Pov Larissa
Nos últimos dias a sensação que eu tinha, era que minha casa estava virando um verdadeiro cenário de guerra fria. Meu pai e minha irmã viviam conversando sobre o único assunto que parecia interessá-los naqueles dias: o casamento de Clara e Beatriz. Enquanto, meu pai tentava convencer Clara em aceitar aquela ideia, que em minha opinião já estava fadada ao fracasso, minha irmã vivia entristecida, porém relutante, o que confesso que me surpreendeu, afinal, Clara sempre estava disposta a se sacrificar em nome da família.
Muitas vezes eu enxergava a tristeza que consumia os olhos de Clara, ela não parecia ser verdadeiramente feliz e por mais que eu tentasse fazê-la enxergar o quanto ela precisava aprender a viver sua própria vida, entendendo que isso ultrapassava os anseios da nossa família, o retrocesso vinha sempre em evidência quando ela rendia-se a algum “sonho” do papai.
Ao contrário da minha irmã eu sempre busquei ser autêntica, ser eu mesma, e realizar aquilo que me fizesse sentir preenchida de felicidade. Por mais que fosse desejo do meu pai, que assim como Clara, eu também seguisse seus passos o ramo empresarial, optei pelo o que me fazia feliz: Moda. Meu mundo profissional era a arte de viver no mundo da moda, e isso eu jamais permitiria que alguém me tirasse. Não que eu não amasse a minha família a ponto de fazer algo em nome de todos eles, mas sempre entendi que para fazer alguém feliz, é preciso estarmos feliz conosco mesmo. Sendo assim, logo cedo fiz questão de deixar claro que não estou nessa vida para servir de marionete de uma sociedade doente. Por mais que meus pais sempre viessem com o mesmo papo de que nós éramos pessoas públicas e deveríamos nos policiar em nossos atos, eu escolhia viver sempre intensamente sem me preocupar com os julgamentos aos quais fosse apontada. Claro que eu não chegava ao padrão de rebeldia de Beatriz, pois ao contrário dela, eu não fazia questão de agir com inconsequência. Contudo, não me privava dos desejos e sonhos que tinha, sempre lutava até o fim para conquistar aquilo que queria e isso incluía conquistar Adriana Barbalho, a melhor amiga da minha irmã, que por sinal não me dava à mínima bola. Mas particularmente sempre gostei de desafios, e isso me motivava seguir em frente buscando o que queria. Nos últimos tempos esse tornou-se meu principal obstáculo a ser vencido. Adriana por ser mais velha tinha a mim, e Clara como suas irmãs mais novas. Ela era super protetora e eu não poderia negar que a delegada era uma mulher difícil de impressionar, mas sempre acreditei que o impossível é apenas uma questão de perspectiva.
Já passava das três horas da madrugada quando sai da boate onde estava curtindo uma festa com alguns amigos da faculdade. A maioria já estavam bêbados, e a ruiva com quem eu estava ficando naquela noite já passava dos limites quando tentava me convencer ir para cama com ela.
Naquele momento estávamos sozinhas no estacionamento da boate. Eu tentava a todo custo entrar em meu carro para ir embora, mas era impedida pela garota que estava para lá de bêbada.
– Vamos lá loirinha, você não ficou comigo a noite inteira para no fim fazer doce, né?
– Qual o seu problema? – Aquela altura eu já esquentava a cabeça e perdia a paciência. Aliás, devo dizer que paciência nunca foi uma característica que cultivei. – Dar uns beijos em você não significa que necessariamente que vamos para cama.
– Eu acho que você não entendeu muito bem. – A ruiva se revelava abusiva e sem controle. – Lugares como esse não são frequentados por criancinhas como você. Se não está disposta a agir como mulher deveria procurar ficar com alguém da sua idade.
Mesmo tendo ouvido um não, a mulher parecia disposta a forçar a barra, enquanto eu me sentia chocada ao perceber a situação que estava me envolvendo. É realmente inacreditável que existam mulheres tão machistas e escrotas, como diversos homens que andam por esse mundão. Quando nos deparamos com uma situação como aquela, onde o outro alguém não aceita receber uma recusa, nos sentimos violadas, humilhadas, constrangidas... Para ser sincera, eu nunca consegui compreender muito bem o que esse pessoal tem em mente, quando acham que o simples fato de ficar com uma mulher na balada, já é o suficiente para se sentirem proprietários da pessoa a ponto de fazer cobranças onde não as cabe. Isso chega a ser tão ridículo, e verdadeiramente assustador.
Não saber compreender que não é não, e que toda mulher tem direito a fazer suas escolhas sem serem questionadas, é algo realmente que deve ser mais discutido no dia a dia social. Nós mulheres já vencemos muitas lutas, mas ainda é precisamos enfrentar muitas guerras, para quem sabe um dia termos nossos direitos respeitos. Porque de nada serve valida-los, se não for para respeita-los.
– Algum problema aqui?
Ouvi a voz de Adriana, no mesmo instante em que eu me debatia nos braços fortes da ruiva que me pressionava contra o carro. Uma sensação de alívio tomou meu corpo quando meus olhos encontraram com os dela. Por sua vez, a mulher que ainda me segurava firme revirou os olhos com impaciência e voltou-se para Adriana que tinha um olhar indecifrável, gélido, assustador.
– Quem é você hein? Não está vendo que está atrapalhando meu rolê com minha garota?
– Pelo o que observei, a “SUA GAROTA”, não estava nem um pouco satisfeita com suas atitudes.
O momento era desconfortável, mas eu não pude deixar de perceber que a voz rouca de Adriana, me causava um calafrio muito louco. Eu sei que a situação era trágica, mas foi impossível não sorrir ao chegar a essa conclusão.
– E quem você pensa que é para se meter nisso, hein? – A ruiva deu um passo à frente. – Acho bom você sair daqui antes que eu...
– Antes que você o quê? Mais uma palavra e eu te prendo por desacato a autoridade. E de quebra ainda a acuso por comportamento abusivo com a garota.
Adriana mostrou o distintivo para a outra que empalideceu. Por um momento me questionei onde tinha ido parar todo o álcool que ela tinha no sangue, já que de repente seu comportamento embriagado foi substituído por alguém totalmente sóbria.
– Desculpa, senhora Barbalho. – A ruiva disse olhando o nome de Adriana. – Confesso que passei um pouco dos limites quando me exaltei com sua chegada, mas está tudo certo entre mim, e minha garota. Nós já estávamos de saída, não é mesmo amor?
Eu sequer tive chance para responder aquela cara de p*u.
– Ela não vai a lugar algum com você. – Adriana disse firme.
– Mas nós...
– Eu acho bom você sair da minha frente agora antes que eu perca a paciência. – Adriana me olhou com fúria. – E você, entra no carro e me espera.
– O quê? – Odiava aquele jeito mandão da delegada.
– Entra logo, Larissa.
Eu conhecia os limites de Adriana. Ela odiava ser contrariada, e naquele momento seus olhos revelavam o quanto se esforçava para não perder o controle, por isso, resolvi fazer o que mandou mesmo que estivesse odiando o fato de obedecê-la como se fosse uma criança pega em flagrante pela mãe, enquanto fazia algo errado.
Sentei no banco do carona já imaginando que Adriana iria fazer questão de dirigir. De dentro do carro, passei a observá-la, enquanto ela falava com a mulher que até pouco tempo estava em minha companhia. Percebi que agora tinham mais dois policiais ao seu lado, ela parecia dar algumas ordens para os mesmos e logo veio em direção ao meu carro. Sexy!
– Coloca o cinto! – Ela mandou assim que entrou no carro, e eu bufei de raiva.
– Você não precisa ficar me falando o que tenho que fazer. – Coloquei o cinto. – Aliás, você pode me dizer da onde você surgiu?
– Você deveria agradecer por eu ter aparecido. – Deu partida no carro sem ao menos olhar para meu rosto. – Se não fosse por mim, sabe Deus o que tinha acontecido com você essa noite.
Revirei os olhos, mas no fundo eu sabia que ela tinha razão, a mulher que estava comigo já se mostrava alterada demais, e eu realmente não sei o que poderia ter acontecido.
