CONHECENDO NETUNO DONO DO VIDIGAL.

956 Words
CAPÍTULO 2 Autor narrando Alceu, vulgo Netuno, nasceu no Vidigal, filho do famoso Guardião — chefe do morro, homem forte e temido. A favela respeitava, mas também temia aquele nome. Alceu tinha dezoito anos, e sua irmã, três, quando o pai morreu em uma troca de tiros com a Polícia Militar. Foi naquele dia que a vida o empurrou direto pro trono de ferro quente. Numa manhã abafada, de céu limpo e silêncio estranho, o tiroteio estourou. Uma operação cercou o morro de surpresa: helicóptero no alto, caveirão rugindo pelas ladeiras, gritos cortando os becos. Guardião foi o último a sair do esconderijo, como sempre fazia. Nunca abandonava seus soldados. Mas naquele dia, a sorte virou. Tiro na cabeça. Queda imediata. O rei caiu. Alceu assistiu tudo de cima, com um fuzil nas costas e o coração aos pedaços. Não deu tempo de chorar, nem de enterrar como se deve. O corpo do pai foi levado pela polícia como troféu. Os aliados queriam vingança. A quebrada queria resposta. E todo mundo virou os olhos pro filho do Guardião. Era agora ou nunca. Com a voz embargada e os olhos ainda molhados, Alceu teve que assumir. Teve que se tornar Netuno — nome que escolheu como armadura. Deus dos mares, senhor das águas profundas e turbulentas. Queria um nome que impusesse respeito, que escondesse o menino que ainda tremia por dentro. Mas a dor não parou por aí. A mãe, mulher de fibra que segurava as pontas quando o marido estava na guerra, nunca suportou a ausência. Era como se tivessem arrancado metade dela. Começou a murchar devagar, dia após dia. O olhar perdido, os passos arrastados, a força escapando pelos dedos. Alceu tentou. Fez de tudo. Contratou enfermeira, afastou os problemas de dentro de casa, deu carinho, atenção. Mas o luto não se negocia. E a dor que come por dentro não tem cura. Ela foi morrendo aos poucos, por sentir falta do Guardião. Quando a pequena Elizabeth fez cinco anos, a mãe morreu de infarto fulminante. A menina ainda sente até hoje. Estava ao lado, com um copo de leite na mão e os olhinhos arregalados. Não entendeu o que estava acontecendo. Chamou a mãe, puxou o braço, chorou baixinho. Quando Alceu entrou na sala, viu o que mais temia. Perdeu os dois em menos de dois anos. Ali, diante do corpo da mãe e do choro da irmã, jurou que nunca mais dependeria de ninguém. A favela é dura, mas ensina rápido. E Netuno aprendeu na marra. Criou Elizabeth sozinho. Contratou professoras, babás, comprou livros, bonecas, montou um quarto de princesa no alto do morro. Ninguém podia chegar perto dela. Nem aliado, nem vizinho. Quem olhasse torto, sumia. Ela era a única coisa que ele ainda chamava de “minha”. Enquanto isso, ele crescia no crime como herdeiro legítimo do pai. Expandiu a boca de fumo, selou alianças com outros morros, impôs respeito em cada canto da cidade. Os chefes do tráfico sabiam que Netuno era calculista, frio, mas justo. Não matava por impulso — matava por necessidade. E quando matava, era limpo. Reto. Sem espetáculo. Ele não queria ser temido. Mas era. A favela conhecia sua regra: não encostava em criança, não desrespeitava morador, não vacilava com quem trabalhava certo. Mas traidor? Sumia. Informante? Virava estatística. Rival que ousasse subir o morro? Conhecia o inferno na entrada. Netuno virou lenda viva antes dos 25. Muita mulher se jogava nos braços dele. Tinha beleza, poder, dinheiro, nome. Mas não se deixava levar. Era seletivo, frio, distante. Não se apegava. Não se envolvia. Gostava de piranhas — sem vínculo, sem drama, sem cobrança. No final de semana, os bailes rolavam soltos. E lá estava ele com suas preferidas: louras, morenas, novinhas tatuadas, silicone, short colado e b***a rebolando no ritmo do tamborzão. Elas sabiam o jogo. Chegavam, dançavam, chupavam, sumiam. Ele dava o que elas queriam, e elas entregavam o que ele gostava. Netuno não queria sentimento. Não depois de tudo que perdeu. Alana era a única exceção. Cresceu no crime, vinda de um morro aliado. Entrou na vida por vingança. Era bonita, esperta, maliciosa. Sabia se portar, sabia atirar, sabia negociar. Ganhou espaço ao lado de Netuno não só pela cama, mas pela mente afiada. Ela virou sua amante fixa. Mas nunca foi amor. Ela sabia. Ele deixava claro. A convivência entre os dois era instável. Discutiam, brigavam, transavam, se afastavam e voltavam como se nada tivesse acontecido. Netuno tinha o coração blindado. E Alana sabia que jamais ocuparia o lugar da mãe ou da irmã na vida dele. Dentro da hierarquia do Vidigal, Netuno tinha os seus fiéis. Os que comiam no mesmo prato, os que matavam e morriam juntos. Zimba, o subchefe, era o mais antigo. Cresceu junto com Netuno, pegou arma com ele pela primeira vez. Era o cérebro por trás de muitas estratégias. Inteligente, discreto, direto. Era como um irmão mais velho, mesmo sendo da mesma idade. Quando Netuno sumia por dias, era Zimba quem assumia tudo. Macau, o gerente da boca, era o número nos cálculos. Sabia quanto entrava, quanto saía, quem devia, quem pagava, quem ia sumir. Mãos sujas, mente limpa. Quando tinha que cobrar, era eficiente. E quando precisava torturar, era silencioso. Zulu, o chefe da segurança, era o cão de guarda do morro. Grandão, tatuado, ex-lutador de jiu-jitsu, braço fechado de caveira. Não deixava ninguém subir sem ordem. E quando dava madeirada, era de fuzil. Companheiro de todas as noitadas, era figura carimbada nos bailes, nas farras, nas orgias com Netuno. Os quatro formavam o núcleo duro do morro. Leais, violentos, implacáveis. Mas acima de tudo, unidos. Na quebrada, diziam que eles eram mais que bandidos. Eram o sistema. E Netuno era o rei.
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