NOVOS CAMINHOS, DESCOBERTAS E ÓDIO

1308 Words
O tempo, mesmo cercado de incertezas, trouxe pequenas alegrias para Laura e Malu. Aos poucos, os dias começaram a ganhar cores novamente. Havia risadas no café da manhã, caminhadas à beira-mar nos fins de tarde e histórias inventadas que Laura contava para fazer Malu esquecer o bullying c***l da escola. — Mamãe, um dia a gente vai ter uma casa só nossa, cheia de flores? — perguntou Malu certa noite, deitada na cama. Laura sorriu, acariciando os cabelos da filha. — Vamos, sim. Uma casa com flores e janelas grandes, para a gente nunca mais sentir medo. Essas conversas simples fortaleciam as duas. Era como se cada palavra fosse um tijolo na construção de um futuro diferente. Foi numa tarde no mercado de Trabzon que a vida de Laura tomou um rumo inesperado. Enquanto comprava frutas, deixou cair uma sacola. Um homem alto, de sorriso gentil e olhar sereno, se aproximou rapidamente para ajudá-la. — Aqui, permita-me — disse, recolhendo as maçãs espalhadas. — Obrigada… — Laura respondeu, surpresa pelo gesto. O nome dele era Emir, professor de história na universidade local. Com a sua voz calma e jeito respeitoso, ele transmitia uma sensação rara: segurança. Nos dias seguintes, o destino parecia conspirar a favor, colocando-os frente a frente em pequenas ocasiões — no mercado, na livraria, até mesmo em uma cafeteria próxima à escola de Malu. Malu, curiosa, percebeu a mudança no olhar da mãe. — Você gosta dele, né, mamãe? — disse, com um sorrisinho travesso. Laura riu, meio sem graça, mas não negou. Havia muito tempo que não sentia algo assim: uma faísca de esperança, uma possibilidade de vida além da dor. Ainda que o medo de Eduardo permanecesse como uma sombra, Laura descobria que o coração era capaz de florescer mesmo em meio à escuridão. E Malu, ao ver a mãe sorrindo novamente, também se enchia de força. Talvez, pela primeira vez em muito tempo, ambas começassem a acreditar que a felicidade ainda era possível. Emir parecia sempre encontrar motivos para estar por perto. Às vezes, passava pelo mercado só para comprar algumas frutas, outras vezes inventava desculpas para passar pela rua onde Laura morava. Sempre que a via, fazia questão de cumprimentar com aquele sorriso tranquilo que começava a aquecer o coração dela. — Está tudo bem por aqui? — perguntou certa tarde, quando encontrou Laura saindo da padaria com Malu. Laura respondeu com um sorriso tímido: — Estamos bem, Emir. Obrigada por se preocupar. Malu, que observava tudo em silêncio, soltou uma risadinha: — Eu acho que o professor volta sempre só pra ver você, mamãe. Laura corou, sem saber como reagir. Emir, por sua vez, abaixou-se diante de Malu e disse com carinho: — Talvez eu venha também para ver o sorriso dela. Com o tempo, a presença de Emir tornou-se uma espécie de alívio. Ele não forçava nada, não fazia perguntas dolorosas sobre o passado de Laura, apenas oferecia companhia, paciência e um ouvido atento. Levava livros para Malu, histórias do mundo antigo que a menina adorava ouvir, e muitas vezes ficava na varanda conversando com Laura, enquanto o sol se punha no horizonte de Trabzon. Laura, no entanto, lutava contra a culpa e o medo. Pensava em Eduardo, ainda preso, mas capaz de encontrar meios de se vingar. Pensava em Malu, que já havia sofrido demais. Mas, ao mesmo tempo, sentia uma parte dela renascer — uma parte que acreditava que ainda poderia amar e ser amada. Numa dessas visitas, Emir olhou para Laura, seus olhos sérios, e disse: — Não precisa me responder agora, mas quero que saiba: eu volto porque gosto de estar perto de vocês. Sempre que precisarem, estarei aqui. O coração de Laura disparou. Pela primeira vez em anos, ela permitiu-se sorrir sem medo. Os dias na prisão eram monótonos, mas Eduardo nunca perdia o olhar frio e calculista. Entre conversas com outros detentos e favores trocados com guardas corruptos, ele alimentava