Pov Beatriz
“Beatriz Mendes, filha do empresário e pré candidato ao governo estadual, tem andado bastante ausente das baladas noturnas, bem como das confusões da qual costumava vivenciar. Talvez isso tenha uma justificativa... Segundo os rumores, o pai da ricaça estabeleceu uma nova rotina para a filha, onde a mesma deve sempre surgir como a empresária séria e recatada que ela jamais será. Isso mesmo, dizem que Augusto Mendes, não quer correr o risco do seu possível eleitorado se deparar com as muitas notícias relacionadas as besteiras que a filha costuma fazer por aí, afinal, se o empresário sequer consegue controlar a filha, como conseguirá controlar um Estado? Bom, o fato é que a jovem está trabalhando diretamente com Clara Vasconcelos, a qual também é apontada como razão pela transformação na vida de Beatriz, isso porque as duas estariam namorando as escondidas, ou pelo menos é isso que querem nos fazer acreditar. Porquê? Simples! Às notícias que chegam a essa fonte que vos fala, é uma verdadeira bomba. Estão preparados? Então vamos lá... Pasmem, mas tem quem diga que o romance entre as duas jovens empresarias, não passa de uma farsa. Isso mesmo meu povo, uma farsa para enganar não somente a nós que vivemos das fofocas da vida dos famosos, mas aos próprios acionistas da empresa em questão, assim como também ao eleitorado de Augusto Mendes. O motivo? Poder! Bom, se a relação é real ou não, é algo que ainda não podemos afirmar, mas uma coisa é notória, mesmo após todo esse burburinho, as duas nunca foram vistas juntas em clima de romance. Será mesmo que podemos acreditar que os opostos se atraem?”.
Ass: Anônimo
Li a matéria daquele blogzinho de quinta categoria onde o infeliz que se diz autor, sempre assinava suas matérias tendenciosas, como anônimo. Estava claro que o mesmo não cansava de expor minha imagem, e ultimamente vinha vinculando todos os meus passos ao meu pai, ou nossa empresa, com a clara intenção de causar desconforto entre nós e os acionistas da construtora.
Voltei olhar para a reportagem buscando conter a fúria que sentia com cada linha escrita. Passei as mãos pelo rosto já imaginando o sermão que levaria do Srº. Augusto, provavelmente dizendo que eu não estava cumprindo com minha parte do acordo, afinal, daquele jeito ninguém nunca acreditaria em minha relação com Clara.
Joguei o tablet em cima da mesa da minha sala, deixando que o ódio me dominasse. Às vezes pensava seriamente em desistir dessa loucura toda, afinal, não importava o que eu fizesse, minha imagem arranhada não parecia ter solução diante da imprensa.
Nos últimos dias meu trabalho na empresa tinha dobrado. O desligamento oficial do meu pai da presidência da empresa só ocorreria após meu casamento com Clara, mas o mesmo estava aos poucos começando se ausentar das principais reuniões, onde agora eram sempre comandadas por Clara, e contava sempre com minha presença ao seu lado. Nessas horas eu agradeci aos céus pelas aulas chatas de administração que fui forçada a cursar durante quatro anos da minha vida. Não era difícil aquilo tudo, mas era extremamente tedioso, o que me dava mais certeza que eu não costumava ser admiradora dos números.
A única coisa que estava difícil me adaptar eram os horários matinais. Quase sempre eu acabava me atrasando para o expediente, e isso acabava gerando muitas discussões entre meu pai e eu. Por sua vez, me irritava observar o quanto Clara era o exemplo daquilo que eu deveria ser. Claro que as comparações vinham aos montes, e isso não contribuía em nada para me despertar vontade em estabelecer aproximação daquela que em breve teria o título de minha esposa. Eu não sentia raiva da loira de olhos verdes, mas me sentia inferior, então estar diante da sua presença era quase como um castigo.
No entanto, Clara parecia dedicada a ter paciência comigo. Todos os dias, ela buscava me ajudar e me apresentava tudo aquilo que eu não estivesse familiarizada no funcionamento da empresa. Eu não poderia negar seu profissionalismo e dedicação, mas confesso que sua mania de perfeição me irritava, por isso sempre acabávamos discutindo durante os minutos que passávamos juntas tratando dos assuntos daquele lugar. Ela era chata e irritante, e eu tinha a sensação que estava pagando todos os meus pecados ao atura-la.
Contudo, parece que somente eu pensava assim a sobre Clara. Minha futura mulher, tinha o respeito e admiração dos demais funcionários da nossa empresa, desde os maiores aos menores cargos. Agora eu estava tendo a oportunidade de entender de perto o porquê meu pai a idolatrava tanto. Clara era o reflexo perfeito dos dois fundadores daquele lugar, ela possuía a firmeza do Srº. Augusto e a humildade do tio Carlos, era tão inteligente quanto seu pai e tão dedicada quanto o meu pai. Na verdade Clara era a junção dos dois em uma só, ou seja, perfeita para dar continuidade àquele império e de certa forma eu me via em um conflito entre admirá-la e invejá-la.
Eu achava estranho o fato de estar praticamente noiva de alguém e quando chegar perto ser exclusivamente para falar de números, investimentos, planilhas e etc. Sempre que eu e Clara nos encontrávamos o clima entre nós pesava tonelada, não apenas pelas inúmeras discussões, mas era como se não tivéssemos nenhum assunto em comum que não fosse aquela empresa. Sobre o casamento? Esse era um assunto intocável. Clara nunca demonstrou nenhum interesse sobre o tema, e eu não sabia se tinha liberdade para falar sobre isso. Na verdade, a sensação que eu tinha é que era uma tortura para ela estar ao meu lado, tanto quanto para me, estar ao seu.
Por falar em casamento, todos os preparativos da festa de noivado e posteriormente do casamento estavam sendo organizados por nossas mães, ou seja, eu e Clara éramos literalmente aquilo que eu definia como dois fantoches nas mãos dos nossos pais.
Os falatórios sobre um possível relacionamento entre as herdeiras já eram existentes nos corredores da empresa, o que eu achava um absurdo, afinal, todos ali eram pagos para fazer aquele lugar funcionar, e não para estarem nos corredores falando sobre a vida pessoal de qualquer m****o da empresa.
Ouvi batidas na porta e permiti a entrada sem me importar com quem estaria incomodando meu momento de reflexão.
– Tá aí uma cena que não estou acostumada a ver todos os dias. – Ouvi a voz meiga de Clara que já entrava na sala segurando um copo de cappuccino. – Beatriz Mendes trabalhando a essa hora da manhã? Isso realmente é impressionante.
– Clara Vasconcelos, sempre esse tom de surpresa. – Apesar de estar surpresa com a chegada da outra em minha sala, não pude deixar de devolver o tom sarcástico. – Como sabia que eu estava aqui? Aliás, o que faz aqui?
– Nunca tinha percebido como os boatos correm soltos nessa empresa até surgir a notícia que somos um casal. Posso? – Ela perguntou apontando para a cadeira, e eu apenas concordei. Ela sentou e voltou a falar... – Fui até a copa e “acidentalmente” uma das nossas copeiras mencionou que este era o seu cappuccino preferido. Não sei porque, mas aquilo soou como uma indireta do tipo: “Olha, leva isso para sua namorada, ela vai gostar de um agrado logo pela manhã”. Bom, aqui está. Espero que goste.
Aquela não era apenas a primeira vez que Clara parecia desarmada diante da minha presença, mas era também a primeira vez que ela falava sobre um assunto que não fosse relacionado aos negócios, e por incrível que pareça, em poucas palavras ela conseguiu me arrancar alguns sorrisos descontraídos com sua narração.
Percebi que ela parecia leve, completamente diferente da mulher que eu estava acostumada a ver durante o comando de reuniões ou diante de planilhas que analisávamos juntas.
– Possivelmente devem estar pensando que estamos nos agarrando nesse exato momento. – Resolvi baixar a guarda, e falei com divertimento arrancando-lhe um sorriso tímido. – Obrigada, pela gentileza de trazer para mim.
Levei o copo até a boca, e de fato era o meu cappuccino preferido.
– Não se acostume com isso. – Ela piscou timidamente, mas soava divertida. – E então, viu a última notícia que saiu hoje sobre nós?
– E tem como não ver? – Perguntei e ela apenas concordou. – É impossível quando tem uma Talita radiante em ver aparecendo em manchetes que não descreve minhas idas a delegacias, ou noitadas regadas a álcool e mulheres.
– Eu me lembro da Talita, mas não a vejo há bastante tempo. – Ela falou pensativa. – Ela ainda mora por aqui?
– Mora! Mas depois que ela abriu o próprio ateliê e passou desenhar sua própria marca de roupas, tem viajado bastante. No momento ela está focada em desenhar suas próximas peças, ou seja, não tem tempo para quase nada.
– Então ela é estilista?
– Sim! Como eu disse, ela está focada em sua nova coleção para lançar em breve em um desfile bombástico.
– Eu não entendo absolutamente nada de moda, mas minha irmã está dedicada à vida de modelo.
– Sendo assim, tenho certeza que Talita e Larissa vão se dar muito bem. – Clara me olhava com atenção como se estivesse diante de um enigma, então resolvi entrar no assunto que estava me incomodando. – Sabe, com essa matéria de hoje cheguei a uma conclusão.
– Vai processar qual deles dessa vez? Só lembrando que não tem como processar quem assina como anônimo.
Sorri com a brincadeira. Ela realmente estava divertida naquela manhã. Se continuar, não seria difícil me adaptar facilmente assim à nossa convivência.
– Não seria uma má ideia, mas dessa vez não é isso. – Ela pareceu ficar curiosa. – Eles não passam de uns abrutes de plantão, e eu realmente não me importo com eles. Contudo, é notável que eles não estão muito convencidos sobre isso aqui. – Apontei de mim para Clara. – Se eles não se convencerem logo o público também não se convence, isso significa que nossos acionistas também podem ser considerados como público. Entende o que quero dizer?
Eu odiava como muitas vezes a mídia tendenciosa exageravam em alguns assuntos abordados, esquecendo que por trás daquelas matérias, existiam vidas, e que vidas importam. Odiava ainda mais precisar me submeter aquele papel, ou seja, plantar informações somente para agradá-los.
– Ou seja? – Ela me deu espaço para concluir meu pensamento.
Me levantei da cadeira que estava ocupando e fui até próximo a ela. Não posso dizer que me sentia confortável com a situação, mas eu precisava me permitir dar um passo a mais, caso contrário correríamos sérios riscos daquilo não funcionar devidamente como deveria.
– Eu estava pensando... Já que nós entramos nisso, então vamos fazer a coisa funcionar bem, ok? Eu não quero ter que aguentar meu pai dia e noite com reclamações.
– Beatriz seja mais clara, por favor.
Droga, porque diabos eu pareço não saber conversar com ela? Era como se minhas palavras não fizessem sentidos para sua cabeça.
– O que eu quero dizer, é que até agora não aparecemos juntas em lugar algum, e como você mesma viu, isso levanta questionamentos sobre a veracidade dessa relação. O jantar de noivado já está próximo e sempre que nos encontramos é entre quatro paredes onde só falamos sobre trabalho. Não que eu goste da ideia, mas o que você acha de sairmos para jantar? Assim não apenas daremos a eles o que querem, mas também nos conhecermos um pouco melhor?
– Beatriz, nós nos conhecemos desde que ainda estávamos no útero das nossas mães.
Ô mulher difícil...
– Qual é, Clara. Nós duas não sabemos nada uma da outra, nunca sequer paramos para conversar sobre assuntos aleatórios. Não quero morar dois anos com alguém que eu nem sei o que gosta de comer. Custa você facilitar? Eu estou tentando, sabia?
Minha paciência já estava indo para o espaço. Ela me olhava como se pretendesse ler minha alma, aquilo era uma das coisas que mais me incomodava em Clara, eu tinha medo do que aquele olhar poderia causar.
– Eu facilitar? – Clara falava indignada, e lá se ia nosso momento de manter uma conversa civilizada. – Beatriz, nos poupe ok? Você é a mais difícil de lhe dá nessa situação.
A vontade que eu sentia era de mandá-la plantar batata no asfalto durante o meio dia, mas eu não poderia me dar ao luxo de perder a paciência.
– Olha aqui, eu tentei tá legal? Se você não quer paciência, mas depois não vá se fazer de boa samaritana para Srº Augusto, não.
Observei Clara respirando profundamente dando sinais de cansaço, ela não parecia disposta a me enfrentar e eu não estava disposta a confrontá-la, mas esse detalhe ela não precisava saber.
– Tudo bem Beatriz, você tem razão. Nós podemos sair para jantar. Você sabe que isso vai surgir em muitos lugares não sabe? – Acenei positivamente, ainda surpresa por sua mudança de opinião. – Depois que aparecermos juntas não tem mais volta. – Ela parecia me desafiar, enquanto eu apenas acenei novamente. – Sente-se preparada?
– Eu não pretendo voltar atrás, Clara. Isso já é uma coisa que você pode anotar sobre mim. Beatriz Mendes nunca volta atrás naquilo que promete.
Seu olhar avaliativo caiu sobre o meu, voltando a me deixar inexplicavelmente constrangida.
– Tudo bem, saímos hoje então. Pode ser?
– Perfeito! Posso te buscar em casa?
Concordei realmente empolgada sem ao menos entender o motivo. Ela concordou me fazendo sentir alivio por no fim não ter levado um fora.
Bem, se eu iria ter que enfrentar essa loucura que pelo menos a tivesse como amiga.
Horas mais tarde
Revirei todo meu closet em busca do vestido perfeito para a ocasião. Não que eu estivesse má intencionada com Clara, mas eu não poderia sair como antes, agora eu precisava me comportar como uma mulher direita, uma mulher que tinha algo a zelar. Obviamente eu não estava feliz com essa situação, mas se era essa a imagem que eles queriam que eu vendesse, essa seria a imagem que eles teriam.
