O dia estava extremamente esquisito na empresa, os negócios estavam excelentes, os funcionários trabalhavam com vigor, mas eu não conseguia fazer nada certo. Marcel me pediu para assinar o mesmo documento sete vezes e todas às vezes eu assinei 'Esdras' e não 'Esdras F. Henkel – CEO da rede Henkel Tecnologias'. O motivo de tamanha distração tinha dezessete anos, cabelos platinados e os olhos cor de avelã: – Senhor Henkel? – Ela me chama sem entrar na sala. – Entre Catherine. – Peço sem muito entusiasmo aparente. Todos meus pensamentos estavam direcionados a ela, mas não queria que isso fosse um empecilho no trabalho. – O que você precisa? – Digito qualquer coisa no notebook apenas para fingir estar ocupado. Catherine muda o pé de apoio e encara o notebook como se estivesse sem coragem de falar. Não olho diretamente para ela, mas sei que, assim como eu, ela sente o estranho clima que fica entre nós. Ergo os olhos por alguns segundos, ela abre a boca e solta um suspiro ao responder monossílaba: – Você. Abaixo a tela do notebook e a encaro diretamente, mais uma vez sua pele adquiri um tom rosado e doce. Ela corre os dedos da mão direita pela pulseira e morde os lábios. É notável o quanto está nervosa por estar na minha presença. Ela está tão nervosa que nem nota que o que falou poderia ser facilmente interpretado de uma maneira completamente sensual. Sem poder conter, mostro um sorriso de canto e levanto-me indo até ela. Por um momento desejo tocar em seu rosto e sentir se sua pele rosada está quente como eu imagino, mas evito qualquer coisa de que possa me arrepender depois. 12 Tenho vinte oito anos de vida, tempo suficiente para saber que apesar do amor existir e ser algo de extrema importância, não servia para mim e não seria agora, que eu tinha menos de um ano de vida, que iria me apaixonar. Arrumo a gravata, estou a centímetros de Catherine e ela não se move, passo a mão pelo cabelo, que é cortado rente ao couro cabeludo, solto um suspiro e falo: – Ok, sou todo seu. – Levanto as mãos em sinal de rendição. Catherine levanta uma sobrancelha me desafiando, continuo com o meu melhor sorriso nos lábios, as mãos ainda levantadas e quando acho que ela não vai fazer nada sou surpreendido. Ela agarra minha gravata e começa a me puxar até a saída da sala como se aquilo fosse normal. A sorte é que não há nenhum funcionário por ali, mas saber que não causo medo nela me dá um novo sentimento de satisfação o qual não conhecia. Quando chegamos à porta da sala onde os estagiários estão Catherine me solta, arruma a gravata da melhor maneira possível e sorri: – Com todo respeito senhor Henkel, mas você é um b****a. – Eu sei, pense pelo lado positivo, em um ano você terá um novo chefe e talvez ele seja menos b****a. Catherine revira os olhos e abre a porta me deixando passar. – O que aconteceu? – Pergunto ao estagiário que está sentado na frente de um computador. – O computador pirou. – Ele dá de ombros. Analiso o computador por alguns segundos, aperto a tecla 'ctrl' e tudo se resolve. Todos olham impressionados, menos Catherine, a única que eu queria impressionar, ou não, quando se trata dela eu nunca sei o que quero e só a conheço há algumas horas. – Catherine que tal uma bebidinha depois do trabalho? – O mesmo cara que não conseguiu arrumar o computador se põe entre nós. 13 Ela olha para mim com uma expressão impassível, como se eu tivesse culpa de um i****a daqueles estar dando em cima dela. Continuo em silêncio, atento para ouvir qual será a resposta dela, mas Marcel entra e me puxa para fora da sala com urgência: – Está na hora dos seus remédios. *** Depois de tomar dez capsulas de remédios, são tantos que eu nem sei mais para que servem, me sinto m*l e vou para casa. Tento dormir um pouco antes de ir para o restaurante aonde irei me encontrar com Catherine, mas não consigo. Um dos sintomas da Cardiomiopatia dilatada é justamente a falta de ar ao tentar dormir, o que me faz ficar extremamente m*l. O ser humano precisa dormir, mas meu coração parece não entender isso. Quanto mais ele cresce menos bate, quanto menos bate, menos respiro e assim vou morrendo aos poucos. Muitos se perguntam o que é a cardiomiopatia dilata e o porquê de existir, mas a verdade é que nem eu, que tenho essa doença, tinha conhecimento sobre ela. Todos os dias descubro algo novo e sempre é algo muito r**m. A cardiomiopatia dilata pode surgir por vários fatores, genética, consequência de uma infecção ou outra doença, exageros em bebidas e comidas não saudáveis, exposição a toxinas ou medicamento e ainda pode surgir do nada, sem nenhum motivo, um simples acaso c***l do destino, nesse caso é determinado como cardiomiopatia dilatada idiopática, quando após avaliações conclui-se que não existe nenhuma causa identificada para o surgimento da doença. E qual meu caso? Justamente o último. Eu não sabia de onde surgiu essa doença e nem por que o Ser que reina sobre esse universo me escolheu para carregar tamanho peso, mas se ele me escolheu é por que sabia que eu seria forte o suficiente para suportar. Eu tenho medo da morte o tempo todo, ter medo é inevitável, mas desistir nunca me foi uma opção. – Esdras! – Alguém grita no jardim e logo uma pedra acerta minha janela. – Vamos andar de moto? 14 Reconheço a voz imediatamente. Mas não consigo entender o porquê de meu melhor amigo e primo, continuar com o costume de acertar minha janela com pedras se tem uma chave da minha casa, as senhas e até tem o controle do meu dinheiro. Giovane era assim, uma eterna criança dentro de um corpo de dois metros e cem quilos. Abro a janela e ascendo à luz da varanda. Giovane está sentado em sua BMW S1000 Rr e atrás de si tem uma garota tão magra que parece passar fome, logo reconheço-a, afinal todas as garotas que meu primo sai são modelos internacionais: – Por que você não entra ao invés de tentar quebrar outra das minhas janelas? – Indago de mau humor, típico de quem não consegue dormir. – Não transa há quantos dias? – Ele me responde com outra pergunta, o que me faz ficar ainda mais irritado. Para Giovane tudo se baseia em quantas mulheres você dormiu na semana. – A sua mãe não reclamou ontem! – Que nojo Esdras! – A modelo chamada Tasha ou Natasha, talvez Gisele, exclama colocando as mãos esguias demais na cintura reta. – Ela é sua tia. – Ele está brincando. – Consigo ver Giovane revirando os olhos para a 'inteligência em pessoa' que o acompanha. Giovane entra e traz consigo a Natasha. Ela se senta na sala de estar enquanto ele e eu vamos para a sala de jogos e iniciamos um jogo de sinuca enquanto colocamos o papo em dia: – Você não se cansa de sair com essas garotas fúteis? – Pergunto entediado. – Me canso sim, mas aí me lembro de que não quero ficar sozinho como você e as faço gemer. – Você é um b****a. – O que disse? – Giovane tem um sorriso i****a no rosto. – Que tipo de xingamento é esse? Aprendeu com uma menininha? 15 Na verdade, sim. Penso, mas o que respondo é: – Cala a boca e joga eu tenho um encontro daqui uma hora. – Com uma menor? – Giovane dá uma gargalhada e inclina o corpo para dar uma tacada sem perceber que eu não me indignei como faria antes. Eu sempre digo a Giovane que caras como a gente pode dormir com a garota que quiser, mas que deveríamos ficar longe das menores. Claro que eu nunca faria nada para magoar uma criança como Catherine, mas se fosse Giovane em meu lugar, ele a colocaria em cima da mesa do escritório e fariam s**o ali mesmo, mas eu não era assim, nem poderia ser, pois acredito fielmente no amor, o amor verdadeiro, aquele que só se encontra uma vez na vida. – Esdras? Você me ouviu? – Não. O que perguntou? – Quem é o garoto que você vai sair? – Seu pai. – Ele gargalha enquanto meus pensamentos são invadidos por a imagem de Catherine. – É uma garota da empresa, só vamos jantar. – Qual é! – Ele exclama. – O que te impede de trazê-la para a sua cama? Você vai morrer sem se lembrar de como é ter um o*****o? – A vida não é só s**o. – E o que mais poderia ser? – Amor? – Pergunto indeciso. – E o que é amor? – Amor é... – Penso por alguns segundos, mas não consigo responder. – Ainda não sei. *** 16 Bebo mais um gole do bom vinho que repousa sobre a mesa. O restaurante tem um bom ambiente e é bem iluminado, que é a única coisa que não me faz dormir. A cadeira a minha frente está vazia a mais de uma hora, no celular não tem nenhuma ligação ou mensagem dando-me explicações. Catherine não apareceu. Um garçom se aproxima da mesa mais uma vez para perguntar se eu quero fazer o pedido e eu o dispenso com um olhar gélido. Olho para trás e me deparo com o recepcionista e uma garçonete conversando sobre mim, era humilhante alguém conhecido como sou, dono de uma conta milionária, estar sentado sozinho na melhor mesa do melhor restaurante. Ergo a mão para chama-los, mas eles continuam parados olhando algo ou alguém que não eu. *** Ela está vestida com um cropped vermelho e uma saía de cintura alta na cor branca, que cobre a maior parte de sua barriga. Seus cabelos estão levemente cacheados e seu rosto está vermelho, como se tivesse corrido até ali. Todos, incluindo eu, olham para ela com admiração. Seu corpo é escultural, s***s firmes, pele pálida e cintura fina, parece até que ela não é real, mas sim uma boneca de porcelana digna de uma princesa, sinto um desejo incontrolável de protegê-la. Levanto-me para cumprimenta-la, abraço-a, mas ela não retribui. Seu corpo está gelado e sua expressão assustada: – O que houve? – Pergunto sem esconder a preocupação. – Você. – Como assim, eu? – Você está morrendo Esdras. – Ela sussurra e me abraça, agora sou eu quem fica sem reação. Meu silêncio a faz continuar a falar. – Você acabou de entrar na minha vida e eu odeio saber que não vai permanecer. Eu odeio ter que vir aqui e fingir que está tudo bem. A verdade é que eu não suporto a ideia de jantar com alguém que está morrendo... – Então por que aceitou? Por que está aqui? – Interrompo-a e chamo o garçom novamente. – Traga a conta. 17 – Senhorita. – Ele cumprimenta Catherine e sai. Catherine se senta e fica olhando para as unhas, que foram feitas há pouco tempo, são da cor vermelha, no mesmo tom do cropped. A aparência dela me diz que, como eu, ela queria estar aqui, queria nos dar a chance de nos conhecermos melhor, mas suas palavras não condiziam com isso. Ela estica a mão e pega a minha taça de vinho, ignorando a dela de água, e bebe tudo em um gole. Tomo a taça de sua mão e a repreendo com o olhar, mas ela me ignora e leva a mão na garrafa: – Para! – Falo mais alto do que deveria. – Você não pode beber, ainda é menor. E além do mais bebida pode m***r. – E daí? – Ela é arrogante. – Como você pode querer me dar lição de moral se escolheu morrer? Isso é o que me irrita! Você tem a oportunidade de viver, tem muito dinheiro e ainda assim desistiu da vida. É obvio que o jantar não está saindo como eu esperava. Catherine é teimosa e não me deixa explicar, apesar de ser exatamente o que ela quer. Uma resposta. Ela tira da bolsa alguns papeis e joga na mesa para que eu veja. Um deles é sua carta de demissão: A maioria dos papeis são textos sobre a doença que eu tenho os sintomas que eu bem conheço, possíveis tratamentos e tempo de vida estimado. Ao fim uma enorme pesquisa sobre transplantes de coração em diversos países e estimativa de vida de transplantados. Eu conhecia aquelas pesquisas de cabo a r**o, como dizem. Afinal há mais ou menos três meses, quando descobri a doença, realizei todas elas, imprimi, encadernei e estudei durante dias e noites tentando achar uma cura. Mas não existe. A única solução é cuidar para que os outros órgãos aguentem o maior tempo possível e torcer para encontrar um transplante compatível. Acontece que a maioria das pessoas não pensam na possibilidade de morrerem cedo, não pensam que uma fatalidade pode salvar a vida de muitas pessoas. Mas eu não ligo para isso, afinal decidi não esperar por um coração que nunca vai chegar e também não vou roubar um dos que decidiram esperar. Sim, eu desisti da vida, mas tenho meus motivos, mesmo que ás vezes nem eu os entenda. 18 Eu sinto que apesar de estar parando de bater, meu coração tem muito que viver antes da última batida. – Eu quero demissão. – Você não vai conseguir outro emprego. – Digo lendo as anotações pessoais que ela fizera com caneta rosa atrás de alguns papeis. Eram poesias. – Como você pode ter tanta certeza disso? – Eu irei, pessoalmente, cuidar disso e aí você vai voltar para mim. – Olho para ela. – Quero dizer...Vai voltar para a minha empresa. – Por que não para de ser b****a e aceita logo minha demissão? – Sorrio ao me lembrar de como poucos minutos falando com ela me fizeram dizer 'b****a' a Giovane e ao pensar nisso imagino se aquela teoria realmente existe, sabe amor à primeira vista. Por que era fácil imaginar uma vida inteira ao lado de Catherine que até me despertava vontade de lutar por meu coração.