dois

1556 Words
Com o fim da avaliação que me tirou de casa hoje, estava considerando o restante do meu dia livre. Não participaria da última aula, e também não estava interessada em retornar pra perto de mamãe tão cedo, considerando que ela não estaria na empresa da família uma hora dessas. Mas acho que não, é raro as vezes em que meus tios precisam da presença dela por lá. Cecília amorim é alguém muito caseiro, prefere passar tempos sozinha debaixo daquele teto, ao acompanhar papai em algum jantar de sócios. Porém, nesse ponto eu conseguia entender ela, pois não deve existir algo mais chato do que isso. Mas o que quero dizer, é que ela não sai com as amigas que tem, não aproveita a liberdade e confiança que papai lhe proporciona. A única pessoa com quem mamãe mantém uma ligação fora do comum é com a cunhada, a irmã mais nova de papai, mãe do puto do Lucas. Tia Marcela é mesmo alguém muito diferente, mas diferente de um modo bom, claro. — O que acha de me acompanhar nas compras de hoje? — Fazendo do seu braço uma posse minha, perguntei de maneira simples enquanto caminhávamos até o estacionamento. Meu carro estava perto da saída. — Diferente de uma e outros, eu tenho um trabalho quando saio daqui, Leth. — Sempre se divertindo com a minha cara, ele disse me tirando ao levar a mão até a porta esperando que o alarme fosse desativado. Então teclei a chave. — Se esse é o problema, já estou ligando para o meu pai. — Realmente segurando o celular, vi o aparelho deixar minhas mãos de supetão. Não pude evitar sorrir com sua atitude. — Não tem graça, não quero que seu pai pense m*l de mim. Minha mãe confia em mim para ocupar um lugar ao lado dele. — Ouvindo essas palavras, assenti adentrando o carro e virando a chave pronta para sair dali. Mas algo precisava ser dito sobre isso. — Não era você quem estava me dizendo para pensar mais em mim, e menos no que o meu pai quer? — Com o carro em movimento em manobras simples para deixar o estacionamento e seguir pelas ruas, o vi respirar fundo. — Comigo é diferente. Eu gosto do que faço, da forma como faço. No profissional o tio Leones é como uma inspiração para todos que carregam tal sonho, mas no pessoal ele deixa a desejar. Por isso falei aquilo. Em nosso dupla, Lucas é o inteligente, o sensato e, também o mais responsável. Enquanto eu, trabalho duro na contradição a tudo o que ele representa. Confusão deveria ser o um dos meus sobrenomes, mas para minha sorte, não é difícil manter tudo o que acontece em um segredo traçado á sete chaves. Ao menos é assim com os problemas mais complicados, o que me evita muita dor de cabeça. Senhora Cecília insisti em pedir pelo fim dos poucos problemas que chegam ao seus ouvidos. Mas se ela soubesse ao menos da metade, certeza de que nem mesmo papai poderia sair em minha defesa. Ele poderia tentar, dizer as palavras que diz toda vez, e ainda impor falsos castigos. Mas no fim, seria mamãe a ditar a palavra final. Às vezes ela me cansava, mesmo que insistisse em dizer que tudo é para o meu bem. Papai me entendia melhor, isso era inegável desde que me entendia por gente. — Não quer entrar? — Abrindo a para que pudesse descer, perguntou abrindo um breve sorriso ao enxergar tia Marcela o esperando na entrada. — Acho melhor não, não quero te atrasar no caminho para o escritório do meu pai. — Elevando o punho para um toque simples, disse algo que pouco deixava a minha boca. Entendia que ele gostava, mas não conseguia ver muito no que ele fazia naquele prédio. Carregar pastas e buscar cafés para aquele bando de folgados? Como papai conseguia chamar isso de aprendizado? — Podia me acompanhar, mas sem o direito de reclamar ou conquistar problemas desnecessários dessa vez. Não? — Foi inevitável não me lembrar do modo em que os sócios de papai quiseram me colocar pra fora nessa ocasião. São um bando de velhotes com síndrome de poderosos, o que não combina com nenhum deles. — Não é culpa minha se me taxaram como uma assistente iniciante. — De braços cruzados, me vi surpresa ao notar mamãe se colocando ao lado de tia Marcela. O clima devia estar pendendo para mudança, certeza de que as nuvens não demorariam para carregar. — Sério que ela saiu de casa por vontade própria? — Minha deve ter a convidado. — Disse enfim deixando o carro. — Vai entrar agora? — Sinto que