ISABELLA
Era só o que me faltava. Ela estava insinuando que havia segundas intenções nessa oportunidade? E por que eu faria isso para cuidar de duas crianças? Pelo amor de Deus.
ignorei cada olhar dela, cada tom de prepotência em sua voz.
Eu não sei que tipo de pessoa ela está enxergando em mim, mas nunca, jamais entraria nessa casa com as intenções que ela insinua. pronta pra deixar claro que não era isso disse:
— Eu não sei quais foram os critérios que ele usou, além da nossa conversa profissional, mas ele me escolheu pessoalmente — disse, meu tom mais firme dessa vez. — E vou honrar essa escolha.
Os olhos dela escureceram por um momento com algo que não consegui identificar.
— Interessante — murmurou, antes de balançar a cabeça e recompor-se. — De qualquer forma, você será temporária por enquanto. Estará em fase de teste. A babá noturna chegará logo com os pestinh...
Como assim fase de teste? Ele me assegurou que seria fixo.
Houve uma pausa que me fez franzir o cenho. Ela quase disse outra coisa. Quase.
— ...com as crianças, e ela vai te ensinar o que precisa saber — completou, o rosto voltando ao seu tom indiferente.
A forma como falava sobre as crianças me incomodou. Havia algo de desdenhoso em sua voz, um desprezo que ela tentava, sem sucesso, disfarçar.
— Tudo bem, obrigada pela explicação — respondi, contendo o incômodo.
Mas, por dentro, uma certeza já surgia: aquela mulher não gostava de mim, nem um pouco. E eu teria que lidar com ela por algum tempo. Só então a tensão foi quebrada quando o celular dela tocou. Assim que atendeu, sua postura mudou completamente. Ela ajeitou a coluna e sua expressão ficou ainda mais séria.
— Sim, senhor Kaio? — disse, com uma formalidade quase exagerada.
Olhei para ela de soslaio, sem querer demonstrar curiosidade, mas era impossível não reparar. Ela estava falando com ele.
— Sim, ela está aqui. Vou levar os documentos, e a babá noturna está perto de chegar. Vai ensinar tudo a ela.
Minha respiração quase parou ao ouvir sua voz abafada pelo aparelho. Não era possível distinguir as palavras, mas só de saber que era ele, meu estômago revirou.
— Como fixa? Mas...
Ela foi cortada. Me olhou ainda mais intrigada, com um olhar desconfiado que eu não gostava.
— Tudo bem, eu levo para o senhor — concluiu antes de desligar.
Assim que terminou a chamada, virou-se para mim com aquela expressão que não escondia a impaciência.
— Eu preciso ir. Você fica aqui e espera a babá noturna.
Assenti com um leve aceno de cabeça, tentando aparentar tranquilidade, embora me sentisse cada vez mais deslocada naquele lugar.
— Não mexa em nada, espere quieta aí... Ah! E não fale com os funcionários. Não gostamos de picuinha. Eles estão aqui para atrapalhar.
Ela disse "nós"? Eu ouvi certo?
Nem deu tempo de pensar direito. Ela saiu apressada, e o silêncio da casa logo tomou conta.
— Nossa! — suspirei profundamente.
Olhei ao redor, sentindo a imponência do ambiente. Cada detalhe daquela mansão parecia gritar riqueza, mas, ao mesmo tempo, havia algo frio, distante, quase como se aquele lugar não tivesse vida.
Meu olhar foi atraído por quadros expostos nos móveis. Um, em particular, me chamou a atenção. Kaio estava nele, sorrindo ao lado de uma mulher. Ela era linda, com um semblante delicado e um olhar que irradiava calor. Havia algo de íntimo naquela imagem, algo que deixava claro que eles tinham sido muito próximos. Felizes.
De repente, tudo fazia sentido. Aquela mulher deveria ser a mãe das crianças.
O menino era a cara dela, com os mesmos olhos expressivos e cabelos escuros. Fiquei ali, parada, observando o quadro, quando ouvi passos firmes se aproximando. Me virei e encontrei uma mulher. Ela parecia mais simpática que a secretária, mas havia algo em sua postura que sugeria experiência e uma certa dureza.
— Você deve ser a Isabella? — perguntou, com um leve sorriso.
— Sim, sou eu — respondi, estendendo a mão.
Ela apertou minha mão e acenou com a cabeça, conduzindo-me até a cozinha.
— Prazer sou Elza, meu turno é durante a noite mais o senhor Kaio me pediu pra lhe auxiliar nos primeiros dias.
Acenei concordando.
Assim que nos sentamos, ela foi direto ao ponto, sem rodeios.
— Vou te passar tudo sobre as crianças. Rotinas, horários e as manias que você precisa respeitar. Mas vou te dar um conselho, por experiência própria: evite muito contato. Não se apegue, não mostre muito afeto.
Franzi o cenho, intrigada.
— Desculpe, mas por quê? São crianças... Como não mostrar afeto?
Ela suspirou, cruzando os braços.
— É assim que o senhor Kaio gosta. Ele não quer nada além do profissional. Qualquer coisa além disso, você não dura aqui.
Balancei a cabeça, tentando absorver tudo, mas havia algo nisso que me incomodava profundamente. Como alguém podia ser tão indiferente, especialmente com os próprios filhos?
Como eu, como babá vou manter uma distância se eu preciso está perto, entender suas emoções, trabalhar com eles na base do afeto.
A indiferença só vai afastar eles... Não consigo compreender como eles são tratados se não existe um mínimo de conexão.
...
Após horas de explicações e orientações, finalmente estava pronta para ir embora.
— Foi um prazer conhecer você, Isabella. Espero que desta vez, alguém dure mais que dois meses.
isso não foi legal de ouvir, tentei manter a compostura dizendo de forma formal.
— Foi um prazer também.
Ela me deu um abraço suave.
Quando estava saindo, algo me chamou a atenção: as flores estavam murchas, algumas já secas, mesmo sabendo que deveriam ser trocadas todos os dias.
Lírios, lindos lírios murchos e sem vida.
Fiquei parada por alguns segundos, pensando no contraste daquele pequeno detalhe com a opulência da casa.
Sacudi a cabeça, afastando os pensamentos. Talvez fosse só descuido. Mas, de alguma forma, aquilo parecia simbolizar algo maior naquela casa. Algo que eu ainda não entendia.
Mas que teria grande significado ao decorrer daqueles dias naquela casa.
....