Gustavo
Fiquei olhando para a mão dela, ainda pousada no meu peito, como se fosse uma mancha que eu não tinha pedido. Parte de mim queria afastá-la com violência.
Outra parte queria deixá-la ali — só para ver até onde aquela mulher era capaz de ir.
Ela não piscava.
Nem tremia.
Nem mentia.
Pelo menos… não sobre o ódio.
— Você diz que minha família destruiu a sua — murmurei. — Mas você está viva.
— Isso depende do que você chama de estar vivo — respondeu, sem hesitar.
Eu dei um sorriso torto. Um sorriso que nunca significava nada bom.
— Todo mundo tem um motivo pra querer me ver morto, princesa. — Aproximei meu rosto do dela. — Mas você… você não parece uma delas.
— Não ainda — ela devolveu, sem recuar.
Viktor fez o sinal para os outros se afastarem. Eu sabia: ele sentiu o cheiro de perigo. Ele sempre sentia.
Mas ali… não era só perigo.
Era destino.
Ou ruína.
Ou os dois.
— Então você quer vingança — constatei.
— Eu quero justiça.
— Justiça não existe nesse mundo.
— Por isso precisamos criá-la.
Ela falava como alguém que já tinha atravessado o inferno e voltado com souvenirs. Mas algo me incomodava. Uma ponta solta. Um vazio no discurso.
— Você ainda não me disse como pretende fazer isso.
Selena abriu um leve sorriso — aquele tipo de sorriso que precede um tiro, uma traição ou um beijo mortal.
— Quero entrar no seu mundo — disse.
Eu ri. Baixo. Escuro.
— No meu mundo as pessoas não entram. Elas são engolidas.
— Então que me engula — ela disparou, sem pestanejar.
Meu sorriso morreu.
Meus músculos ficaram tensos.
Porque ali… naquela frase… existia algo que minhas cicatrizes reconheceram antes de mim.
Desespero.
Determinação.
E um segredo que podia incendiar cidades inteiras.
— Você não sabe o que está pedindo — murmurei.
— Sei exatamente.
Ela finalmente tirou a mão do meu peito. Passou os dedos pela própria clavícula, como se estivesse tirando poeira de um passado que não a deixava em paz.
— Eles mataram meu pai — disse. — E culparam você.
As palavras dela gelaram o ar.
Eu senti meu sangue pulsar, grosso, lento, venenoso.
— Quem? — perguntei.
Ela ergueu o queixo.
Os olhos azuis queimavam.
— Os Galanis.
Meu coração parou.
Não fisicamente.
Mas da forma que coração de mafioso para: em silêncio, sem aviso, arrancando um pedaço da alma e deixando um buraco no lugar.
— Eles mataram meu pai — repetiu, firme. — E jogaram o corpo diante da sua família. Fizeram parecer retaliação. Fizeram parecer que você começou uma guerra.
O objetivo foi simples: tirar você do caminho.
Meus dedos formigaram.
Os Galanis.
Minha própria família.
Meu próprio sangue.
Selena deu um passo à frente, a voz baixa, quase um sussurro:
— Você quer saber o pior, Gustavo?
Eu fechei a mandíbula.
— Diz.
— Não foi só seu nome que eles usaram.
Foi sua arma.
Silêncio.
Pesado.
Sufocante.
Cortante.
Eu senti a ira crescer como um animal que ficou tempo demais acorrentado.
— Me diga o nome de quem fez isso — pedi. — Agora.
Selena levantou os olhos, e por um instante, vi dentro deles não apenas dor.
Vi cálculo.
Vi precisão.
Vi o tipo de escuridão que combina perfeitamente com a minha.
— Eu te digo tudo — respondeu. — Mas não aqui.
Ela então estendeu a mão como se oferecesse um pacto.
— Me leve com você.
Eu a encarei por longos segundos.
Aquela mulher poderia ser minha destruição.
Ou a lâmina perfeita na minha mão.
Talvez os dois.
Apertei os dedos em torno da arma na minha cintura… e soltei.
— Entra no carro — ordenei.
Ela obedeceu com a naturalidade de quem já sabia que eu diria isso.
E eu?
Eu sabia que, naquele instante, tinha acabado de abrir a porta para o inferno.
O problema é que parte de mim já estava em casa lá dentro.