se não o fizer, terei muito o que ouvir quando chegar em casa. — Desligando o veículo e retirando a chave da ignição, soltei um breve suspiro, peguei meu celular e também me pus do lado de fora já acionando o alarme. — Mãe, que milagre é esse? — Me respeite, garota abusada. — Repetindo meu ato de segundos atrás, cruzou os braços causando ainda mais impacto em suas palavras. Senti meu sorriso morrer de forma lenta enquanto Lucas se segurava para não gargalhar na frente de todos. Tia Marcela acabaria com ele se isso acontecesse. Eu me sentiria bem com a cena, teria com o que zoá-lo por um longo tempo. — Não tire a razão da menina, Cecília. — Roubando um sorriso divertido de mamãe, Tia Marcela disse desalinhando todos os fios do meu cabelo. Eles já não estavam no lugar antes, mas pelo menos recebi um ato de defesa no processo. Mamãe logo negou. — Por favor, basta o seu irmão. Você também não. — Seguindo os passos de Lucas até seu quarto, ainda pude ouvir o lamento dela. Já não sorria mais, mas porque? Largada sobre a confortável cama de Lucas, vi o mesmo desaparecer em direção ao banheiro ao deixar em meu poder o controle de seu Xbox logo depois de ligar o jogo. Mas jogar sozinha não era tão divertido como a disputa que tratávamos durante as partidas de mortal Kombat ou Injustice atualizado. Era só um passatempo até que ele voltasse, apenas isso. A meia hora que se seguiu parecia uma eternidade, cheguei a pensar que ele poderia ter se afogado dentro da privada ou coisa parecida. Mas antes que a decisão de checar a teoria pudesse se solidificar, o palhaço deixou aquele quadrado apenas de cueca enquanto secava o cabelo. Uma cena engraçada pra mim, porém, muito aleatória pra ele. Era um costume, e apesar de estar acostumada com tudo, sempre sorria para a sua tentativa sensual em fingir que estava dando em cima de mim. Primos, mas também melhores amigos. Irmãos para a grande maioria. Afinal, estávamos ali um para o outro. Brincando, mas também apoiando em momentos duros. Foi assim quando seu pai decidiu ir embora depois da revelação para a família sobre a sexualidade, algo que claramente compartilhamos. Decidimos por nos assumir na mesma época, na mesma maldita festa de fim de ano. Éramos jovens demais, crianças em busca de apoio e carinho. Mas seu pai não entendia isso, e quando tia Marcela o abraçou assim como todo o restante da família, aquele homem apenas foi embora para nunca mais voltar. Por sorte, a melhor parte é aquela que ficou. — Já desistiu do jogo? — Notando o pause na tela, perguntou se enfiando dentro de um jeans escuro meio termo. Nem largo demais, nem muito apertado. Aquele estilo ficava bem nele, e junto a pegada social do escritório ficava ainda mais sua cara. Custava admitir, mas aquele mundo era dele. — Não tem graça se não estou surrando você do outro lado. — Sem qualquer modéstia, ignorei o seu sorriso e dediquei atenção a mensagem que chegava pra mim. Era do grupo de farras da faculdade, um chamado de Carlos e seu irmão. Pensei ser interessante, principalmente depois de ler as especificações de onde seria. — Se está tão feliz, duvido ser algo que vá acabar bem pra gente. — Se jogando do meu lado, ele disse tomando o celular das minhas mãos para que também pudesse ver do que se tratava. — Não, definitivamente a gente 'tá fora dessa. — Fora nada, estamos mais do que dentro. — Me pondo de pé assim como ele para o ajudar com a desnecessária gravata, afirmei com um sorriso de doer as maçãs do rosto. Estava empolgada com a ideia. — Perdeu o juizo? Estamos falando de uma festa no alto do morro do alemão. — Ironicamente ele riu. — Nossos pais nunca permitiriam algo assim, e não importa se já somos de maior. Sua mãe e a minha nos arremessariam de uma janela antes de dizerem sim para uma barbaridade dessas. — Quanto drama, Lucas. É só uma festa. — Não, Leth, não é só "uma festa". É a merda de uma festa no morro do alemão. — Pronto para seguir a rotina de trabalho, segurou meu olhar. — Eu não vou. — Querendo ou não, comigo você vai. Segura, leva isso aqui. — Vasculhando seu guarda roupas, joguei um conjunto de peças sobre ele. — Vamos nos arrumar na casa dos capitães de educação física. — E como pretende despistar os nossos pais? — Deixa isso comigo. Agora vamos.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD