Capítulo 3

1152 Words
Samanta: Acordei com um troço me pinicando a cara. Dei um tapa achando que era bicho, mas era só folha. Ufa, né? Que já pensou se acordo com um bicho grudado? Espreguicei, fiz um barulhão com a boca e levantei devagar, ainda zonza de sono. Cadê minha cama? Ah, é... Num tenho mais, né? Fiquei sentada debaixo da árvore, pensando no que ia fazer da vida, quando ouvi um barulho. Passo de gente. Meu coração deu um pulo. Olhei devagarzinho e vi uns homens vindo. Mas quê isso, gente? Pra que esse tanto de homem junto? Pareciam brabo, andando rápido e falando baixo. Senti um frio subir pela espinha. Vai que é gente dos bandido? Se me pegassem, capaz de me levar de volta. Olhando pra um lado e pro outro, vi a única saída: a árvore. Não pensei duas vez, não! Me agarrei no tronco e subi igual um bicho fugindo de cachorro. Cada galho era uma luta, mas eu subi. Quando vi, já tava lá em cima, escondida no meio das folhas. Os homens passaram logo abaixo. Fiquei quietinha, segurando a respiração. Se me visse, eu tava frita. — Certeza que não tem ninguém aqui? Um deles perguntou. — Não tem nada, vamos. Eu quase suspirei alto, mas segurei. Só mexi os olhos, seguindo eles até sumirem no caminho. Esperei um pouco, as pernas doendo de ficar encolhida, e só depois fui descendo da árvore. Quando pisei no chão, sacudi as mãos, tirei folha do cabelo e bufei. — Eita lasqueira... Quem mandou eu dormir perto de casa de gente rica? Eu num sabia quem morava ali, nem o que acontecia. Mas, sinceramente? Também num era da minha conta, não. Eu só queria seguir meu rumo e achar um canto onde pudesse viver sossegada. O tempo passava, e eu ali, sem saber o que fazer da vida. Num tinha pra onde ir, num tinha o que comer, num tinha nem com quem conversar. Só eu e minha barriga roncando mais alto que trovão. — Vixe, será que dá pra morrer de fome embaixo de árvore? Falei sozinha, alisando a barriga vazia. Além da fome, minha boca tava seca que nem chão rachado. Se cuspisse, o cuspe voltava pedindo água. Foi aí que ouvi um barulho de motor. Olhei pra estrada e quase engasguei com o próprio nada. Carro preto. Um. Dois. Três... Eita, era carro demais! Senti um frio na barriga. Num podia ser coisa boa. Me encolhi atrás da árvore, espiando. Os carros pararam perto da casa estranha. Será que eles moravam ali? Antes que meu cérebro sem estudo pudesse entender, outro carro chegou, meio atrasado. E foi nesse que meus olhos bateram. Era agora ou nunca. Sem nem pensar direito, saí correndo igual galinha fugindo de panela e me joguei no chão, deslizando debaixo do carro. Fiquei ali, esticada, segurando nas ferragem tudo, sem nem saber o nome daquele troço. O ferro quente grudando na minha mão, minha cara cheia de poeira, mas pelo menos escondida. — Agora vamo ver onde esse troço vai me levar... Murmurei, agarrada no que parecia um pedaço de... sei lá, um negócio debaixo do carro. Eu num sabia quem era o dono do carro, nem pra onde ia. Mas eu sabia que pra trás eu num voltava. O carro parou de repente, e eu fiquei ali, grudada nas ferragem tudo, sem nem respirar direito. Se me visse ali, tava ferrada. Ouvi vozes. Homem brigando. — Você precisa ir, Maike, não pode viver a vida toda preso aqui, longe, e fugindo feito um covarde! — Eu quero que o senhor me deixe em paz, papai. Não vou a lugar algum. Franzi a testa. Vocês tão brigando por quê? A briga continuava, mas as vozes pareciam meio longe. Num era problema meu, né? Eu só queria sair dali antes que alguém me visse. Me arrastei devagarzinho, olhando pra ver se a barra tava limpa. Ninguém ali. — Que cara chato... Murmurei, revirando os olhos. Aproveitei que ninguém tava olhando e corri sorrateira igual rato fugindo de vassoura, direto pro meio do mato. Agora era torcer pra não topar com mais encrenca. Eu corria. Corria igual o d***o da cruz. O mato era alto, os galho tudo parecia braço tentando me pegar. Que desgraceira de lugar era aquele? Cada passo que eu dava, parecia que a floresta ficava mais escura, mais apertada, mais... sei lá, viva! As árvore balançava que nem casal de novela, todo amoroso. Dona Cotinha sempre contava essas história de floresta encantada, mas isso aqui tava mais pra floresta amaldiçoada! O pior é que eu sentia... Tinha alguma coisa me seguindo. Ou pelo menos parecia. — Num tem outro canto pra ir, não?! Resmunguei, olhando pra trás, mas só via breu. Minha barriga roncava, minhas perna doía, o frio entrava pelos buraco da minha roupa. E o pior? Eu eu nem percebi que já era noite! De repente, senti um troço agarrando meu pé. — AI, MEU JESUIS! SOCORRO! Gritei, tentando enxergar no meio da escuridão. Era uma raiz! Um trem enrolado no meu tornozelo. A floresta tava tentando me comer! Tentei puxar o pé, mas perdi o equilíbrio e capotei feio, de cara na lama! Plash! — Ah, num! Agora eu tô igual porco! Falei, cuspindo terra e folha, passando a mão na cara suja. Fiquei lá, esparramada, sentindo a lama gelada no corpo. O peito subia e descia rápido. O cansaço era grande. A fome apertava. O medo me engolia. Uma lágrima desceu pelo meu rosto. Por que tudo era tão difícil? A lágrima escorreu sem eu querer. Eu só queria um canto pra descansar, um prato de comida... Mas num, tinha que tá aqui, sendo agarrada pela floresta! — Será que dá pra morrer de cansaço? Murmurei, sentindo a cabeça ficar pesada. E antes que eu pudesse lutar contra, tudo apagou. Minha cabeça tava pesada, igual pedra amarrada no pescoço, e minha barriga... bom, essa já tinha desistido de roncar. Tentei abrir os olhos, mas parecia que tinha um troço segurando minhas pálpebra. Era o cansaço, a fome, a sede... Tudo misturado, me deixando mais fraca que filhote de passarinho caído do ninho. Será que era assim que a gente morria? Mexer os dedo? Num dava. Levantar a cabeça? Piorou. Só conseguia sentir o chão frio debaixo do meu corpo e o vento gelado passando por cima de mim. Mas e se tivesse bicho aqui? E se um jacaré aparecesse? Ou pior! E se um bicho comia gente?! Meu coração deu um pulo de medo, tentei forçar meu braço a se mexer... Nada. Minha respiração tava fraca, minha boca seca que nem terra rachada. Se pelo menos tivesse um copo d’água... ou um pão... ou qualquer coisa que num fosse folha! Mas o cansaço não deixava. Meu corpo parecia que não era mais meu. E então, mesmo tentando lutar, o sono veio de novo, pesado, arrastando tudo com ele.
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