– Obrigada! – Fui sincera e dessa vez atraí seu olhar para mim. – Eu só queria saber como apareceu bem naquele momento.
– Estávamos fazendo ronda e reconheci seu carro. Observei você com sua amiguinha e percebi que ela parecia bem nervosa.
Não ia interromper sua narração, mas vi que as coisas estavam fugindo do controle, afinal, sua raiva estava nítida, então resolvi descontrair.
– Minha heroína!
Sorri e me permiti colocar a mão na coxa de Adriana que rapidamente me olhou, mas não fez nada. Claro que eu desejava outra reação, mas já era bom não ter sido repelida.
O resto do caminho foi feito em silêncio. Drica estava séria demais e compreendi que esse era um sinal para não fazer nenhuma gracinha.
O carro parou diante da minha casa então resolvi falar.
– Leva o meu carro. Amanhã você traz aqui. Já está tarde para andar de táxi ou a pé, por ai.
– Obrigada! – Ela respondeu, porém não me olhou.
– Bom, eu vou entrar.
Desci do carro sentindo meu coração bater forte. Sempre que eu estava diante da Adriana as coisas pareciam meio que fugir do controle, mas normalmente eu costumava brincar com a situação para não deixar transparecer como ela tinha poder de me afetar. Até hoje eu não sabia ao certo identificar o que sentia por Drica, se era apenas um desejo masoquista alimentado pela rejeição, se era o gosto por aventura e desafios, paixão aflorada pela proximidade diária, admiração, gratidão ou amor, mas o fato é que isso a cada dia vinha me deixando ainda mais louca do que eu costumava ser.
Antes que eu pudesse alcançar a porta de casa, fui surpreendida pela mão de Adriana me segurando firme pelo braço.
– Por que você faz isso? Será que não vai deixar nunca de agir como uma garotinha inconsequente?
Suas palavras me atingiram em cheio, porém não me surpreendi, afinal, desde que nos encontramos naquele estacionamento, eu sabia que Adriana esforçava-se para não explodir em sermões.
– Você está louca? – Fitei seus olhos sem medo. – Solte meu braço. AGORA!
Rapidamente ela fez o que pedi. Sua expressão de raiva foi substituída por uma clara confusão no olhar.
– Desculpa, eu juro que não queria te machucar, eu só... – Ela parecia desesperada. – Droga Larissa, por que você tinha que estar ali? Você sequer conhecia direito aquela mulher. Ela poderia ter... Droga, só de pensar me dá uma raiva, eu deveria ter quebrado a cara dela.
– Ei, calma! – Minha mão alcançou seu rosto onde fiz um carinho vendo-a me olhar intensamente. – Não aconteceu nada. Eu estou bem.
– Mas poderia não estar. Será que não percebe o quanto isso é sério?
– Ok, Adriana. Eu já entendi, e admito que você está certa. Contudo, não vou me martirizar do jeito que você deseja. Erros foram feitos para aprendermos com ele, certo?
– No dia que eu te pegar em situação parecida de novo eu juro que...
– Que o quê? – Enfrentei sabendo que era um sério risco a correr. – Você não vai fazer nada, além de me trazer para a casa novamente, senhora delegada. Você pensa demais para se permitir fazer algo além disso.
Pisquei para Adriana que me olhava deixando transparecer o quanto estava furiosa com minhas palavras.
Às vezes eu tinha vontade de agarrá-la sem ao menos tentar entender os motivos certos pelo o qual estava fazendo isso, mas apesar de tudo, eu precisava ser cautelosa com minha impulsividade. Se eu não conseguia descrever o que sentia por Drica, eu também não poderia colocar em risco toda a nossa relação desse jeito.
Entrei em casa e encostei na porta percebendo que um sorriso surgiu em meus lábios quando lembrei da forma como fui defendida por Adriana.
Essa mulher ainda vai me enlouquecer.
Pov Adriana
Larissa sempre foi muito diferente de Clara, e não me surpreendeu quando se tornou uma jovem mulher impossível, indomável... A mais jovem das Vasconcelos, era do tipo que me fazia odiá-la e desejar protegê-la no mesmo instante e com a mesma intensidade. Quando o assunto era Larissa, eu vivia um verdadeiro conflito interno que estava me levando a loucura nos últimos tempos.
