Capítulo XII

1454 Words
O quarto estava mergulhado em penumbra, apenas o leve brilho da lua entrando pelas cortinas. Isadora permanecia sentada na cama, as mãos cruzadas no colo, os olhos fixos no chão. Cada músculo do corpo dela ainda tremia levemente, não apenas pelo esforço de contar a própria história, mas pelo peso de saber que nada, naquele instante, poderia protegê-la. Dante entrou, sem pressa, os passos ecoando suavemente pelo quarto. A bandeja de comida que trazia já não tinha mais o cheiro que antes parecia quase sedutor. Ele não a colocou na mesa. Ficou parado perto da janela, os olhos fixos na cidade silenciosa lá fora. Por um momento, nem parecia que estava presente. — Sente-se. — disse, a voz baixa, firme, sem qualquer traço de emoção. — Não vamos jogar jogos. Isadora obedeceu, os joelhos abraçados ao peito. Tentou encontrar alguma expressão, algum sinal no rosto dele que indicasse julgamento ou ameaça, mas Dante permanecia impassível, o olhar perdido para fora. — Quero que saiba algumas coisas. — Ele começou, a voz contínua, sem pausas dramáticas. — Anos atrás, quando a mansão pegava fogo, eu assisti a tudo. Pelo celular. Não estou exagerando. Cada chamas, cada grito, cada detalhe… vi. Meu pai e algumas pessoas que eu considerava família sendo engolidas pelo fogo. — Ele fez uma pausa mínima, como se deixasse a informação assentar, mas sem olhar para ela. — Apenas observei. Isadora respirou fundo, tentando absorver as palavras. O horror que ele descrevia era semelhante ao que ela própria havia vivido, mas de um ângulo diferente, calculado, impessoal. O medo voltou a apertar o peito, mas ela permaneceu imóvel. — A minha família… — continuou ele, ainda olhando para fora — possui royalties. São pagamentos periódicos provenientes de invenções, marcas registradas e propriedades que controlamos. Além disso, somos sócios em diversos empreendimentos bilionários. Por isso, por vezes, fazemos empréstimos para algumas pessoas. É uma prática… comum, e não algo que chamamos atenção. Ele se inclinou levemente contra o batente da janela, os braços cruzados, como se refletisse sobre o passado e não sobre o presente. — A sua mãe apareceu nos registros como alguém com uma dívida milionária com a minha família. E, como garantia de pagamento, ela realizava trabalhos domésticos em algumas propriedades nossas. — Dante fez uma pausa breve, pesando cada palavra. — Eu não tenho provas de que ela tenha sido morta por nós. Nenhuma. Então não posso acreditar nisso. — Olhou para o reflexo da lua no vidro, evitando encará-la diretamente. Isadora permaneceu imóvel, os olhos se enchendo de lágrimas silenciosas, não de tristeza, mas de impotência e confusão. A revelação de que sua mãe tinha dívidas milionárias, e que tudo parecia controlado por entidades quase impessoais, tornava o mundo ainda mais opressor. — Mas então… — ela começou, a voz trêmula — por que você me mantém aqui? Dante virou-se levemente, sem perder a frieza, mas sem demonstrar qualquer agressividade. — Porque você ficará comigo enquanto investigamos tudo. Preciso confirmar a verdade, separar fatos de invenções, saber exatamente o que aconteceu naquela noite. Se meu pai estava envolvido em algo que desconheço ou se alguém queria relacionar o meu sobrenome à alguma m***a sem cabimento. — A voz era firme, quase mecânica. — E você deve provavelmente já deve ter pensado nisso, mas se ainda não é óbvio, vou desenhar para você. Naquela noite, você assassinou inúmeras pessoas importantes. Pessoas que tinham influência, poder, conexões. E os parentes e empregados dessas pessoas também estão procurando por você. O coração de Isadora disparou. Ela engoliu seco, sentindo a garganta queimar, não apenas pelo medo, mas pelo peso da realidade. — Então… — ela murmurou, a voz quase falhando — eu estou… condenada? — Ainda não. — Dante respondeu, novamente evitando encará-la. — Mas precisa escolher bem. Das piores situações possíveis, estar comigo ainda é a menor pior. Cada decisão que você tomar daqui para frente poderá determinar sua vida ou morte. Não porque sinto compaixão, mas porque se alguém te pegar e resolver te dar um fim, eu não posso te usar, se precisar de você para futuros esclarecimentos. Ele se aproximou um passo da cama, mas não tocou nela. A tensão era palpável, quase sufocante. — Você entende a gravidade do que fez? — continuou, a voz calma, mas cada palavra cortando o silêncio do