A prisão era fria, úmida e cheia de ecos. Mas Eduardo não ouvia o ranger das portas, nem os passos dos guardas. Em sua mente, só havia uma imagem fixa: Laura sorrindo para Emir, Malu correndo em volta deles, livres, felizes, longe do controle dele. Essa lembrança corroía como ácido, até que, naquela manhã cinzenta, um dos advogados contratados discretamente trouxe a informação que mudaria tudo.
Sentado diante dele na sala de visitas, Eduardo ergueu as sobrancelhas.
— Diga.
O advogado hesitou, como se o peso daquela notícia fosse demais.
— Encontramos o endereço. Eles estão vivendo em Trabzon, numa casa simples, perto da orla. A mulher, a menina e o homem. Não há dúvidas.
O silêncio que se seguiu foi quebrado por um riso baixo, quase animalesco. Eduardo apoiou os cotovelos sobre a mesa e encarou o advogado com olhos em brasa.
— Eu sabia. Eles não podiam se esconder para sempre. — Fechou o punho com força. — Agora, vamos acabar com essa farsa.
De volta à cela, Eduardo começou a escrever bilhetes curtos e diretos, que seriam repassados a seus contatos fora dali. Ele não precisava sair da prisão para m***r. Seus braços eram longos, feitos de homens sem rosto espalhados pela cidade.
Na casa de Laura, o clima de aparente tranquilidade ainda reinava. Depois da noite da invasão frustrada, a rede de p******o estava mais alerta do que nunca. Selim fazia rondas diárias, Fatma monitorava sinais suspeitos, e Emir revisava cada ponto da casa.
Laura tentava sorrir, mesmo com o coração pesado. Para Malu, a mãe era o pilar que mantinha tudo de pé. E Laura sabia: não podia fraquejar.
— Mamãe, vamos passear hoje? — pediu Malu, já com os sapatos na mão. — Quero voltar naquele lago bonito que vimos!
Laura sorriu e beijou a filha.
— Vamos sim, meu amor. Mas só se Emir disser que está seguro.
Emir entrou na sala no mesmo instante, como se tivesse ouvido.
— Podemos ir, mas não muito longe. Hoje o dia está estranho. — Seus olhos atentos percorriam a janela, onde o vento balançava a cortina.
De fato, algo pairava no ar.
Na prisão, Eduardo recebeu confirmação de que seus homens estavam a caminho. Um deles, conhecido apenas como “Rashid”, era especialista em vigiar sem ser notado. Ele passara dias observando a rotina da casa de Laura: os horários de saída, os passeios, os aliados que entravam e saíam. Cada detalhe foi anotado e enviado até o líder encarcerado.
Eduardo lia os relatórios com prazer sádico.
— Então… ela confia nesse Emir. — Um sorriso frio surgiu. — Vamos ver até onde vai essa confiança.
O ataque começou em silêncio. Um carro cinza estacionou duas ruas acima da casa, quase imperceptível. Dentro, três homens aguardavam ordens, conectados a Eduardo por mensagens cifradas. A ideia era simples: não invadir de imediato, mas cercar, observar e agir no momento certo.
Na mesma hora, Selim percebeu algo. Do ponto onde vigiava, notou o carro parado tempo demais, com vidros escurecidos. Ele não hesitou. Pegou o comunicador e falou baixo:
— Atenção. Ponto amarelo. Temos olhos sobre nós.
Dentro da casa, Emir ergueu a cabeça. Laura, que ajudava Malu com os cadernos da escola, congelou. A tensão voltou a dominar o ar.
— Vamos para o plano dois — disse Emir. — Agora.
Laura pegou Malu pela mão e a levou até o quarto seguro, como ensaiado. Emir verificou as janelas, enquanto Fatma, do lado de fora, aproximava-se com um carro pronto para retirada.
Os homens de Eduardo, no entanto, não estavam para brincadeira. Um deles saiu do carro e caminhou lentamente pela rua, fingindo ser apenas um pedestre qualquer. Mas sua mão dentro do casaco denunciava a arma.
Selim ajustou sua posição, preparado para agir. Mas, antes de atacar, queria certeza de que não havia mais deles escondidos. Sabia que Eduardo era calculista: sempre colocava peças no tabuleiro antes de dar o xeque-mate.
Dentro do quarto seguro, Malu tremia.
— Mamãe, é vermelho de novo?
Laura a abraçou forte, tentando esconder a própria aflição.
— Sim, meu amor, é vermelho. Mas lembra o que eu disse? Vermelho não significa derrota. Significa que a gente luta junto.
Malu apertou os olhos e repetiu como um mantra:
— Verde, amarelo, vermelho… e a gente vence no final.
Laura beijou sua testa, com lágrimas contidas.
Do lado de fora, o homem que fingia ser pedestre se aproximou do portão da casa. Estava prestes a puxar a arma quando ouviu um clique atrás de si.
— Largue isso — disse Selim, apontando firme.
O invasor congelou. Mas antes que pudesse reagir, outro homem saiu do carro, atirando na direção de Selim. O som seco ecoou na rua. Selim rolou para trás da árvore, ileso, mas agora o confronto era inevitável.
Emir, dentro de casa, ouviu os disparos.
— Eles começaram. — Pegou a arma e olhou para Laura. — Não abra essa porta até eu voltar.
— Emir, não! — Laura segurou sua mão, os olhos cheios de pavor. — Se algo acontecer com você…
Ele beijou sua testa rapidamente.
— Se algo acontecer comigo, é porque eu estava protegendo vocês. Isso é tudo o que importa.
E saiu.
A rua se transformou em campo de guerra. Selim trocava tiros com dois invasores, enquanto Fatma acionava o carro para bloquear a passagem do veículo inimigo. Um terceiro homem, que estava escondido, tentou arrombar a lateral da casa. Mas Emir apareceu, a arma firme nas mãos.
— Não vai passar daqui.
O invasor riu.
— Você não tem ideia de com quem está lidando. O chefe nunca desiste.
— Então você também não tem ideia do que significa proteger quem se ama. — Emir atirou, atingindo a perna do homem, que caiu no chão com um grito.
No quarto seguro, Laura podia ouvir os disparos e gritos. O coração dela parecia explodir dentro do peito. Malu, agarrada em seus braços, chorava baixinho.
— Vai acabar, meu amor. Vai acabar logo… — repetia Laura, mais para si mesma do que para a filha.
A batalha durou menos de vinte minutos, mas pareceu eterna. No fim, dois dos homens de Eduardo estavam no chão: um ferido gravemente, outro preso por Selim. O terceiro havia fugido de carro, mas não antes de Fatma anotar a placa.
Quando o silêncio finalmente voltou, Emir entrou na casa, o rosto coberto de suor, mas inteiro. Laura correu até ele, abraçando-o com força.
— Eu achei que te perderia…
— Nunca — respondeu ele, acariciando seus cabelos. — Eu disse que nada aconteceria a vocês.
Malu correu e se agarrou nas pernas dele.
— Eu sabia que você ia voltar!
Emir a pegou no colo e sorriu, cansado mas firme.
— Sempre voltarei, Malu. Sempre.
Na prisão, Eduardo recebeu a notícia do fracasso. O mensageiro falou baixo, temendo sua reação.
— Dois foram capturados. Um escapou. Não conseguiram levá-las.
Por um instante, o silêncio reinou. Depois, Eduardo explodiu em um acesso de fúria. Socou a mesa, derrubando tudo ao redor, e gritou tão alto que até os guardas do corredor estremeceram.
— Maldita Laura! Maldito Emir! Eles pensam que podem me vencer? Eu vou destruir cada um deles, mesmo que seja a última coisa que eu faça!
Seu olhar era o de um homem que já não tinha limites.
Naquela noite, apesar da vitória, Laura sabia que a guerra estava longe de terminar. Mas, ao segurar Emir e Malu nos braços, sentiu uma força diferente. Eles não estavam sozinhos. Selim, Fatma, Ayla e tantos outros formavam uma muralha invisível.
E mesmo que Eduardo continuasse sua caçada, Laura já não era a mesma mulher de antes. Ela agora tinha coragem, amor e aliados prontos para lutar.
O cerco se fechava, mas Laura também estava pronta para resistir.