Helena, ainda em choque, levou a mão ao telefone para ligar para a emergência. O coração batia acelerado enquanto ela discava os números, a mente trabalhando a mil por hora. Assim que colocou o telefone contra o ouvido e falou "alô", uma sensação de frio atravessou sua têmpora.
Ela paralisou ao sentir o cano da arma pressionado contra sua pele.
— Tá maluca, p***a? — disse o homem, sua voz rouca e cheia de raiva, enquanto se endireitava, ainda com dificuldade, mas claramente mais alerta agora. O olhar que ele lançou para ela era de desconfiança e fúria.
O mundo de Helena desabou em um instante. O medo a envolveu como uma neblina pesada. O homem que antes estava desmaiado agora parecia muito mais perigoso.
— Espere! — Helena disse rapidamente, levantando as mãos em um gesto de rendição. — Eu só estava tentando ajudar!
Ele a observou por um momento, a respiração rápida e ofegante. O sangue em sua barriga ainda escorria, mas seu foco estava na enfermeira que tinha tentado socorrê-lo.
— Ajuda? — ele repetiu, rindo de forma sarcástica. — Você sabe o que está fazendo? Eu não sou nenhum santo, e você acabou de me ver desmaiar.
— Eu só… — Helena tentou manter a voz calma, mas a tremedeira era inegável.— Eu só queria chamar a emergência. Você está ferido.
Ele deu um passo para frente, o cano da arma ainda pressionado contra ela. A intensidade da situação a fez sentir a garganta seca, mas ela se obrigou a manter o olhar no homem. Ele parecia estar lutando contra a dor, mas a adrenalina o mantinha em pé, pelo menos por enquanto.
— Olhe, não quero problemas. Se você está ferido, precisamos de ajuda. Por favor, coloque a arma de lado — disse Helena, tentando apelar para o lado humano dele.
O homem hesitou, seus olhos se estreitando enquanto avaliava a situação. Ele estava ferido e cercado pela fragilidade de seu estado, e, ao mesmo tempo, a necessidade de proteger a si mesmo dominava suas ações.
— O que você sabe sobre esse lugar? — ele perguntou, sua voz mais suave, mas ainda carregada de desconfiança.
— Eu trabalho aqui. Sou enfermeira — respondeu Helena, tentando parecer segura. — O posto é para ajudar a comunidade. Se você me deixar, posso cuidar de você, mas não posso fazer nada com você me ameaçando.
A tensão entre eles era palpável. O homem, percebendo que não tinha muito tempo, fez uma pausa, a arma baixando ligeiramente, mas ainda em sua mão.
— Não tem como me ajudar sem envolver outras pessoas. E se eles souberem que estou aqui? — ele disse, seu tom mais desesperado agora.
— Posso fazer isso por você, mas você precisa confiar em mim — insistiu Helena, buscando um fio de esperança em meio ao caos. — Vamos cuidar desse ferimento e depois pensar no que fazer.
O homem finalmente olhou para a janela quebrada, como se estivesse avaliando as opções. Então, ele respirou fundo e, com um gesto brusco, abaixou a arma.
— Tudo bem, mas se eu perceber que você está me enganando... — ele começou, mas Helena o interrompeu.
— Não estou aqui para te enganar. Estou aqui para ajudar. Venha, vamos cuidar do seu ferimento antes que seja tarde — demais disse Helena, aliviada ao ver que ele parecia hesitar em continuar a luta.
Enquanto o perigo ainda pairava no ar, Helena sabia que precisava agir rápido. O morro fora palco de muito mais do que ela poderia imaginar, e agora, em meio a essa tensão, ela estava prestes a descobrir até onde estaria disposta a ir para salvar aquele homem e, talvez, a si mesma.
Helena respirou fundo, sentindo a tensão aumentar ao observar o ferimento do homem. A bala havia atingido seu abdômen e o sangue ainda escorria, manchando a pele e se misturando com a sujeira. Ela sabia que, sem os equipamentos adequados, a extração da bala seria arriscada, mas não havia escolha.
Ela pegou o pouco que tinha disponível: uma pinça esterilizada, gaze, e álcool para limpar o ferimento. Enquanto preparava os itens, tentou manter a calma e focar no que precisava ser feito.
