Fogo
Eu estou atrasada.
Eu acordei hoje de manhã com a sensação de que eu me atrasaria e olhe só, tudo se realizou. Ando rápido passando entre as pessoas o mais gentilmente possível, se é que isso é possível numa multidão de alunos querendo chegar as suas respectivas salas. Quando finalmente a multidão se dispersa um pouco e eu posso andar mais rápido, um pé é colocado em meu caminho fazendo com que eu me esborrache no chão na frente de toda a escola.
Todos os alunos param para olhar e cochichar e eu quero morrer por isso.
Olho para o chão praguejando baixinho e agradecendo a minha sorte por isso. Três sombras aparecem a minha frente e eu quero gemer. Nem ao menos preciso olhar para saber que se trata de Beca, Tati e Moly, três poderosas populares que tem como objetivo de vida infernizar a vida dos alunos sem beleza, sem talento e sem dinheiro, ou seja, eu. E eu ainda ganho um bônus por ser aluna nova.
– Ops, olhe por onde anda. – Beca diz dando uma risadinha e se vai com as suas amigas e as pessoas voltam a andar normalmente. Melhor que eu me levante antes que eu seja pisada por todos. Tento tirar os amassados do meu uniforme, mas sem sucesso.
– Tudo bem Maddah, você consegue. Isso não vai durar para sempre. – Falo baixinho para mim mesma e volto a fazer o caminho em direção a minha primeira aula.
Como sempre, eu previ o meu próprio futuro.
Estou numa mesa comendo meu lanche calmamente afastada de todos na hora do intervalo, como sempre faço a uma semana. Eu sempre fui solitária e aqui nada mudou, não que eu achasse que mudaria. Devo ser muito medonha para fazer amizades, afinal , sem falar nas vergonhas que Beca tem me feito passar.
Olho ao redor e consigo ver as pessoas socializando, conversando entre si em seus grupos e panelinhas, sorrindo umas para as outras e fico pensando. Será que algum dia eu vou fazer parte de um grupo assim?
Volto a olhar para a minha própria comida e consigo ver pelo r**o dos olhos uma bandeja sendo colocada ao meu lado e levanto os olhos para ver quem é e encontro Beca, Tati e Moly. Quero gemer alto de frustração e me revirar, mas ao invés disso, fico quieta.
– Este lugar está ocupado? – Pergunta me encarando enquanto se senta calmamente como se o mundo pertencesse a si mesma. Sei que foi uma pergunta retórica, mas morro de vontade de dizer que sim.
– Se eu dissesse que tem, você não ligaria mesmo. – Resmungo baixo e observo suas amigas sentarem-se ao seu lado na mesa, elas nem me conhecem e me atormentam por associação.
– O que disse? – Beca me olha fixamente esperando que eu responda. d***a, eu e a minha boca enorme.
– Eu disse que a comida está ótima. – Para provar o meu ponto, levo uma garfada de comida a boca e mastigo devagar.
– É mesmo? Você gosta de carne, novata? – Estranho a sua pergunta.
– Sim, eu amo tudo que tem carne. – É uma pergunta normal então não acho que seja um pecado responder, quem sabe assim ela não para de me atormentar um pouco.
– Sério? Que bom então. – Ela sorri e olha para a sua bandeja de comida e a próxima coisa que consigo ver é a bandeja sendo jogada com força no meu rosto. Há comida em meu rosto, em meus cabelos e, principalmente, na minha camiseta preferida.
Porra, a minha camiseta preferida não.
Beca está rindo com as amigas e todo o refeitório parou para ver esse acontecimento. Pelo visto acabei de estrelar um grande show. Beca se aproxima de mim e seu rosto está bem próximo do meu.
– Então? Está gostoso? Você disse que adorava carne. – Ela está debochando da minha cara. Todos ao redor não fazem nada além de comentar e me observar despreocupados como se fosse uma cena rotineira.
Babacas.
– Você cometeu um erro. – Digo baixo olhando fixamente em seus olhos. Se fosse apenas o meu rosto e cabelo, eu tampouco estaria tão chateada assim mas ela cometeu um erro dos grandes ao sujar minha camiseta favorita. É uma edição limitada de uma marca que gosto, economizei por meses para comprá-la e é a primeira vez que uso e ela já está praticamente arruinada por essa cobra que implicou comigo apenas por ser nova na escola e não ter amigos.
– E o que você vai fazer? Chorar? Melhor aproveitar isso tudo e comer sua comida preferida, afinal já está no seu rosto mesmo. – Ela gira ao dedo ao redor do meu rosto indicando a carne espalhada por ele.
Beca me dá um tapinha nas costas e sai andando com as suas amigas me deixando suja e sozinha em meu lugar. Estou com raiva, estou com muita raiva.
Olho fixamente para o cabelo de Beca enquanto ela se afasta, é um belo cabelo. Começo a me sentir momentaneamente estranha, consigo ouvir as batidas do meu coração e o sangue corre rápido em minhas veias.
O cabelo loiro esvoaçante de Beca começa a pegar fogo enquanto ela anda e ela começa a gritar quando percebe o que está acontecendo. Todos estão atônitos observando a cena e suas amigas tentam apagar o fogo mas isso apenas piora a situação, quando percebo o que está acontecendo desvio meus olhos e saio correndo do refeitório até o banheiro mais próximo.
No banheiro, fecho a cabine com força e me sento no vaso em estado de choque.
– De novo não. De novo não. Minha mãe vai me m***r. – A sensação que estava em meu corpo se foi e agora resta apenas o choque que estou sentindo.
Sempre que tenho emoções fortes como a raiva, algo bizarro acontece sem que eu ao menos perceba e eu sei o que aconteceu agora.
Toquei fogo nos cabelos de Beca e eu não faço ideia de como diabos eu fiz isso.