Socorro!

1517 Words
Desde que os abusos começaram, nasceu uma nova criança em mim, uma que nem eu mesma conhecia. Passei a ficar mais introvertida, tinha vergonha e medo de tudo, das pessoas principalmente, ou melhor, das pessoas do s**o masculino, comecei a fazer xixi na calça com frequência, na escola, em casa ou em qualquer lugar que eu estivesse, eu simplesmente não tinha mais controle do meu xixi. Mamãe até chegou a me levar em uma médica, mas ela apenas receitou um remédio. Até hoje não entendo como ela não descobriu o que acontecia comigo. Queria tanto contar o que havia acontecido, mas papai pedia segredo, dizia que ninguém acreditaria em mim e que aquilo era normal porque a gente se amava, e que quando as pessoas se amam costumam fazer essas coisas, mas eu não gostava, e ele dizia que era a nossa brincadeirinha, mas eu não gostava de brincar assim, não era divertido e doia muito. Mas eu só tinha vontade de chorar, de gritar, queria que alguém descobrisse sem eu precisar dizer, mas isso nunca aconteceu. Comecei a ficar chorona, chorava por tudo e sem motivo algum. Fiquei violenta, batia nos meus colegas por qualquer coisa, os meninos não podiam chegar perto de mim que eu já os empurrava, batia neles, era a forma que eu havia encontrado pra me defender. Minha professora brigava comigo e me colocava de castigo, devia ser fácil apenas fazer isso sem buscar saber os motivos da criança, não lembro de alguma vez ela ter perguntado o que aconteceu pra eu ter mudado completamente o meu comportamento em pouco tempo. Março de 2008 Eu já estava com 5 anos (tá, vocês devem estar pensando ''mas se em 2006 ela tinha 4 anos, como que em 2008 ela tem 5?'', mas eu fazia aniversário em dezembro, então fiz 5 anos em dezembro de 2007). Os abusos já duravam um pouco mais de um ano. Mais de um ano que eu vivia em um pesadelo que parecia não ter fim. Eu amava meu pai, ele era muito bom pra mim apesar disso, brincava comigo, me levava pra passear, me mimava, só não gostava dessas coisas que ele fazia comigo, me assustava e na época eu não tinha noção de como isso é errado, achava que era normal por mais que eu não gostasse, pois não entendia nada daquilo. Em uma tarde de sábado, meus pais, Nick e eu saímos para ir ao parque, passamos o dia lá, estava muito legal, meu irmão e eu brincamos muito em todos os brinquedos. Nick passou a ser o único menino com quem eu conseguia brincar. Aquele dia foi tão legal, me diverti tanto por algumas horas, queria não voltar mais pra casa, pois eu sabia que quando isso acontecesse, papai voltaria a me machucar. Passei a ter poucos momentos alegres. Eu tentava de todas as formas mostrar o que estava acontecendo, com gestos, palavrões que papai dizia na hora dos abusos, por meio de desenhos, mas nunca aconteceu nada, ninguém nunca soube da verdade. Minha professora só brigava comigo quando eu falava nome f**o. Uma vez eu fiz um desenho obsceno como pedido de socorro, ela me perguntou onde eu havia visto aquilo, acho que ficou meio preocupada comigo, eu queria tanto dizer, mas as palavras não saiam da minha boca. Então eu menti que tinha visto na TV. A profe conversou com meus pais que alegaram que nunca tinham visto essas coisas em nossa casa, mas igual ficariam de olho. Papai ficou bravo comigo por conta do desenho, e pediu pra eu nunca mais desenhar algo do tipo, e sem escolha, e apenas o obedeci. Maio de 2011 Eu já estava com 8 anos. Era uma criança retraída, tímida, tinha poucas amigas, mas adorava as que eu tinha. Não fazia mais xixi nas calças, isso havia parado aos 5 anos e meio, mas de vez em quando eu ainda fazia na cama, volta e meia tinha pesadelo com papai e acabava acordando com a cama toda molhada, confesso que ficava com muita vergonha quando isso acontecia, pois eu achava que já era muito grande para ainda urinar na cama. Nessa idade eu ainda não sabia que tudo aquilo era errado, não tinha a mínima noção disso. Uma vez com 7 anos eu ouvi barulhos estranhos vindo do quarto de meus pais e fui ver o que era, naquela noite vi papai fazer com a mamãe exatamente o mesmo que ele fazia comigo, passei a ter mais certeza de que aquilo era normal, afinal ele também