quarto como lâmina. — Você destruiu vidas, não apenas para se salvar, mas como parte de algum ódio pessoal e as consequências fazem parte. Agora, essas pessoas… eles não vão esquecer. Eles têm memória, influência, e não se importam com justificativas ou trauma. E para deixar claro, eu também não me importo. — Eu… — Isadora começou, a respiração curta. — Eu precisava. Eu não tinha escolha. Independente do incêndio elves me pegariam... Eu era a única testemunha de que minha mãe entrou na mansão e nunca mais apareceu. Dante assentiu levemente, mas o gesto era frio, sem empatia. — Mas com a sua cabeça mórbida de uma garota pobre de quinze anos, você pensou nisso na época? — Ele finalmente olhou para ela, mas não com compaixão, e sim medindo cada reação, cada traço de emoção contida. — Não confunda compreensão com indulgência. Você fez o que fez porque pôde. Porque era capaz. Não porque alguém lhe permitiu moralidade. Ela baixou a cabeça, engolindo o choro que queria escapar. O peso do que ele dizia parecia esmagador. — Novamente, você me mantém aqui… para quê exatamente? — perguntou, a voz quase inaudível. Dante voltou-se para a janela, o reflexo da cidade refletindo nos olhos escuros. — Para que eu descubra toda a verdade. E para que você entenda a extensão do que enfrentou e do que ainda enfrentará. — Ele fez uma pausa, cada palavra escolhida com precisão cirúrgica. — A minha família pode ser fria, impessoal, mas isso não significa que o mundo ao redor seja menos c***l. E você, Isadora, acabou se envolvendo no jogo de pessoas muito perigosas. Além disso, até que eu encontre uma história diferente, você é a v*******a que matou a minha família. Dante virou-se lentamente, os braços ainda cruzados. A frieza em seus olhos era quase c***l. — Se você colaborar, se compreender o que significa estar viva nesse contexto, se escolher racionalmente… pode ficar aqui, sob minha supervisão, enquanto investigamos. — Fez uma pausa breve. — Se não, as consequências serão imprevisíveis. Não posso proteger você de todos, apenas do que consigo controlar. — Mas… você está me oferecendo p******o? — ela perguntou, incrédula, a garganta apertada. — Chame do que quiser. — Dante respondeu, novamente olhando para a cidade. — Eu chamo de cálculo. Precisão. Estratégia. Mas, sim, você ficará comigo. Enquanto isso, vamos descobrir tudo sobre as conexões do seu passado, da sua mãe, e sobre aqueles que você matou. Cada detalhe é importante. Isadora fechou os olhos, tentando processar tudo. A sensação era de alívio misturada a medo. Ele não mostrava compaixão, mas o simples fato de não deixá-la à mercê de outros que poderiam matá-la já era algo que ela podia sentir. — Então… eu devo confiar em você? — murmurou, incerta. Dante girou levemente, encarando o reflexo de si mesmo na janela. A resposta foi quase um sussurro, mais para ele mesmo do que para ela: — Confiança é irrelevante. Precisa entender que, enquanto estiver sob minha vigilância, a sua sobrevivência depende da minha avaliação. — Ele fez uma pausa, os olhos fixos na lua refletida. — Cada decisão, cada movimento seu, será medido. Cada mentira, cada omissão, terá consequências. Isadora mordeu o lábio, tentando digerir a intensidade daquelas palavras. O peso da situação parecia esmagador, mas havia algo dentro dela que se agarrava ao fato de que ele não tinha deixado que ninguém a pegasse ainda. — Eu… entendo. — disse finalmente, a voz baixa. — Vou… fazer o que puder. Dante inclinou a cabeça, quase um gesto de aprovação mecânica. — Hoje, você precisa descansar. — disse, sem virar completamente para ela. — Amanhã, continuaremos. Quero mais detalhes sobre aquela noite, quero saber exatamente quem estava na mansão, quem sobreviveu, quem você consegue identificar. Ele se aproximou da porta, mas parou antes de sair, a mão repousando levemente na maçaneta. — Lembre-se… — disse, a voz baixa, quase um aviso — o mundo é c***l, Isadora. Aqueles que você matou têm aliados. Aqueles que sobreviveram têm memória. Mas… por enquanto, estar sob minha vigilância é a menor das piores opções. Aproveite isso. A porta se fechou com um estalo firme. Isadora permaneceu imóvel na cama, os olhos perdidos no teto, tentando assimilar o que ele havia dito. Pela primeira vez em muito tempo, havia alguém que, mesmo frio, calculista e impiedoso, mantinha o controle de sua sobrevivência.
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