apenas um pensamento: vingança. Para ele, Laura era sua propriedade, e qualquer sinal de que ela tentava reconstruir a vida era visto como uma afronta imperdoável. Foi numa tarde chuvosa que a notícia chegou até ele. Um dos homens com quem dividia informações trouxe, quase como quem oferece um presente envenenado: — Parece que sua mulher anda sendo vista acompanhada… Um professor, dizem. Homem respeitado na cidade. Passa sempre pela casa dela. O silêncio que se seguiu foi quebrado pelo estalar dos dedos de Eduardo contra a mesa. Um riso sombrio escapou de seus lábios. — Então é isso… — murmurou, os olhos ardendo em fúria. — Laura acha que pode me substituir? Que pode rir, amar e viver como se eu nunca tivesse existido? A partir daquele momento, cada dia na prisão transformou-se em combustível para seu ódio. Ele começou a escrever cartas, enviadas por intermediários, a antigos contatos no mundo do crime. Cada palavra era um veneno destilado: ordens, pedidos de favores, pequenas quantias movimentadas em segredo. Eduardo não precisava sair dali para começar a espalhar o terror. Enquanto isso, Laura vivia os seus primeiros momentos de verdadeira paz ao lado de Emir. Caminhavam juntos à beira-mar, riam em conversas simples, e Malu começava a enxergar nele uma figura de confiança. Emir não ocupava o lugar do pai ausente, mas se tornava algo diferente: um protetor, um amigo, talvez um futuro ao lado delas. Mas, no fundo, Laura ainda sentia a sombra de Eduardo. Às vezes, tinha a estranha sensação de estar a ser observada, como se olhos invisíveis a seguissem. E ela não estava errada. A notícia de seu romance havia despertado um monstro ainda mais perigoso dentro da prisão. Eduardo já não queria apenas a reencontrar. Queria destruir tudo o que ela tentava construir. A tarde em Trabzon estava calma. O céu tingido de tons dourados refletia sobre o mar, e a brisa suave fazia balançar os cabelos de Laura. Ela e Emir caminhavam lado a lado pela orla, enquanto Malu corria alguns metros à frente, rindo e tentando pegar as gaivotas que se aproximavam. Era um dos raros momentos de paz. Emir parou, segurou suavemente a mão de Laura e a fez olhar em seus olhos. — Você merece sorrir sem medo, Laura… merece ser feliz — disse, a voz baixa, quase um sussurro carregado de sinceridade. Laura sentiu o coração acelerar. Havia tanto tempo que não ouvia palavras assim, livres de dor e de ameaça. Um impulso suave, quase inocente, aproximou Emir dela. Ele se inclinou e encostou os lábios nos dela em um selinho tímido, mas cheio de significado. Laura, surpresa, não recuou. Sentiu um calor percorrer seu corpo, um misto de nervosismo e alegria. Malu, de longe, observou e sorriu, como quem já esperava aquele momento. Porém, enquanto para eles foi apenas um instante de ternura, para alguém escondido à distância foi a oportunidade perfeita. Um clique de câmera capturou o momento, congelando o primeiro beijo em uma imagem que não demoraria a atravessar fronteiras invisíveis. Dias depois, em uma cela fria, Eduardo recebeu um envelope entregue por um dos guardas corruptos. Abriu com impaciência, e quando seus olhos encontraram a foto de Laura e Emir juntos, seu rosto se transformou. A veia em sua têmpora latejou, e um rugido ecoou na prisão. — Ela… ousou! — murmurou, apertando o papel até quase rasgá-lo. — Minha Laura… beijando outro homem. Os companheiros de cela recuaram diante da fúria que emanava dele. Eduardo se levantou, os olhos vermelhos de ódio, e gritou: — Isso não vai ficar assim! Vou destruir esse tal Emir, e vou fazer Laura implorar para que eu volte para a vida dela! Naquele instante, algo dentro de Eduardo se rompeu. Já não era apenas sobre controle ou orgulho. Agora era sobre vingança cega. O selinho que para Laura significava esperança, para Eduardo se transformou em combustível para uma guerra ainda mais c***l.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD