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O Caso Dinesh

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Blurb

O que você faria se fosse acusado de um crime que não se recorda de cometer?

Thomas Dinesh é novato no colégio, mas rapidamente faz amizade com Jace Miller, também novato.

Apesar de Thomas fazer de tudo para tornar-se invisível, todos os olhares caem sobre si quando sua namorada é brutalmente assassinada. Quando tudo parece estar perdido, ele descobre que sua vida é capaz de piorar.

Dinesh precisa enfrentar um tribunal ao lado das poucas pessoas que o apoiam, enquanto ele mesmo tenta solucionar o caso e encontrar quem matou Jane.

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O Primeiro Dia
                                                                                  Capítulo Um THOMAS DINESH    Estava tudo pelo meu uniforme.    Minha garganta estava seca, a terra ainda debaixo das minhas unhas. A água da pia do banheiro não fez com que o cheiro do sangue deixasse minha pele. Olhei para meu reflexo no espelho; meu cabelo desgrenhado caia por meu rosto, meus olhos azuis extremamente atentos, por conta da adrenalina que percorria todo o meu corpo.    Lavei meu rosto uma, duas, três vezes. Como eu sairia daqui? Minha roupa estava manchada de sangue, minhas mãos tremiam.    — p***a! — Soquei a pia, fazendo com que meus dedos latejassem.                                                                ━━━━━━━ ● ━━━━━━━    Enquanto andava pela rua deserta a caminho da escola, que felizmente não ficava longe da minha nova casa, eu pisava nas folhas secas pela calçada. A música que tocava no fone em meus ouvidos não abafava meu cérebro gritante. FRACASSADO.    E, mesmo eu tendo repassado todos os movimentos que faria no dia, era impossível saber o que as pessoas iriam fazer e como eu reagiria a isso. Surpreendentemente eu estava otimista, afinal, era apenas meu primeiro dia, não tinha como ser tão r**m.    Ninguém me conhece, não iriam mexer com o novo garoto sentado na fileira da frente. E se o pai dele for policial? Será que ele faz parte de uma gangue? Escutei por aí que ele matava coelhinhos na infância. Não, ninguém pensaria isso. Está estampado na minha cara: Indiano magricela fodido.    Agarrei a alça da mochila com força.      A escola era enorme. Havia muito espaço para os alunos fugirem e matarem aula, o que não foi muito bem pensado. Árvores floridas se estendiam dos dois lados, formando um arco de pétalas amarelas e brancas pela passarela. O gramado não estava bem cuidado, e, ao passar rapidamente os olhos pelo campus, encontrei o zelador encostado na parede, fumando.    Grupos de estudantes se ocupavam com tarefas diversas, alguns lendo livros didáticos e fazendo anotações, outros apenas conversando, um casal discutindo. Não tinha toda a magia que os filmes americanos costumam retratar.    A estrutura era moderna, bem feita, diferente de qualquer outra escola que eu já havia visto.     Ninguém pareceu se importar comigo, o que me deixou aliviado. Passei tranquilamente pela porta da grande construção: P1. Haviam três prédios no campus, sendo o P1 destinado aos alunos do ensino médio. Eu havia lido bastante sobre esse lugar. Não haviam muitos alunos pelo corredor, visto que eu havia chegado trinta minutos mais cedo. Talvez eu seja um pouco ansioso, é apenas uma suposição.    — ... Ele viu e não disse nada. Quer dizer, disse para mim. — Uma garota bem mais alta que eu fofocava a alguns metros do meu armário.    Os armários eram amarelos, e, as paredes, cinzas. Cada armário possuía um código composto de números e letras e, no dia anterior, recebi um e-mail do diretor. Queridíssimo Thomas Dinesh, bem vindo a esse local que logo será conhecido como inferno. O seu armário é o do código BZK12, cuja a combinação do cadeado é 3364. Não traga armas. Paz, Sr. Radwell.    — Se fosse eu, teria espalhado para toda a cidade. Ela é uma v*******a. — A outra garota disse. Pareciam girafas, com seus pescoços gigantes e magros.    Ambas loiras, carregando seus celulares caros como se, caso perdessem, diriam ''ah, que pena. Felizmente estou com meu cartão de débito, vamos passar no shopping e comprar outro''.    Não é como se eu quisesse escutar a conversa delas. Na verdade, pouco me importava. Mas eu estava bem ali, organizando meu material, e elas não se preocuparam em falar baixo.     — Não sei o porquê de todos os garotos serem apaixonados pela Tyna. Por acaso ela tem ouro nas partes íntimas? — Essa conversa estava sendo estúpida.    Fiquei imaginando se falariam essas merdas sobre mim enquanto eu não estivesse olhando. Se fofocariam, julgando meu sotaque, meus dedos esqueléticos. Se falariam da minha família. Me odeiem em silêncio, eu imploro.    Fui para a sala, que estaria vazia se não fosse por um único garoto de capuz na última fileira, no canto. Estava de cabeça abaixada, as mãos em torno dela, provavelmente dormindo. Matei o tempo fazendo rabiscos na última folha do meu caderno, a música ainda soando em meus tímpanos.    Um lobo feroz, um balão voando no céu, um homem triste.     Tyna sentou-se atrás de mim. Sei que era ela pois o garoto à minha esquerda não parava de a chamar. Não n**o que ela era realmente muito bonita, o que explica a implicância da parte dos meninos. Seu cabelo castanho encaracolado caia perfeitamente sob os ombros, os olhos azuis hipnotizantes, os lábios carnudos.    — Dave, foi só um beijo. No ano passado. — Ela, por fim, deixou de ignorá-lo.    O garoto encolheu-se na cadeira.    Em poucos minutos a sala estava lotada, com todos os assentos ocupados. A professora organizava papéis enquanto dizia o quão feliz estava para iniciar essa jornada conosco, balançando os pulsos, fazendo suas pulseiras de contas baterem umas nas outras.     — Pronto. Podemos começar, então — abriu um largo sorriso e passou seus olhos calmamente para todos os alunos da sala, inclusive por mim, como se estivesse anotando mentalmente nossas características. — Meu nome é Derisse, como muitos de vocês já sabem.    A sala toda se calou para que ela continuasse a falar.    — Estou vendo muitos rostos novos, quero que os novatos se levantem e se apresentem. Não é necessário ter vergonha, todos somos um só. — Estava aí o que eu temia.    Um a um, fomos nos levantando. Eu, uma garota repleta de piercings, irmãos gêmeos e, por último, o garoto de capuz que eu havia visto mais cedo. Retirou o capuz, mostrando seu cabelo preto como a escuridão, destacando ainda mais sua pele fantasmagórica.    Me preparei para isso, claro. É o que costuma acontecer com qualquer novato em uma escola nova, e eu era o primeiro a me apresentar.    — Fique à vontade. — A mulher piscou com força, sem tirar o sorriso do rosto. Eu sentia o cheiro de e**a de longe.    — Meu nome é Thomas Dinesh, tenho dezesseis anos e venho da Índia. Minha mãe nasceu aqui em Kansas, e meu pai é de Rajastão. Vim para cá por motivos familiares e para ter uma melhor educação. — Tentei sorrir.    Todos estavam tão entediados quanto eu. Tyna foi a única a retribuir o ''sorriso''.    Como planejado, peguei a bandeja com comida e sentei na única mesa vazia, perto de uma lata de lixo fedorenta. Enquanto eu comia pedaços de maçã, desenhei um palhaço furioso. Os fones em meus ouvidos, como sempre.    Sem tirar os olhos do caderno, senti uma movimentação ao meu redor, e minha bandeja foi puxada. p***a, meu coração disparou. Levantei o rosto e vi Jace, o garoto do capuz, roubando minhas batatas fritas.    — E aí. — Falou, sem parar de comer. — O que está desenhando?    — Um palhaço. — Puxei a bandeja de volta.    — Posso ver?    — Am, claro. — Virei o caderno em sua direção.    Jace era novato, assim como eu. Não sei como estava suportando usar um moletom enquanto o sol batia na mesa (por isso era a única que ficava desocupada), provavelmente deveria estar queimando por baixo.     — Ficou f**a, mas você não acha que as linhas do caderno atrapalham seu desenho? — O devolveu para mim, puxando de volta a bandeja.    Por que ele simplesmente não levantava e pegava comida para si? Odeio quando colocam a mão nas minhas coisas sem a minha permissão.    — É, estou juntando uma grana pra comprar, sei lá, um caderno de desenhos.    Antes que o garoto pudesse responder, Travis – um dos gêmeos - apareceu e sentou-se ao lado de Jace, que arredou. Quando Travis foi apresentar, fez uma piada um tanto quanto preconceituosa, mas ninguém riu.    — Você não está bravo, não é? Também sou novo aqui, falei que você parecia viadinho para fazer as pessoas rirem. — Passou o braço pelo pescoço do garoto.    Travis Willis era o tipo de pessoa que eu manteria distância. Cabelos loiros, um corpo exageradamente malhado para um aluno do primeiro ano, mascando o mesmo chiclete por horas. Mantinha um sorriso falso no rosto.    Jace retirou o braço do garoto, que apenas riu.    — Pelo o visto não sou bem vindo aqui — por que ele estava olhando para mim? — E você, como era lá na Índia? Verdade que vocês andam de elefante pela rua? — Ah, p***a.    — Sim. Era só assobiar que aparecia um. — Revirei os olhos. Cuidado, Thomas. Ele tem o dobro do seu peso e pode facilmente quebrar seus ossos.    Travis ficou calado por um minuto, olhando para o chão, o que foi uma mudança repentina de comportamento.     — Olha só quem vem aí... — Finalmente disse algo, olhando por cima do meu ombro. Virei para trás, vendo Tyna caminhando em nossa direção.    Eu solenemente queria saber o que estava acontecendo, e por que tinham tantas pessoas se aproximando de mim. Até entendo Jace ter sentado comigo, ele aparenta ser extremamente antissocial, e, por algum motivo, se sentiu confortável comigo. Travis só estava aqui porque, como eu havia observado, seu irmão Gabriel estava com o pessoal do segundo ano e, claro, ele precisava encher o saco de alguém.    Mas Tyna? Isso já era demais pra mim.    — Ei, gente — sentou-se do meu lado — como estão?    Seu cheiro me lembrava o de uma bala de morango que minha mãe costumava comprar.    — E aí. — Travis respondeu, não se importando muito. Estava olhando para a mesa onde seu irmão estava. Eu conseguia os diferenciar porque Gabriel tinha o cabelo raspado do lado direito.    — Am, oi. — Falei. Ela havia sido legal comigo mais cedo, então pensei em retribuir o favor e não ser um i****a. — Por que você tá aqui? — Missão falhada. Juro que não foi na intenção de ser rude.    Ela conteve um riso.    — Vou poupar vocês de qualquer fofoca que escutarem por aí. Sou dessa escola desde o jardim de infância, e conheci a maravilhosa Billie Rainbow. — Revirou os olhos. — Ela é dois anos mais velha que eu... Acontece que ela tinha um namorado, e eles estavam brigados. Na festa de despedida do ano passado, ele me contou que os dois haviam terminado, e, bem, era o Ian. Ele já se formou, mas era muito popular quando estudava aqui, e é até hoje, então ainda participa de festas e bailes. Ele trabalha aqui agora, como estagiário.    Eu e Travis escutávamos atentos a história de Tyna, enquanto Jace finalizava a comida que estava na minha bandeja.    — Então eu o beijei, e um garoto do terceiro ano viu. Contou pra namorada do Ian, e agora ela está espalhando m***a por toda a escola. Dave é irmão mais novo dele, e me perturba desde então.    Isso explica a conversa que ouvi mais cedo. E que tipo de pessoa tem ''Rainbow'' como sobrenome?     — Estou aqui porque vocês são novos na escola e acho que não irão me julgar. Quer dizer, você é indiano. Não tem como. — Isso sim foi preconceito. Então indianos não podem ser preconceituosos porque são indianos? Posso ser preconceituoso, se quiser.    Tive preconceito com o sobrenome Rainbow. Tive preconceito com o preconceito de Tyna. Tive preconceito com Travis, que teve preconceito com Jace.    — Olha só, o grupo perfeito — a mesma garota loira que falava m*l de Tyna perto do meu armário apareceu. — O viadinho, o desesperado, o estrangeiro — olhou para mim, fingindo vomitar — e, por último, a v*******a da Tyna.    Era cômico a forma que ela falava, como se estivesse em um gibi, ou fosse a rainha da Inglaterra. Sossega, Elizabeth. Não duvido que ela havia construído sua personalidade baseando-se em uma adolescente mimada de algum filme hollywoodiano. Todos a ignoraram, o que fez com que ela perdesse a graça. Saiu jogando seus cabelos desidratados, presos em um r**o de cavalo m*l feito.    — Não levem pro lado pessoal. Billie só está com raiva de mim, ela não conhece nenhum de vocês.    Realmente, ela não conhecia. Bille Rainbow estava no terceiro ano, se comportando como uma criança do fundamental. Era triste (e quase revoltante) ver que ela só estava se comportando assim por causa de um garoto que, inclusive, nem está mais com ela. Pensei se ela estava brava com ele tanto quanto estava com Tyna, ou se ainda manda mensagens dizendo estar com saudade.     Mas era totalmente compreensível: Tyna era vinte vezes mais bonita que ela. Não sou o tipo de cara que fica comparando garotas, mas esse era um fato inegável. E Rainbow apenas demonstrou não ter um pingo de autoestima e segurança, o que só comprova minha teoria. O bom e velho medo de ser trocada havia se tornado realidade. Para qual lado ela correria?    Ela olhava para seus dedos, com vergonha de manter contato visual. Provavelmente se culpando pelo o que havia acontecido.    — Ela que se f**a. — Falei, e o sinal indicando que devíamos voltar para a sala soou.    Meu primeiro dia foi bem diferente do que eu havia pensado que seria. Não precisei conferir o papel em meu bolso hora alguma e, mesmo eu tendo ficado quieto o máximo que pude, percebi que atraio, de alguma forma, as pessoas. De alguma forma. Ri ironicamente enquanto andava de volta para casa.    Deve ser seu nariz adunco e a cor da sua pele. Suas feições te entregam. Quanto mais você tenta se esconder, mais atenção chama, como um rato em uma casa, pensei. Todos sabem que está ali; te esperam com uma vassoura em mãos, te procurando, como uma caçada. E eu sou um alvo fácil.    Mesmo de fone, percebi que um carro se aproximava rapidamente, e o som dele estava absurdamente alto. Que não seja alguém da escola, que não seja Billie Rainbow, que não seja Travis ou Gabriel ou seus amigos do segundo ano...    — FICA LONGE DA p***a DA TYNA LARSON! — Era a mesma garota de hoje cedo. Billie me acertou com um copo de milkshake, que se abriu com o impacto, sujando toda a minha roupa.    Me mantive ali por uns minutos, imóvel. Chocolate pingando da minha blusa, meu tênis completamente sujo. Olhei para o copo de plástico no chão, que rolou um pouco até eu conseguir ler ''não seu país'' escrito com caneta preta. Observei o carro virar à esquerda, levando a música alta embora. Enquanto voltava para casa, pensei o que havia feito para receber isso. Sei que hoje não fiz nada, nem conheço Tyna para Billie jogar um copo de milkshake em mim – mas jogou. O que fiz ano passado? Deve ser por causa daquela piada que fiz sobre hinduísmo. O carma vem quando menos esperamos.    Cheguei em casa e, felizmente, meus pais ainda não haviam voltado do trabalho. Após tomar um banho frio e rápido, pesquisei o preço de cadernos de desenho na internet. JACE MILLER    Largar tudo. Começar do zero. Ser outra pessoa, criar uma história totalmente diferente. Ah, como eu queria poder fazer isso. Infelizmente, estou preso em Kansas City. Meus pais, donos de fazendas e unidades de saúde, médicos aposentados e com uma vida fácil de ser levada, querem que eu siga o mesmo caminho. Me forme em Kansas City University-Medicine, trabalhe e trabalhe, aposente e cuide das fazendas que eles deixarem.     Não digo que é um plano r**m, sou grato e privilegiado por ter sido sorteado no céu de bebês a nascer em um lar rico, mas eu queria seguir a minha linha, minha trajetória, meus sonhos. Claro que não quero estudar anatomia, olhar para cadáveres e diferenciar estruturas ósseas, o que mais quero é viver daquilo que sempre amei: música.    ''Você pode fazer música agora, que não faz nada além de estudar pro ensino médio. Depois, é medicina e medicina, filhão'', meu pai sempre dizia. Minha mãe também pensa a mesma coisa, mas sempre foi mais delicada quanto a isso. Dizia que eu deveria tentar fazer medicina e, caso realmente não gostasse, eu poderia fazer o que quiser, mas eu deveria tentar.    Tentar, porém, nunca esteve no vocabulário do meu pai. ''Somos uma família de vencedores ou não somos?'', dizia sempre com aquele sorriso e******o no rosto, a careca brilhante enquanto ele entrava no campo de milho.    E eu moro com eles na fazenda mais próxima da cidade, em uma casa moderna e bem planejada. Tudo por eles é super planejado, ou não serve.    