Capítulo 3
O sol m*l tinha se levantado quando Gabriel apareceu na porta do quarto, com a camiseta do Homem-Aranha torta no ombro e os cabelos bagunçados pelo sono.
— Mamãe… hoje é o dia da reunião importante? — perguntou com a voz ainda rouca.
Isabela sorriu, sentada na beirada da cama, com uma pasta de documentos no colo e o coração aos pulos.
— É sim, meu amor. Mas você vai ficar com a vovó e o vovô, lembra? Eles estão animadíssimos pra passar o dia com você.
Gabriel se aproximou, subiu na cama de joelhos e abraçou o pescoço da mãe.
— Você vai estar nervosa?
Ela riu, surpresa.
— Como sabe?
— Você fica arrumando os papéis mil vezes. E seu nariz fica enrugado, tipo assim… — Ele fez uma careta engraçada, que fez Isabela rir de verdade.
Era impressionante como ele percebia tudo.
— É… talvez eu esteja um pouquinho nervosa. — Ela o apertou no abraço. — Mas vai dar tudo certo. A mamãe é forte, lembra?
Gabriel assentiu, mas antes de sair, virou-se e disse:
— Se alguém brigar com você lá, eu viro dinossauro.
— Ah é? Vai rugir bem alto?
— GRRRRRAWRRRRR!
O grito foi tão alto que Seu Cláudio apareceu no corredor, rindo e pedindo silêncio, enquanto Dona Vera já preparava o café com pão de queijo na cozinha.
Isabela se arrumou com calma. Calça de alfaiataria preta, blusa de seda bege, cabelos presos em um coque elegante, e maquiagem leve. Profissional. Impecável. Mas por dentro, o coração parecia bater fora de compasso.
Henrique.
O nome ecoava em sua mente como um sussurro constante.
Ela não sabia como ele reagiria. Não sabia se ele ainda lembrava. Ou se havia enterrado tudo.
Mas uma coisa era certa: ele não estava preparado para ver o reflexo dele mesmo em um garotinho de quatro anos.
E nem ela.
O prédio da D’Ávila Construtora era imponente, moderno, feito de vidro e aço. O tipo de arquitetura que ela respeitava — mas nunca sonhou trabalhar ali.
Na recepção, foi recebida por uma jovem elegante.
— A senhora Monteiro está confirmada para a reunião das dez. Sala de conferências no 15º andar. O senhor Lacerda já a aguarda.
Seu estômago revirou. Maurício Lacerda.
A porta se abriu e lá estava ele: terno impecável, sorriso gelado, olhar de cobra.
— Isabela Monteiro… finalmente. A arquiteta prodígio.
Ela manteve a postura.
— Senhor Lacerda. Um prazer.
— O prazer é todo meu. Soubemos que esteve fora do país. Que bom que voltou.
Ele a analisava de cima a baixo, como se estivesse tentando adivinhar seus passos antes que ela os desse.
— O Henrique ainda não chegou, mas não deve demorar — disse, fazendo sinal para que ela se sentasse. — Ele vai gostar muito de vê-la de novo.
Ela fingiu não entender o tom.
— Espero que goste do meu projeto. É só isso que me interessa aqui.
Mas o silêncio durou pouco.
A porta da sala se abriu.
E o tempo parou.
Henrique D’Ávila entrou. Alto, imponente, cabelos mais curtos, barba bem feita, terno cinza escuro e o mesmo olhar intenso de cinco anos atrás.
Ao vê-la, parou de andar. Literalmente.
Os olhos se fixaram nela com uma mistura de choque, confusão e algo que nem ele soube identificar de imediato.
— Isabela?
Ela se levantou devagar.
— Senhor D’Ávila.
Foi tudo o que conseguiu dizer.
Henrique piscou, como se quisesse garantir que não era ilusão. A voz dele saiu rouca.
— Você está… aqui?
— Fui contratada para o projeto Aurora Prime — respondeu, mantendo a compostura, embora suas mãos suassem. — Meu portfólio foi aprovado pela equipe. Não sabiam que me conhecia, então... deve ter sido coincidência.
Maurício sorriu, observando tudo com olhos atentos. Mas por dentro, fervia.
O reencontro não fazia parte de seus planos. E menos ainda a possibilidade de Henrique descobrir a verdade.
Mas o que o sócio não sabia era que o maior impacto ainda estava por vir.
Porque Henrique ainda não tinha conhecido Gabriel.
E quando o fizesse, o mundo nunca mais seria o mesmo.
Capítulo 4 – O Mundo Que Construi
A casa de Isabela era tudo o que ela havia sonhado — e muito mais.
Moderna, com linhas limpas, fachada de vidro e concreto aparente, cercada por um jardim simples mas bem cuidado. Não era ostentação. Era conquista. Cada canto carregava história. Cada móvel, cada objeto de decoração, tinha sido escolhido com cuidado, com suor, com amor.
Gabriel corria pelo corredor com a mochila nas costas, os tênis de dinossauro piscando a cada passo.
— Mamãe! Tô pronto!
Isabela saiu do quarto com o cabelo solto e óculos de leitura apoiado na cabeça. Vestia uma camisa branca e calça jeans escura. Descomplicada e linda, como só alguém em paz consigo mesma consegue ser.
— Deixa eu ver se escovou os dentes direito — disse, agachando-se.
Gabriel abriu a boca, todo orgulhoso.
— Hmmm… aprovado.
Ela o beijou na testa e pegou as chaves.
O caminho até a escolinha era tranquilo. Gabriel falava sobre o novo amiguinho, sobre a professora, sobre o desenho que fez dela voando de capa como uma heroína. Ela sorria, tentando manter a cabeça ali… mas sua mente insistia em voltar para aquele olhar.
Henrique.
Tão perto e, ao mesmo tempo, ainda tão longe.
Havia dor ali. E raiva. Mas também uma pontada de saudade que ela tentou ignorar por cinco anos e que agora se remexia feito brasa sob a pele.
Quando voltou para casa, tentou se concentrar no trabalho. Pegou o laptop, abriu os arquivos do projeto… mas m*l conseguiu passar da segunda página. As palavras de Henrique voltavam em eco:
"Você está… aqui?"
Sim. Ela estava. E era outra mulher. E ele… era o homem que ainda carregava seu passado sem saber.
O celular vibrou. Mensagem de um número corporativo.
> Reunião de alinhamento com a equipe – 14h – Sala 8B.
Ela suspirou fundo.
Respira, Isa. Profissional. Sempre profissional.
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Na sala de reunião, ela estava sentada revisando os croquis quando ouviu a voz que menos queria ouvir.
— Está cada vez mais difícil ignorar sua presença, Isabela.
Maurício. De novo.
Ela ergueu os olhos com calma.
— E ainda assim você tenta.
Ele se aproximou com aquele ar de falsa elegância, apoiando as mãos na mesa e inclinando-se um pouco.
— Você está jogando alto, Isa. Voltou com pose de arquiteta de sucesso, mas a gente sabe que certas portas só se abrem por… caminhos específicos.
Ela sorriu. Mas não era um sorriso doce.
— Sabe, Maurício, você está certo sobre uma coisa: eu jogo alto. Só que o meu jogo se chama trabalho duro. E o seu? Ainda é o da manipulação barata e dos bastidores sujos?
O silêncio caiu pesado.
— Henrique pode estar confuso agora. Mas ele sempre foi esperto. E ele vai entender quem é quem nessa história — completou, levantando-se. — Não perca tempo tentando me rebaixar. Eu já estive no fundo. E sabe o que eu fiz lá?
— O quê? — ele respondeu, com raiva contida.
— Construí a escada que me trouxe até aqui. Sozinha.
Ela saiu da sala, deixando Maurício com o orgulho ferido e o ego estilhaçado.
Do outro lado da cidade, no alto do prédio D’Ávila, Henrique girava a caneta entre os dedos, olhando para o nada. A pasta do projeto Aurora Prime estava aberta à sua frente, mas ele não via nada além de memórias.
Isabela.
Ela parecia diferente. Mais segura, mais mulher. Mas ainda tinha aquele olhar — aquele mesmo olhar que o fazia sentir que o mundo poderia parar e tudo estaria bem.
Por que ela foi embora sem dizer nada?
Por que não procurou?
E por que, ao vê-la, sentiu como se o chão tivesse sumido sob seus pés?
A campainha da sala tocou.
— Quer que mande cancelar a próxima reunião? — perguntou a secretária.
Henrique demorou a responder.
— Não. Só… me dê cinco minutos.
Sozinho novamente, ele soltou o ar devagar.
Algo estava errado.
Muito errado.
Ela não tinha voltado por acaso.
E ele não iria descansar enquanto não descobrisse o que Isabela Monteiro escondia.