capítulo 2

667 Words
Gustavo Fiquei olhando para a mão dela, ainda pousada no meu peito, como se fosse uma mancha que eu não tinha pedido. Parte de mim queria afastá-la com violência. Outra parte queria deixá-la ali — só para ver até onde aquela mulher era capaz de ir. Ela não piscava. Nem tremia. Nem mentia. Pelo menos… não sobre o ódio. — Você diz que minha família destruiu a sua — murmurei. — Mas você está viva. — Isso depende do que você chama de estar vivo — respondeu, sem hesitar. Eu dei um sorriso torto. Um sorriso que nunca significava nada bom. — Todo mundo tem um motivo pra querer me ver morto, princesa. — Aproximei meu rosto do dela. — Mas você… você não parece uma delas. — Não ainda — ela devolveu, sem recuar. Viktor fez o sinal para os outros se afastarem. Eu sabia: ele sentiu o cheiro de perigo. Ele sempre sentia. Mas ali… não era só perigo. Era destino. Ou ruína. Ou os dois. — Então você quer vingança — constatei. — Eu quero justiça. — Justiça não existe nesse mundo. — Por isso precisamos criá-la. Ela falava como alguém que já tinha atravessado o inferno e voltado com souvenirs. Mas algo me incomodava. Uma ponta solta. Um vazio no discurso. — Você ainda não me disse como pretende fazer isso. Selena abriu um leve sorriso — aquele tipo de sorriso que precede um tiro, uma traição ou um beijo mortal. — Quero entrar no seu mundo — disse. Eu ri. Baixo. Escuro. — No meu mundo as pessoas não entram. Elas são engolidas. — Então que me engula — ela disparou, sem pestanejar. Meu sorriso morreu. Meus músculos ficaram tensos. Porque ali… naquela frase… existia algo que minhas cicatrizes reconheceram antes de mim. Desespero. Determinação. E um segredo que podia incendiar cidades inteiras. — Você não sabe o que está pedindo — murmurei. — Sei exatamente. Ela finalmente tirou a mão do meu peito. Passou os dedos pela própria clavícula, como se estivesse tirando poeira de um passado que não a deixava em paz. — Eles mataram meu pai — disse. — E culparam você. As palavras dela gelaram o ar. Eu senti meu sangue pulsar, grosso, lento, venenoso. — Quem? — perguntei. Ela ergueu o queixo. Os olhos azuis queimavam. — Os Galanis. Meu coração parou. Não fisicamente. Mas da forma que coração de mafioso para: em silêncio, sem aviso, arrancando um pedaço da alma e deixando um buraco no lugar. — Eles mataram meu pai — repetiu, firme. — E jogaram o corpo diante da sua família. Fizeram parecer retaliação. Fizeram parecer que você começou uma guerra. O objetivo foi simples: tirar você do caminho. Meus dedos formigaram. Os Galanis. Minha própria família. Meu próprio sangue. Selena deu um passo à frente, a voz baixa, quase um sussurro: — Você quer saber o pior, Gustavo? Eu fechei a mandíbula. — Diz. — Não foi só seu nome que eles usaram. Foi sua arma. Silêncio. Pesado. Sufocante. Cortante. Eu senti a ira crescer como um animal que ficou tempo demais acorrentado. — Me diga o nome de quem fez isso — pedi. — Agora. Selena levantou os olhos, e por um instante, vi dentro deles não apenas dor. Vi cálculo. Vi precisão. Vi o tipo de escuridão que combina perfeitamente com a minha. — Eu te digo tudo — respondeu. — Mas não aqui. Ela então estendeu a mão como se oferecesse um pacto. — Me leve com você. Eu a encarei por longos segundos. Aquela mulher poderia ser minha destruição. Ou a lâmina perfeita na minha mão. Talvez os dois. Apertei os dedos em torno da arma na minha cintura… e soltei. — Entra no carro — ordenei. Ela obedeceu com a naturalidade de quem já sabia que eu diria isso. E eu? Eu sabia que, naquele instante, tinha acabado de abrir a porta para o inferno. O problema é que parte de mim já estava em casa lá dentro.
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