– Dra., vamos ficar só olhando ou devemos agir?
Meu parceiro de plantão perguntou, enquanto observávamos de dentro do carro a direção onde Larissa encontrava-se com uma desconhecida.
Estávamos fazendo nossa ronda quando passamos na frente do estacionamento de uma casa noturna e logo reconheci Larissa, que parecia tentar se desvencilhar dos beijos que aquela mulher, totalmente sem pudor, tentava lhe dar. Para quem olhava de fora, a sensação era que a ruiva perecia disposta a devorá-la a qualquer momento.
Meu sangue fervia diante da cena. Como ela pode se permitir está nessa situação com alguém que provavelmente acabava de conhecer? Completamente irresponsável!
– Por enquanto vamos apenas observar. – Decretei sentindo ódio por assistir aquela cena.
Para mim, o tempo passava lentamente, mas as coisas começaram a piorar quando percebi que o quê antes era marcado por luxuria agora resumia-se em uma discussão. Larissa não parecia ter chances para deter a outra que aparentemente queria forçar algum tipo de situação.
– Agora!
Desci da viatura sendo acompanhada pelos dois policiais que me acompanhavam naquela noite, os dois ficaram mais para trás, enquanto eu segui em direção as duas com meu coração tomado por ira. Meu desejo era acabar com aquela desgraçada que ousava tocar em Larissa com brutalidade.
– Algum problema aqui?
Eu precisava ser indiferente, precisava conter as emoções, precisava ser imparcial, porém firme.
Quando os olhos de Larissa encontraram com os meus percebi que a loira sentiu-se aliviada, mas nada falei a respeito. Estava chateada demais para dizer qualquer coisa.
A discussão com a encrenqueira não durou muito, já que assim que percebeu estar diante de uma policial, seu comportamento agressivo foi contido. Contudo, me deixou enlouquecida quando tentou novamente levar Larissa com ela.
Mandei que a mais nova entrasse no carro e agradeci mentalmente quando essa me obedeceu sem questionar nada. Esse não era um comportamento habitual de Larissa, mas pelo menos naquela noite ela não fez gracinhas.
Depois de alguns minutos orientando a ruiva desgraçada a não repetir aquela atitude com qualquer outra mulher, mandei meus companheiros retornarem para delegacia, enquanto eu levaria Larissa em casa.
Entrei no carro sentindo um sentimento estranho tomando conta de mim. As imagens de Larissa aos beijos com aquela mulher me deixavam exageradamente enfurecida. Eu não conseguia acreditar que ela fosse tão imatura assim, mas o que podemos esperar dos jovens de hoje? Para eles tudo é normal e sem riscos, sem consequências.
Depois de um tempo me deixando ainda mais irritada, Larissa agradeceu por tê-la salvo daquela situação complicada. Confesso que fiquei feliz em perceber que apesar de tudo ela havia se dado conta que realmente estava em apuros.
O caminho até em casa foi feito em silêncio, eu tentava organizar minhas emoções enquanto a outra se perdia nos seus próprios pensamentos.
Ao chegar à frente da casa onde Larissa morava com os pais e a irmã, as coisas voltaram a sair do eixo. A mais nova tinha uma capacidade incrível de me deixar irritada, seu jeito provocativo e ousado me desgovernava, e eu odiava aquela sensação que Larissa causava em meu coração. A verdade é que quanto mais eu resistia as suas investidas, mais eu me sentia atraída para aquilo que considerava perigoso. Eu não podia deixar que Larissa arruinasse minha vida, além dela ser como uma irmã mais nova para mim, ela é também, bem mais jovem que eu. Nossa diferença de idade seria um fator fundamental para enfrentarmos todos os tipos de problemas, e eu sendo delegada e amando minha profissão, não poderia arriscar tudo por uma atração física momentânea. Porque eu sabia que ia passar... Tinha que passar.
Observei a loira entrar em casa e voltei para delegacia com uma sensação de vazio em meu peito.