A Volta de Quem Nunca Partiu
A estrada até a cidade parecia mais estreita do que ela lembrava, como se os anos longe tivessem distorcido as memórias. O vidro do carro aberto deixava o vento brincar com seus cabelos castanhos, agora mais curtos, com pontas onduladas e discretamente douradas pelo sol. Isabela apertou os dedos no volante, tentando conter a ansiedade que se instalava no peito como uma velha conhecida.
Cinco anos.
Foram cinco anos longe de casa, da rua de paralelepípedos onde cresceu, dos almoços de domingo com cheiro de tempero da Dona Vera, da risada alta do seu pai, Seu Cláudio, e do barulho da máquina de costura que embalava suas noites na adolescência.
E agora, ali estava ela. De volta.
Estacionou o carro em frente ao pequeno portão verde com tinta descascada. A mesma roseira ainda crescia ao lado da varanda, mais alta, mais robusta. Respirou fundo. O cheiro de café fresco veio com o vento, e antes que pudesse tocar a campainha, a porta se abriu.
— Filha?! — Dona Vera levou as mãos à boca, os olhos marejados. O tempo passou por ela, sim, mas o abraço apertado e o calor de mãe continuavam iguais. Isabela se jogou nos braços dela, sem segurar as lágrimas.
— Desculpa, mãe… por tudo. Por não ter vindo antes.
— Você tá aqui, Isa. É o que importa — disse a mãe, acariciando seus cabelos. — A gente sempre soube que você precisava de tempo. Mas olha só pra você…
Seu Cláudio surgiu logo depois, com os olhos brilhando e uma risada emocionada.
— Eu disse pra sua mãe que você viria antes do fim do ano. Nunca erro, menina! — Ele a abraçou forte, escondendo a voz embargada com um pigarro.
Na sala, tudo parecia intacto. Os porta-retratos nas paredes, o sofá azul desbotado, a manta tricotada por Dona Vera, os livros antigos do pai empilhados no canto. Era como se o tempo ali tivesse se recusado a passar… esperando por ela.
Depois do almoço, Isabela subiu para o antigo quarto. O mesmo papel de parede com desenhos florais cobria as paredes, mas agora, uma nova energia preenchia o espaço. Ela tirou da bolsa um porta-retrato: uma foto de Gabriel, seu filho, sorrindo com um dente a menos e o cabelo rebelde. Colocou sobre a cômoda e sorriu.
Mas a paz daquela volta não duraria muito.
No fim da tarde, enquanto tomava café com os pais, seu celular vibrou. Um e-mail. O remetente: D’Ávila Construtora e Engenharia.
Seu estômago revirou antes mesmo de abrir. Ela clicou.
> Prezada Arquiteta Isabela Monteiro,
Aguardamos sua presença na reunião de apresentação do novo projeto residencial Aurora Prime, nesta sexta-feira, às 10h, em nossa sede em São Paulo. O encontro contará com a presença do CEO Henrique D’Ávila.
Isabela sentiu o mundo girar. O nome que ela passou anos evitando. O rosto que nunca conseguiu apagar. O homem que, sem saber, era pai do seu filho.
A xícara trincou levemente entre seus dedos.
— Isa, tá tudo bem? — perguntou Seu Cláudio.
Ela respirou fundo, tentando parecer calma.
— Recebi a convocação para um novo projeto. Grande. Importante.
— Que bom, filha! — disse Dona Vera, sorrindo. — Você merece o reconhecimento pelo seu trabalho.
Ela tentou sorrir também, mas havia um terremoto crescendo dentro do peito.
Ela era mais madura agora. Mais forte. Independente. Uma mãe dedicada. Uma profissional respeitada.
Mas será que tudo isso bastava para encarar o homem que partiu sem saber o que deixava para trás?
E, acima de tudo, será que ela estava pronta para revelar o seu maior segredo?
Capítulo 2 – Entre Laços e Segredos
Isabela Monteiro, 27 anos. Arquiteta formada com mérito e mãe solteira por opção e coragem. Tem a alma leve, mas o coração marcado. Seu olhar, antes ingênuo, carrega agora a firmeza de quem precisou crescer depressa. Os anos longe da cidade a ensinaram a calar a dor e transformar amor em força. É doce, mas decidida. Tem o hábito de desenhar quando está ansiosa e coleciona cadernos cheios de esboços que misturam prédios e lembranças.
Seu maior segredo tem olhos cor de mel, cabelo castanho bagunçado e uma gargalhada contagiante.
Gabriel Monteiro, 4 anos e meio. Filho de Isabela. Curioso, falante e esperto demais para sua idade. Gosta de dinossauros, histórias antes de dormir e tem uma quedinha por números, como o avô Cláudio. Herdou da mãe o coração sensível e do pai — embora não o conheça — a expressão séria e o jeito intenso de observar o mundo. Não sabe que tem um pai. Mas sente, instintivamente, que algo está por vir.
Henrique D’Ávila, 31 anos. CEO do Grupo D’Ávila, um dos nomes mais influentes do mercado imobiliário do país. Cresceu cercado por luxo, pressão e frieza. Aprendeu cedo a desconfiar de tudo — inclusive do amor. Antes de se tornar o homem de negócios implacável que é hoje, já foi um jovem inquieto, rebelde e — por um breve tempo — apaixonado. Mas a distância, o silêncio e uma mentira bem contada o transformaram.
Voltou ao Brasil para comandar o império da família. E para enfrentar os fantasmas que deixou para trás — sem imaginar que um deles carrega o seu sangue.
Dona Vera Monteiro, 58 anos. Costureira há mais de três décadas, coração de mãe e mãos calejadas pelo trabalho e pela vida. Nunca cobrou da filha mais do que o necessário. Quando Isabela revelou a gravidez, não houve julgamento — só acolhimento. É o tipo de mulher que segura a dor no peito, mas nunca deixa de sorrir para quem ama. Esperou, todos os dias, pela volta da filha. E sonha com o dia em que Gabriel terá tudo o que merece — inclusive respostas.
Seu Cláudio Monteiro, 62 anos. Ex-professor de matemática, agora aposentado. Tem uma alma paciente e uma fé inabalável na filha. Foi ele quem ensinou Isabela a sonhar grande, mesmo vivendo numa casa pequena. Silencioso, mas observador. Nunca pressionou a filha sobre o pai de Gabriel — só disse, uma vez: “Quando for a hora certa, você vai saber o que fazer”.
Letícia Martins, 29 anos. Melhor amiga de Isabela desde a adolescência. Advogada, moderna, um pouco impulsiva, mas leal como poucas. Foi quem segurou a mão de Isabela nas madrugadas mais difíceis e quem a ajudou a montar o primeiro portfólio como arquiteta. Agora, vive entre tribunais e cafés, mas sempre arruma tempo para ouvir a amiga — e dar conselhos, mesmo que Isabela nem sempre queira ouvi-los.
Maurício Lacerda, 35 anos. Sócio e braço-direito de Henrique na D’Ávila Construtora. Frio, calculista e ambicioso. É um dos principais responsáveis pela separação entre Isabela e Henrique no passado. Seus interesses vão além dos negócios — e ele está disposto a tudo para manter o controle do império... e de Henrique.
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Cada um deles carrega uma parte da história. Cada um, uma peça do quebra-cabeça que Isabela precisará montar.
Porque quando o passado volta, não vem sozinho.
E o amor verdadeiro, por mais ferido que esteja, nunca se perde para sempre.