Ao entrar na minha picape vermelha, jogo a mochila no banco do passageiro e certifico que a base para pele está cobrindo toda a extensão dos meus pulsos. Me olho no espelho, as olheiras fazendo com que minha aparência seja ainda mais assustadora e, mesmo que eu tenha tentado dar um jeito nesse cabelo e deixá-lo decente, aparentemente ele possui vida própria.    Dirijo calmamente até o colégio, estaciono na primeira vaga que encontro e percebo que programei o despertador para tocar cedo demais, já que há quase ninguém por aqui. Pego o meu celular e verifico novamente o e-mail que recebi do diretor, informando-me a minha grade horária e combinação do armário.    Essa é a primeira vez que mudo de escola, então é uma experiência totalmente nova. E, claro, não há outro jeito de lidar com isso senão dormindo. Sento na última cadeira da última fileira, e apago.    Sinto a presença de outra pessoa comigo, como se nem tentasse disfarçar. O som dos fones de ouvido está bem alto, e devo admitir, essa pessoa tem um bom gosto musical. Seu olhar pesa sobre mim, e depois escuto o som da cadeira sendo arrastada na fileira ao lado, bem na frente. Respiro fundo, esperando não ser um i****a que venha encher meu saco. Aperto os olhos com força, como se ele já estivesse vindo.    Não escuto nada. Levanto a cabeça e ali está ele, fazendo algum desenho no caderno. Sincroniza as batidas na perna com as batidas da música, e desenha ainda mais. De onde estou, não consigo ver o que é, mas ele parece bom, já que nem encosta na borracha para apagar algum erro. Sua pele é castanha-escura, e seu cabelo - também castanho -, é ondulado.    Abaixo novamente minha cabeça, e fico assim por um bom tempo, até o restante dos alunos começar a chegar.    — Meu nome é Derisse, como muitos de vocês já sabem... — A professora falou. Ela parecia legal, com todo aquele estilo diferente e destemido. Parecia uma pessoa com quem eu gostaria de conversar sobre a vida, e depois, a julgar pelo cheiro que vem até o fundo da sala, fumar um baseado.    Ela pede para que os novatos se apresentem, e por isso me levanto. Quando retirei o capuz da cabeça, senti que todos me olharam. Na verdade, toda a minha família tem origem alemã, o que nos concebeu cabelos dourados e olhos verdes, mas p***o o meu de preto. Meus pais não ligam para minha aparência estética, contanto que eu ''pague'' por isso.    Por exemplo, quando me rebelei e apaguei meus fios loiros, tive que fazer dois anos de francês para deixar meus pais felizes, ou me mandariam para a Casa Internacional de Oração. Au revoir, cabelos dourados. O motivo? Bem, por um tempo eu apenas fiz para irritar meus pais e os decepcionar, fazê-los se sentirem tão m*l a ponto de desistir de mim e apenas deixar eu me virar com minha vida, o que não funcionou. Depois, apenas me acostumei e não me vejo sem essa cor.    O garoto de mais cedo falou primeiro, seu sotaque era notável, e estava muito ansioso, mesmo tentando esconder. Sei como é isso porque entendo de ansiedade. Ele passou os dedos pelos cabelos, enrolando-os, enquanto uma garota com um piercing preto no septo falava. Era difícil acreditar que estávamos no primeiro ano do ensino médio; as pessoas eram gigantes. Não estou de fora, claro, pareço um cara de dezenove.    O único que não se encaixa, Thomas Dinesh. Com sua estrutura frágil, me lembrava um passarinho deformado, atacado por seus irmãos no ninho. Ele simplesmente não pertence a esse lugar. Vi uma garota sorrir a ele, o que fez meu estômago queimar. Não sei bem o que foi isso, mas certamente me incomodou.    — Sua vez. — Derisse pronuncia assim que Thomas acaba de falar. Seu olhar mantinha-se fixo a mim, me deixando inseguro.    Mesmo assim, dei um passo à frente.    — Me chamo Jace Miller, sou daqui mesmo. Não tenho muito o que dizer sobre mim, além de que gosto de música e só quero ficar no meu canto. — Falei rapidamente, e Travis, um garoto loiro que estava ao meu lado, fez um barulho estranho, debochando.    — Por que todo viadinho gosta de música e fala rápido? — Riu, mas ninguém riu com ele. Olhei rapidamente para Gabriel, que estava do outro lado da sala. Ele balançou a cabeça em negação, e desviamos o olhar.    Finalmente, o intervalo havia começado. Eu não estava deslocado; podia muito bem deitar no gramado do campus e dormir, ler um livro ou fumar de baixo da arquibancada, mas assim que eu ia dar as costas para deixar o pátio, vi Thomas. Meio acanhado, com a bandeja nas mãos, procurando um rosto simpático na multidão de espinhas e hormônios. Coitado.    Avistou uma mesa desocupada, bem perto de uma lixeira que estava quase vazando e sendo cercada por duas ou três vespas. Foi até ela e sentou-se, tirou o caderno de baixo do braço e começou a desenhar. Eu estava observando de longe, porém perto o suficiente para ver que ele havia pegado batatas fritas. O que ele não sabe é: são feitas do pior jeito possível, mesmo que tenham um gosto muito bom. Meu irmão se formou ano passado, e até existe uma história sobre as batatas fritas desse lugar.    Lentamente me aproximei, e ele nem sequer tirou os olhos do caderno. Me sentei em sua frente, puxei a bandeja e peguei as batatas antes que ele acabasse com as maçãs e partisse para elas. Um lanche equilibrado, com toda certeza. Thomas tem cheiro de casa limpa, mas não de hospital. Amaciante com embalagem de ursinho, álcool e um leve perfume doce, quase imperceptível.    Assustou-se com minha presença, e pareceu irritado com o fato de eu estar roubando sua comida. É para o seu bem, campeão. Mas eu não iria confessar isso porque... Aliás, nem sei o motivo de eu estar fazendo isso. Por que estou me preocupando com ele? Com o que ele come, se está sozinho ou não?    — E aí. — Falei. — O que está desenhando?    Eu não havia tirado meu moletom. E, meu Deus, como o dia está quente. Mesmo com a base me protegendo, não confio totalmente nela. Além disso, roubei do estojo de maquiagem da minha mãe, então não é exatamente o meu tom de pele, e perceberiam que há algo errado comigo.    Nunca fui de me importar muito com o que as pessoas pensam ou deixam de pensar sobre mim (exceto meus pais). Mas o problema é que, caso alguém resolvesse reportar o que viu, eu estaria encrencado.    Thomas me mostrou seu desenho. Era simplesmente... Uau. Era um palhaço raivoso, estourando um balão com uma faca, os dentes pontudos, olhos gigantes como se procurasse por uma presa. Haviam traços em seu rosto que o fazia parecer frenético, maluco, dando mais vida ao desenho. Eu realmente estava impressionado.    Batatas, batatas, batatas. Se ele encostar uma na boca, não vai querer parar mais. Eu não ligo muito para a minha vida, não é novidade que tenho uns problemas sérios e preciso urgentemente de ajuda, por mais que eu negue, mas ligo para a saúde de outras pessoas. Sinto que elas merecem ter uma vida boa e saudável; eu, no entanto...    As pessoas da escola eram normais. Alguns alunos eu já havia visto por aí, e não demorei a ver um cara na mesa ao lado, que também vi na sala de aula assim que me deparei com os cabelos brilhantes, cujo nome eu nunca esquecerei: Gabriel Willis. É uma história complicada, que eu talvez tenha vergonha e passo m*l sempre que lembro. Afasto os pensamentos, me focando num garoto igual a ele que se aproximava. Era seu irmão, Travis.    Os dois estão na minha sala e, por mais que eu deteste, devo aturar. Me preocupo se Travis sabe o que aconteceu entre mim e seu irmão, mas dou uma risada abafada. Gabriel nunca abriria a boca sobre isso.    E, hoje, na aula da Derisse, Travis fez uma ''piada'' um tanto quanto escrota na frente de todos, o que me fez questionar mais ainda se ele havia escutado algo, ou foi apenas uma terrível coincidência. Gabriel balançou a cabeça em reprovação, mas isso não queria dizer nada para mim. Ele é podre, e um mentiroso profissional.    Travis sentou-se ao meu lado, e, como reflexo, me afastei. Ele falou alguma m***a que nem me preocupei em entender, e passou o braço pelo meu pescoço. Com força, o retirei. Ele sabia. De alguma forma, ele sabia.    Olhei para Gabriel novamente, mas ele agora estava de costas para mim.    — Pelo o visto, não sou bem vindo aqui. — Uau, descobriu um país. Tome sua estrela dourada, agora vá embora.    Minha mente estava muito conturbada para conseguir dar o mínimo de atenção às bobagens que saiam da boca de Travis - não era como se eu quisesse, de qualquer forma. E, quanto mais ele falava, mas distante eu ficava. Sua voz decaia, sumia, como se eu estivesse correndo para longe dela, ficando cada vez mais longe dele, de mim, e...    — Olha só quem vem aí. — Disse.    Era a mesma garota que havia sorrido para Tommy. Tommy? O que? Meu Deus, cérebro...    Não posso negar, ela é linda. Mas está na faixa do normal, nada demais, aqui na escola há várias como ela, é uma beleza comum, não se destaca e não é irreal.     — Ei, gente, como estão? — Perguntou assim que se sentou ao lado do Thomas.    Por que eu estava assim? Desfiz minha carranca antes que alguém percebesse. O cheiro de Thomas havia se misturado com o de Travis (suor e goma de mascar), e agora essa menina havia confundido todos os meus sentidos com esse perfume exagerado de tutti frutti. Era isso que parecia.    — Por que você está aqui? — Thomas perguntou. Segurei o riso.    Claro que sei que ele não quis ser rude, mas soou como se fosse. Ela a olhou assim como olhamos para uma pessoa que tenta tomar sopa com garfo; sem entender a lógica. Mas levou na esportiva e começou a falar. Tyna começou um blábláblá interminável sobre como é uma pobre coitada, vítima da sociedade e como se fosse uma santa. Não somos santos, não somos perfeitos. Enquanto Thomas e Travis prestavam atenção no discurso sem graça da princesa, peguei as três últimas batatas, as passei no ketchup e as comi de uma só vez.    Aparentemente ela estava explicando uma briga que rolou em uma festa, ou sei lá. Não vou tirar conclusões precipitadas sobre uma garota que nem conheço, mas pelo o que ela falou, sua fama é por pegar as pessoas que quer. Qual o problema nisso?    Travis ainda estava ao meu lado, se comportando como uma pessoa normal. Olhei novamente para Gabriel, na outra mesa. Ele havia raspado um lado da cabeça, e usava alargador agora. Estava bem diferente da última vez que o vi; no dia, estava com os cabelos penteados, roupas claras e bem passadas, como um garoto educado. Agora anda com o grupo de alunos mais velhos, com um visual despojado e rebelde.    Ele havia mudado mais do que eu esperava.    A presença de uma garota totalmente aleatória na mesa chamou minha atenção, me fazendo voltar para a realidade. Eu tenho um problema sério com isso, em estar, de fato, em um lugar. Meus pensamentos correm, voam, dão cambalhotas e passam até a Rússia, e voltam lentamente para o presente.    Revirei os olhos quando percebi que ela se deu o trabalho de vir até aqui e gastar seu tempo para tentar nos insultar. Bem maduro para uma garota da idade dela, não é? Apenas ignoramos, ela percebeu que o que quer que seja que havia tentado fazer, não havia dado certo, e saiu batendo os pés. Nos entreolhamos e seguramos o riso. Foi estranho ver Travis ''se juntar'' a nós nisso, já que Gabriel, seu irmão, estava sentado ao lado dela próximo a nós.    — Ela que se f**a. — Thomas falou, sorrindo para Tyna.    Todos que se fodam.    Passei o restante da aula fazendo anotações do que os professores falavam, e conferindo meu pulso múltiplas vezes. Eu sei que deveria parar e procurar ajuda, tentar descobrir o que está acontecendo e me entender, mas é difícil. Então, apenas comemoro quando me levanto da cama e, por enquanto, é o máximo que consigo fazer.    Essa escola não é o tipo de escola acolhedora, onde os adultos irão te ouvir sem julgar e te oferecer apoio. Nos corredores não há cartazes sobre saúde mental, por enquanto. E não é como se ''uau, agora que a escola colocou um cartaz dizendo não ao bullying, me tornei uma pessoa completa e feliz!'', mas a maioria das escolas fazem isso.    Assim que as aulas terminam, vou até o estacionamento e entro no carro. Eu até poderia dar uma carona a Thomas, mas seria estranho, não seria? Nem nos conhecemos direito, ele provavelmente negaria e eu me sentiria um o****o. Quem sabe outro dia.    Ligo o rádio enquanto dirijo pela estrada e percebo que está tocando a mesma música que Tommy ouvia quando havia chegado na sala.    Tommy? p***a.  

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