Optei por um vestido preto que ia até metade das coxas. O decote não era ousado como de costume, mas continuava presente dando ainda mais notoriedade ao meu corpo. Quanto a maquiagem, era carregada como eu tanto gostava de usar, e o batom era de uma tonalidade cor vinho, mais que perfeito. Os cabelos estavam bem arrumados, porém o corte repicado era um misto de elegância e rebeldia.
Me olhei no espelho e sorri para o reflexo gostando do que vi.
– Fiu... Fiu... – Bernardo assobiou quando desci as escadas dando de cara com ele jogado no sofá. – Está gata, maninha.
– Posso saber para onde a senhorita pensa que vai a essa hora da noite?
De repente meu pai surgiu e perguntou, encostado na porta que dava acesso à sala de vídeo.
– Até onde eu lembre não sou mais nenhuma criança para ser controlada, Srº. Augusto.
– Até onde eu saiba temos um acordo, FILHA. Bonita desse jeito, imagino que a noite será longa, o que até onde consigo lembrar, é algo que está fora do mesmo.
Fez questão de enfatizar a palavra filha. Eu sabia que ele odiava o fato de que eu raramente o chamava de pai, mas não era algo com o qual me importava.
– Pois fique o senhor sabendo que vou sair para jantar com minha noivinha.
Meu tom foi sarcástico. Apesar de não querer brigar com ele naquele momento, era quase automático reagir dessa forma quando tratava-se de um diálogo com meu pai. Bom, ele pareceu não se importar com isso naquele momento. Sua expressão de descontentamento se desfez, e na mesma hora deu lugar a uma nítida surpresa.
Revirei os olhos buscando paciência para viver tudo isso.
– Uau... Se produziu assim para encontrar uma noiva que tecnicamente é de mentirinha? – Meu irmão carregou o tom de segundas intenções. – Clara não vai aguentar a noite, desse jeito.
– Ô moleque, não é porque estamos nessa palhaçada que eu vou tratá-la m*l. Tudo bem que ela é chata e enjoada, mas não tem culpa de termos genitores loucos. Além disso, não vou sair feia por ai né? E faça o favor de respeitá-la.
O bobão continuou com um sorriso malicioso nos lábios, a cada palavra que eu falava. Eu sequer sabia o porque está defendendo-a, mas não podia deixar que meu irmão colocasse em xeque sua imagem de boa moça.
– Faz muito bem pensar assim. – Minha mãe surgiu na mesma hora atrás da figura do meu pai. Meu rosto esquentou em vergonha, quando percebi o sorriso orgulhoso que essa tinha nos lábios. – Clara é uma moça excelente e não merece menos que seu respeito. E você Bernardo, não seja e******o com sua futura cunhada.
– Ok, Ok, eu já entendi que a Clarinha é extraordinária. Prometo que vou pensar seriamente em construir um altar para ela. – Acenei em rendição, mas sem deixar de dar aquela alfinetada. – Agora me deixem ir, antes que eu atrase para buscar a donzela.
Me despedi da minha família e segui rumo à casa de Clara.
Chegando lá, não demorou muito para ela surgir na porta quando buzinei para deixar claro que já estava a sua espera. Assim que meus olhos encontraram a outra cheguei à conclusão que se tinha uma coisa que eu não poderia reclamar, seria de ter uma noiva desengonçada, pois Clara era completamente o oposto disso. Naquela noite a mesma estava vestindo um vestido rendado na cor salmão que lhe cobria até os joelhos. Seu cabelo preso em um coque perfeito deixando à mostra todo seu pescoço. Diferente da minha, sua maquiagem não era nada chamativa, mas o batom nude em sua boca deixava seus lábios bem marcados.
Por que inferno eu estava admirando-a?
– Bem pontual, senhorita Mendes. – Ela falou quando aproximou-se do carro.
Devo dizer que eu odiava esse lado debochado de Clara. Nunca encontrei alguém que tivesse ousadia de me enfrentar dessa forma, mas ao que parecia, eu tinha mesmo que pagar todos os meus pegados com aquela convivência.
Desci para abrir a porta, para que ela pudesse entrar, e foi então que pude sentir seu perfume invadir meus sentidos sem autorização.
– Eu costumo cumprir muitas coisas, senhorita Vasconcelos.
Devolvi a alfinetada, mas ela apenas sorriu me fazendo revirar os olhos.
– Então, para onde vai me levar essa noite?
– Não tenha medo, você vai gostar.
– Não tenho medo de você, Beatriz.
Eu não sei se Clara estava pensando que eu a levaria nesses lugares que eu estava acostumada a frequentar, mas se pensava assim, certamente ela iria se surpreender.