O quarto estava silencioso, mas não de uma forma comum. Havia tensão no ar, quase sólida, como se cada molécula se esticasse sob a pressão do olhar de Jean. Ele permanecia de pé, a sombra de seu corpo projetada sobre o chão, imóvel, observando cada mínimo gesto de Isadora. Não havia gritos, nem lágrimas que o assustassem. Para ele, tudo era cálculo, cada emoção dela uma pista, cada hesitação uma fraqueza que precisava mapear.
Isadora apertava os joelhos contra o peito, o olhar fixo na parede em frente. Cada respiração era uma luta. Ela sentia o peso da presença dele, a frieza que emanava de seus olhos, a ameaça implícita em cada movimento contido. Por mais que quisesse, não conseguia fugir com a mente. Não podia correr, não podia gritar, não havia ninguém para salvá-la.
— Covarde? — A palavra de Jean cortou o silêncio como um bisturi. Era baixa, carregada de perigo, mas havia algo mais ali: uma curiosidade ameaçadora, um teste. — Você ousa… me comparar com esse tipo de comportamento?
Isadora ergueu a cabeça, o cabelo caindo sobre os ombros. O coração batia tão rápido que parecia querer se desprender do peito. Ainda assim, respondeu com firmeza, embora a voz tremesse:
— Se continuar me mantendo como prisioneira, sim. — A coragem vinha do desespero, do impulso de enfrentar o monstro à sua frente, não de bravura. — Não importa o quanto você se vista de honra, no fim não passa de mais um homem punindo alguém mais fraco, porque não consegue punir quem realmente destruiu sua vida.
O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Jean fechou os olhos por um instante, como se estivesse domando um animal selvagem dentro de si. As mãos dele, grandes e firmes, pendiam ao lado do corpo. Quando finalmente ergueu o olhar, havia raiva, mas também algo mais: decisão, como se cada segundo tivesse sido cuidadosamente calculado para testá-la, medir a profundidade de sua resistência.
— Se — começou ele, cada palavra lenta, quase mastigada — eu descobrir que o que você disse é verdade, que sua mãe foi destruída por meu pai e pelos outros como você alega… então escute com atenção. Eu vou atrás de qualquer um. — Ele se inclinou para frente, tão próximo que a respiração quente roçou a pele dela. — Seja o homem mais poderoso do planeta, seja o último miserável escondido em um beco. Eu arranco um por um. E eles aprenderão, tarde demais, que Jean Moretti não tem medo de monstros.
Isadora estremeceu. A intensidade dele não deixava espaço para dúvidas. A convicção que irradiava de cada gesto, de cada palavra, era assustadora. Era mais do que uma ameaça — era uma promessa que não podia ser ignorada.
— Então… eu fico. Quais são as regras? — A voz saiu baixa, quase um sussurro, mas firme. Era um ato de sobrevivência mais do que de coragem.
Jean endireitou-se, recuando apenas o suficiente para deixar o espaço entre eles respirável, mas não confortável.
— Finalmente, uma decisão sensata. — A voz era grave, fria, carregada de autoridade. — Agora, você perguntou quais serão os termos. Vou mostrar.
Ele retirou o celular do bolso do paletó, discando rapidamente. O toque preencheu o quarto, cada som ecoando na tensão que já parecia insuportável. A voz rouca de um homem respondeu do outro lado:
— Moretti. — A familiaridade no tom era clara, mas o contexto do quarto e da situação fazia com que cada sílaba soasse ameaçadora. — Pensei que só me chamaria amanhã cedo.
— Preciso de um contrato. — A resposta de Jean foi direta, sem espaço para discussão. — Agora.
— Qual o escopo? — perguntou o outro homem, com um tom profissional que Isadora percebeu imediatamente. Era Tom Barthillo, advogado e confidente de Jean.
Jean apoiou uma mão firme sobre a mesa de madeira do quarto, os dedos longos pressionando levemente o tampo. — Um contrato de convivência. Ela ficará sob meu teto por um ano. Preciso de cláusulas que estabeleçam sigilo absoluto, obediência a instruções, e uma cobertura convincente: ela será apresentada como minha companheira.
Isadora engoliu em seco, os olhos se arregalando.
— O quê?! — exclamou, mas Jean levantou a mão, sem olhar para ela, um gesto que a silenciou imediatamente.
No viva-voz, Tom parecia contido, mas havia um sorriso em sua voz: — Sempre direto, Jean. Vou redigir. Dez minutos.
O tempo parecia se arrastar. Isadora sentiu cada segundo como uma eternidade, os batimentos do coração se misturando com a pressão que Jean exercia sem precisar encostar um dedo. Ela queria fugir da iminência do contrato, mas não havia para onde correr.
Jean se movimentou pelo quarto com passos medidos, retornando com o notebook aberto, digitando rapidamente enquanto a impressora no corredor começava a ronronar, cuspindo três páginas frescas em segundos. Ele pegou as folhas e entrou no quarto, fechando a porta atrás de si, o som finalizando como um clique de sentença.
— Leia. — Disse, pousando as folhas sobre a mesa.
Ela hesitou, as mãos trêmulas ao tocar o papel. Lentamente, começou a ler. A primeira cláusula parecia simples, mas cada palavra soava como correntes.
Cláusula 1 — Residência e Convivência
"A signatária, de livre e espontânea vontade, aceita residir na propriedade dos Moretti por um período mínimo de doze meses, sem interrupções, salvo decisão expressa do mesmo. Durante este período, compromete-se a seguir todas as instruções fornecidas pelo signatário principal."
— Isso é… e********o. — murmurou, os olhos marejados.
— Isso é sobrevivência. — Jean respondeu, frio, cruzando os braços, a expressão impenetrável. — Você mesma admitiu que, fora daqui, não passaria de presa fácil.
Ela engoliu em seco, mas continuou lendo. A cada cláusula, a pressão parecia aumentar. O coração batia forte, e a adrenalina misturava medo com um alívio irônico: ao menos agora sabia exatamente o que esperava dela.
Cláusula 2 — Sigilo Absoluto
"A signatária compromete-se a não revelar, sob qualquer circunstância, detalhes de sua presença, das atividades ou da identidade do signatário principal, mesmo após o contrato ser finalizado. Quebrar esta cláusula implicará em medidas legais e extrajudiciais severas."
— Medidas extrajudiciais? — sua voz tremeu, um fio de pânico surgindo.
Jean arqueou a sobrancelha, a proximidade de sua figura esmagadora transformando o ar em chumbo.
— Quer que eu seja explícito? — disse, cada palavra carregada de ameaça. — Se falar, morre, ou, na melhor das hipóteses será processada em uma quantia que você obviamente não será capaz de pagar em vida.
Ela engoliu seco, quase sufocada pelo medo. Seguiu lendo, cada cláusula mais constrangedora, mais definitiva.
Cláusula 3 — Cobertura Social
"Para efeitos externos, a signatária será apresentada como companheira dos herdeiro Moretti, em caráter reservado, como um relacionamento sigiloso devido à posição social do mesmo. A narrativa do relacionamento será definida pelo signatário principal e deverá ser seguida fielmente pela signatária."
Isadora bateu a mão na mesa. — Eu não vou fingir ser sua namorada!
Jean se inclinou, até que o rosto estivesse a centímetros do dela. — Você já é prisioneira. Fingir é o menor dos seus problemas.
Ela sentiu o estômago revirar. A sensação de aprisionamento era total, física e mental.