— Isso vai deixar uma cicatriz, vai doer bastante também — avisou, ciente de que a remoção seria dolorosa e de que o ferimento não cicatrizaria perfeitamente.
Ele a encarou, o maxilar tenso, trincando os dentes. Sua expressão era uma mistura de dor e determinação.
— f**a-se ele — disse, com a voz rouca e um olhar de puro desafio. — Apenas retire isso logo — Helena assentiu, percebendo que não havia espaço para argumentar. Com as mãos firmes, mesmo que o coração batesse acelerado, ela começou a limpar ao redor do ferimento, tentando controlar a respiração para não demonstrar seu nervosismo.
— Vou precisar que fique o mais imóvel possível — ela murmurou, enquanto posicionava a pinça sobre o ferimento. Sentia a tensão em cada músculo dele, mas ele permanecia em silêncio, o olhar fixo no teto.
Com cuidado, Helena começou a procurar pela bala. Cada movimento parecia arrancar uma nova onda de dor dele, mas ele se mantinha firme, respirando pesadamente, com os olhos cerrados. Após alguns minutos que pareceram uma eternidade, a ponta da pinça encontrou o metal.
— Quase lá…— sussurrou ela, e, com um movimento firme, puxou a bala para fora, observando o projétil manchado de sangue.
Ele soltou um gemido abafado, o rosto coberto de suor. Mas não reclamou; apenas olhou para ela com uma mistura de gratidão e desconfiança.
— Pronto, agora vamos limpar e estancar o ferimento — disse Helena, apressada, enquanto pressionava gaze limpa contra a área. — Isso é tudo que posso fazer, mas... com descanso, vai se recuperar.
Ele a observou em silêncio por um momento, e então deu um leve aceno. Mesmo com a dor evidente, um leve sorriso de gratidão surgia em seu rosto.
— Você tem coragem, enfermeira... mais do que eu esperava.
Os tiros ainda ecoavam lá fora, misturados ao som constante da chuva que caía sobre o morro, criando uma atmosfera tensa e sombria. Helena sabia que não poderia sair, não com o risco de ser pega no fogo cruzado. Precisaria passar a noite ali, trancada com aquele estranho ferido, e isso a deixava em alerta. Mas o instinto de cuidar falou mais alto.
Ao longo da noite, o homem começou a apresentar sinais de febre. Helena percebeu a respiração dele se tornando mais pesada, o suor escorrendo por sua testa e o corpo se contorcendo de dor. Ela improvisou como podia, molhando panos e colocando-os sobre sua testa, mantendo-se ao lado dele, pronta para agir se a situação piorasse.
A cada gemido que ele soltava, Helena sentia o peso da responsabilidade em suas mãos. "Vai ficar tudo bem," murmurava mais para si mesma do que para ele, tentando se manter calma. Ela observava o rosto dele, notando as cicatrizes, as marcas de uma vida que claramente não tinha sido fácil. Quem seria ele? O que o havia levado até aquele estado?
A madrugada foi longa. Helena se esforçava para afastar o cansaço, mas em algum momento, entre idas e vindas para buscar água e remédios improvisados, acabou adormecendo, sentada ao lado dele.
Quando os primeiros raios de sol entraram pela janela quebrada, Helena despertou sobressaltada. O silêncio substituíra os tiros da noite anterior, e a chuva finalmente cessara, deixando um ar fresco e úmido no posto.
Olhou em volta, e foi então que percebeu: ele não estava mais ali. O lençol que havia improvisado para cobri-lo estava jogado ao lado, e os poucos suprimentos que usara para tratar o ferimento estavam desarrumados, como se ele tivesse partido às pressas.
Levou alguns segundos para processar. Ele havia ido embora, desaparecido sem deixar um vestígio, como uma sombra da noite anterior. Ela olhou ao redor, procurando algum sinal de despedida, mas não encontrou nada. Sentia uma mistura de alívio e inquietação. Ele havia saído sem nenhuma explicação, levando consigo o mistério de quem realmente era.
Helena se levantou, ajeitando os materiais espalhados. Mas, enquanto organizava o posto, notou algo estranho sobre a mesa: uma bala. Era a mesma bala que ela havia retirado dele. Ao lado, um pequeno pedaço de papel, dobrado com pressa. Ela o pegou, abriu e leu as poucas palavras rabiscadas:
"Nos veremos de novo."
Um calafrio percorreu sua espinha.