — “Você é a única coisa que me sobrou,a gente tava vivendo, o que por anos eu esperei da Milena,VOCÊ É O QUE EU CRESCI QUERENDO,VOCÊ É SÓ MINHA MILENA ! ,SE EU TE PERDEU EU MORRO OU TE MATO” Eu encarei os olhos dele. — “Então mata.” Ele não me matou,me soltou,mas não me deixou ir, e por três dias…fiquei presa naquela casa, sem luz, sem contato, comida fria,vinho barato, vícios e vigilância, no quarto dia, Rodrigo voltou, sangrando, mas vivo, conseguiu me tirar de lá no meio da madrugada, com ajuda de um contato antigo,dirigimos por horas,montanha acima, frio nos ossos, coração na boca, até que vimos a cabana, isolada, silenciosa, com uma lanterna acesa do lado de dentro,Rodrigo não disse nada, apenas me entregou um bilhete: “O reflexo ainda respira.” — Takashi. Meus joelhos falharam,meus olhos queimaram, era hora, abri a porta devagar, um homem estava ali, ajoelhado, de costas, tatuagens pelo corpo, uma cicatriz antiga no ombro, ele virou o rosto lentamente, e por um segundo… o mundo inteiro parou. — “Thiago?” — “...Milena?” Eu desabei,me joguei nos braços dele, ele me segurou como se o tempo nunca tivesse passado. — “Eu sabia.” — “Eu senti.” — “Você voltou pra mim.” E naquela cabana congelada,com sangue, perdas, mentiras e amor correndo entre nossas veias…o verdadeiro jogo começou.
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