amava a minha mãe e ela parecia gostar daquilo, mas por que eu não conseguia gostar? Estava no terceiro ano do ensino fundamental. Via meus colegas todos indo bem felizes com seus pais quando a aula terminava e eu sempre ficava me perguntando se aquilo acontecia com as outras crianças também, tinha tanta vontade de perguntar pras minhas colegas, mas nunca consegui, não tinha coragem, e se com elas não acontecessem o mesmo? Ou se fosse algo realmente normal e minha pergunta fosse estúpida? Um dia durante uma aula a escola toda parou ao ver diversos brigadianos, meus colegas e eu não tínhamos noção do que estava acontecendo. Na época eu só ouvi falar que um menino do quarto ano tinha denunciado o padrasto por molestar ele desde bebê, aí os policiais aproveitaram quando o homem foi levar o enteado na escola para prendê-lo, eu não estava entendendo nada, nem sabia o que era molestar. No dia seguinte, por conta do ocorrido minha professora resolveu ler um livro pra gente, se chamava Pipo e Fifi - Prevenção da Violência s****l na Infância, a história era sobre dois monstrinhos que diferenciavam os toques de carinho com os abusivos e mostrava quais partes do corpo não podem ser tocadas. Naquele dia eu entendi que o que papai fazia comigo era errado, agora sim eu sabia que aquilo não estava certo e que ele não podia me tocar do jeito que ele fazia. - Prof, preciso te falar uma coisa. - Falei assim que ela terminou de ler o livro pra gente. - Pode falar, querida. - Disse minha professora docemente enquanto me olhava atenta. - É sobre o livro que a senhora leu. - Falei um pouco cabisbaixa. Ela ficou me olhando esperando que eu terminasse de falar. Estava prestas a contar tudo, havia decidido que eu falaria, mas naquele momento lembrei de papai dizendo que nunca acreditariam em mim e me chamariam de mentirosa. Eu não era mentirosa. Não era mentira. E eu era criança, jamais inventaria algo assim. Criança não mente, não sobre essas coisas. - É que… Hã... - Fiquei um pouco em silêncio enquanto pensava se devia falar ou não. - Eu... Eu gostei muito do livro que a senhora leu. - Falei um pouco cabisbaixa. - Que bom, querida. - Falou minha professora com um leve sorriso. - Está tudo bem? Apenas acenei a cabeça positivamente enquanto tentava esconder as lágrimas, e voltei para meu lugar. Me sentei em minha cadeira, cruzei os braços em cima da minha mesa e coloquei minha cabeça em cima dos braços. Fiquei me sentindo péssima por não ter tido coragem de contar tudo, algo dentro de mim me dizia que ela não me culparia e que acreditaria em mim, mas eu também tinha muito medo. Medo de papai mentir dizendo que não tinha feito nada e de acreditarem nele, e medo dele me bater ou machucar o meu irmão também, pois ele dizia que se eu contasse pra alguém, ele faria o mesmo com o Nick, que ele pagaria o preço pela minha boca grande, e eu não queria isso, jamais me perdoaria se papai machucasse o meu irmão por minha culpa. Eu amava o Nicolá mais que tudo nessa vida, e eu faria o que pudesse para tentar protegê-lo, afinal, era meu dever como irmã mais velha, e é pra isso que servem os irmãos, pra cuidar uns dos outros. Nessa época eu ainda gostava de papai, gostava na maior parte do tempo, como quanto ele era legal e brincava comigo de casinha ou de boneca ou então quando levava meu irmão e eu para passear, pois por mais que ele me machucasse, também tinha seus momentos bons, que parecia ser um pai de verdade, e isso me confundia bastante, pois as vezes eu o amava e as vezes eu o odiava com todas as minhas forças. Ah, mas eu também tinha tanto medo dele, tinha medo cada vez que ele entrava em meu quarto no meio da noite ou quando me obrigava a tomar banho com ele mesmo eu dizendo que não queria, e eu tentava de todas as formas manter distância dele e por mais que as vezes eu conseguisse isso durante o dia, eu sabia que à noite tudo seria igual, que à noite eu não teria como fugir, já que ele sempre ia ao meu quarto depois que mamãe e Nick já estavam dormindo, e eu não tinha para quem pedir socorro, não tinha ninguém que pudesse me ajudar ou me tirar das garras do papai.
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