A Mensagem

1507 Words
Cayo Eu tava no fundo do poço, mas tentando não afundar mais. A vida tava pesada, como sempre. O corre como motoboy me esgotava, o aluguel atrasado me apertava, e o Zyon, meu moleque, tava precisando de mim mais do que nunca, com a Gabi ainda no interior cuidando da avó. Mas, p***a, nada disso era o pior. O pior era ela. A Analu. Ela ainda me perseguia, como um eco que não cala. Cada esquina do Rio, cada rua que eu passava com a minha moto, me fazia lembrar dela. O jeito que ela ria na minha garupa, os braços apertando minha cintura, o cheiro doce do perfume dela misturado com o vento. Eu tava tentando ser melhor, pelo Zyon, por mim, mas ela... ela era meu ponto fraco. Meu caos. Minha saudade. Era noite, e eu tava em casa, exausto depois de um dia de entregas intermináveis. O Zyon tava dormindo no sofá, com um cobertor fino cobrindo ele, o rostinho tranquilo apesar da febre que ainda rondava. Eu tava sentado no chão, encostado na parede descascada, com uma cerveja quente na mão, olhando pro teto como se ele tivesse alguma resposta. O celular vibrou no bolso da calça, e eu peguei, esperando alguma mensagem do Léo ou do Juninho marcando um rolê pra me tirar da bad. Mas não era. Era ela. Ou melhor, era a Anônima. A mesma conta que tava me mandando mensagens enigmáticas há dias, me deixando louco, me fazendo acreditar que era ela, a Analu. 📲 Anônima: Posso te ver? Eu li a mensagem e quase deixei a cerveja cair. Era curta, simples, mas bateu como um soco. Meu coração disparou, e por um segundo, eu não acreditei. Só ela me fazia sentir esse frio na barriga, essa mistura de esperança e medo. Eu tava morrendo de saudade, de vontade de ver aqueles olhos azuis, de ouvir ela me chamar de “motoqueiro” com aquele tom que era meio provocação, meio carinho. Mas e se não fosse ela? E se fosse uma pegadinha, ou pior, se fosse ela, mas ela só quisesse me zoar, me fazer pagar pelo que fiz no bar? Eu respirei fundo, olhando pro Zyon dormindo, como se ele pudesse me dizer o que fazer. Meu moleque era minha âncora, mas ele não podia me salvar disso. Eu tava cansado de fugir, cansado de me segurar. Se era ela, eu precisava saber. Precisava ver ela, mesmo que doesse. 📲 Eu: Claro, só marcar. Enviei, e o coração tava na garganta. Ela respondeu rápido, marcando um barzinho discreto na Lapa, um lugar com comida boa, luz baixa e mesas de madeira que parecia perfeito pra quem quer conversar sem ser notado. Era pra amanhã, às oito. Eu confirmei, tentando não pensar muito, porque se pensasse, ia desistir. Ia lembrar que sou um cara da quebrada, com um passado bagunçado, uma vida que não combina com a dela. Mas a saudade era mais forte. Ela sempre me vencia. Na dia, deixei o Zyon com minha mãe, ele já estava melhor, o que me deixou tranquilão. Minha mãe me olhou com aquele jeito de quem sabe que eu tô metido em confusão. — Cayo, se cuida, menino. Não faz besteira — ela disse, enquanto eu dava um beijo na testa do Zyon. Eu assenti, mas não prometi nada. Besteira era meu sobrenome, aparentemente. Cheguei no bar cedo, com a minha moto estacionada na rua e a jaqueta de couro que ela gostava, mesmo estando quente pra c*****o. O lugar era como ela descreveu: pequeno, com paredes de tijolo à vista, luzes amareladas penduradas em fios, e um cheiro de batata frita e cerveja no ar. Escolhi uma mesa no canto, pedi uma Brahma gelada e fiquei esperando, o estômago embrulhado. Cada vez que a porta abria, meu coração dava um pulo, achando que era ela. E então, ela entrou. Era a Analu. Linda, como sempre, mas com algo diferente. O cabelo loiro solto, um vestido verde-escuro que abraçava as curvas dela de um jeito que me fez engolir em seco, e um olhar que misturava nervosismo e saudade. Ela me viu, hesitou por um segundo, e veio até a mesa, sentando na cadeira oposta. O ar entre a gente tava pesado, carregado de tudo que não foi dito desde a briga. — Então era tu mesmo — falei, tentando manter a voz firme, mas com um meio sorriso. — Anônima, hein? Criativa. Ela corou, mordendo o lábio, e p***a, aquilo me matou. — Eu... não sabia como falar com você. Depois de tudo, eu achei que você não ia querer me ver. — Não querer te ver? — Eu ri, amargo, tomando um gole da cerveja pra ganhar tempo. — Princesa, tu não sai da minha cabeça. Eu sou o i****a que fodeu tudo, mas tu... tu me deixa louco. Ela baixou o olhar, brincando com o guardanapo na mesa. — Você me assustou, Cayo. Naquela noite, no bar... eu nunca vi você assim. Tava tão... fora de controle. Eu senti a culpa me acertar como um soco. — Eu sei. Eu sei, p***a. Eu perdi a cabeça. Aquele mauricinho olhando pra você como se eu não existisse... me subiu uma raiva que eu não controlo. Mas eu não sou assim, Analu. Não todo o tempo. Eu... eu tô tentando ser melhor. Ela me olhou, os olhos brilhando com algo que parecia saudade, mas também dúvida. — Eu quero acreditar, Cayo. Mas eu não sei quase nada sobre você. Você tem um passado, eu vejo nos seus olhos. E eu... eu tô com medo. Medo de quem você é, medo do que eu sinto. Aquilo doeu. Doeu porque ela tava certa. Eu escondia coisas. O Zyon, as prisões idiotas do passado, a vida que não era só motos e rock. Mas eu não queria contar ainda. Não queria assustar ela ainda mais. — Eu não sou perfeito, Analu. Longe disso. Mas o que eu sinto por você... é real. E isso me mata, porque eu sei que tu merece o melhor. Ela ficou quieta, mas estendeu a mão por cima da mesa, tocando a minha. O toque dela foi como uma faísca, quente, elétrico, e eu senti meu corpo inteiro reagir. — Eu não quero alguém perfeito, Cayo. Eu quero alguém real. E você... você é a coisa mais real que já vivi. A conversa fluiu, lenta no começo, cheia de silêncios tensos, mas aos poucos a gente foi se soltando. Falamos do show de rock, da volta na moto, de como ela se sentia presa no mundo dela, com os pais controlando cada passo. Eu falei um pouco de mim, da vida no morro, da liberdade que sinto na minha moto, mas sem tocar no Zyon. Ainda não. A comida chegou — uma porção de batata frita com cheddar e um hambúrguer pra dividir — e a gente riu, dividindo as batatas, como se o mundo lá fora não existisse. Mas a saudade tava lá, em cada olhar, em cada toque acidental. Quando a mesa tava vazia, e a cerveja dela já tava pela metade, ela se inclinou pra frente, os olhos fixos nos meus. — Cayo, eu tava com muita saudade. De você, de tudo. Mesmo com medo, eu não consigo parar de pensar em você. Eu engoli em seco, sentindo o coração acelerar. — Princesa, tu não tem ideia do quanto eu tava morrendo sem você. E então, a gente não resistiu. Eu me levantei, puxei ela da cadeira, e a beijei. Um beijo quente, urgente, como se o mundo inteiro tivesse parado. Os lábios dela eram macios, com gosto de cerveja e algo doce, e minhas mãos encontraram a cintura dela, puxando ela pra mim. Ela suspirou contra minha boca, as mãos subindo pro meu pescoço, os dedos enroscando no meu cabelo. Era como se a gente tivesse voltado no tempo, pro show de rock, pra moto, pra todos os momentos em que éramos só nós dois. O bar, a música, as pessoas — tudo sumiu. Era só ela, o calor do corpo dela, o jeito que ela se entregava, como se também tivesse esperado por isso. Quando nos afastamos, ofegantes, ela sorriu, meio tímida, meio provocadora. — Você ainda sabe como me bagunçar, motoqueiro. Eu ri, baixo, ainda segurando a cintura dela. — E tu ainda sabe como me matar, princesa. — Hesitei por um segundo, mas a vontade era mais forte. — Vem comigo. Vamos pra um lugar tranquilo, só eu e tu. Um canto onde a gente pode conversar, se olhar, sem ninguém pra atrapalhar. Ela me olhou, os olhos brilhando com aquele misto de medo e desejo que eu conhecia tão bem. Por um segundo, achei que ela ia dizer não, que o medo ia vencer. Mas então, ela assentiu. — Tá, Cayo. Vamos. Eu sorri, sentindo o peito leve pela primeira vez em semanas. Peguei a mão dela, paguei a conta, e saímos do bar, prontos pra fugir, nem que fosse por uma noite, de tudo que tentava nos separar.
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