3 CAPÍTULO

4781 Words
Pov Clara Estava em minha sala analisando alguns documentos quando vi a porta sendo aberta com violência. O susto pelo barulho ocasionado foi grande, mas não tive nenhuma surpresa quando vi a figura de Beatriz parada na minha frente com os olhos consumidos por ódio. Confesso que nunca tinha visto a mulher tão transtornada daquele jeito em minha vida, mas agradeci internamente por estar tranquila diante da outra. Depois da informação inusitada que meu pai havia me dado, eu sabia que cedo ou tarde um furacão chamado Beatriz, viria atrás de mim. – Só fala que você não vai aceitar essa barbaridade. – Sua voz era carregada pela a fúria que seus olhos estampavam. – Bom dia para você também, Beatriz. – Depois de ouvir sua voz tentei manter a calma, mas não tinha tanta certeza até que quando conseguiria. – Da próxima vez que desejar entrar em minha sala, faça o favor de não esquecer a educação em casa, porque definidamente aqui não é igual os botecos que você está acostumada andar. Enfrentar Beatriz de igual para igual era quase uma tarefa impossível, levanto em consideração que aquela mulher tinha uma personalidade única. Entretanto, eu não poderia jamais deixá-la acreditar que tinha controle da situação naquele momento, ou então seria um caminho sem fim. – Garota, não me provoca. Eu poderia jurar que seus olhos seriam capazes de matar um, caso ela possuísse qualquer tipo de poder sobrenatural. Ainda bem que sempre acreditei que cão que muito late não morde. – Não tenho a menor intenção de provocá-la, já você... – Me levantei para fitá-la sem medo da mesma forma que ela fazia. – O que você quer aqui? Ela sorriu sem humor. Eu sabia o que ela queria, mas tentava ganhar tempo para organizar minhas emoções. A verdade é que eu não estava preparada para tratar sobre aquele assunto com Beatriz. Pelo menos não ainda. – Não se faça de boba, Clara. – Suas palavras eram quase beirando ao desespero. – Você sabe perfeitamente sobre o que estou falando ou você quer mesmo me fazer acreditar que já não foi comunicada dessa palhaçada toda? Logo você, a queridinha do paraíso. Até onde eu saiba quem sempre fica sabendo das coisas por último aqui sou eu. Respirei e resolvi não evitá-la mais, até mesmo porque não seria possível. – Sim Beatriz, eu já estou sabendo, e se serve de consolo saiba que não me agrada em nada essa ideia. – Ótimo! Assim posso acreditar que apesar de ser puritana, você tem juízo suficiente para recusar essa loucura. Eu não estava bem certa se ela estava perguntando ou afirmando, mas uma coisa era certa, ela estava enlouquecida com a hipótese de se tornar uma senhora Vasconcelos. – Como eu disse, eu odiei a ideia, mas ainda não dei minha resposta, Beatriz. – Seus olhos demonstravam sua indignação diante das minhas palavras. – É tudo muito novo, muito recente e eu preciso pensar a respeito. A mim, também não agrada nada a história de me prender a você, mas pelo o que me consta não é como se tivéssemos muito o que fazer, aliás, parabéns pelo o seu feito extraordinário. Não perdi a oportunidade de alfinetá-la, afinal, se estávamos naquela situação era por culpa das suas irresponsabilidades. – Você só pode ter enlouquecido. – Ela começou a andar de um lado para o outro. – Isso não é algo que deve ser analisado, Clara. Isso é uma barbaridade. Será que ninguém pensa nesse lugar? E o que quer dizer com isso de “meu feito”? A essa altura, como já era de se esperar, Beatriz já estava dando seu show de histerismo, e como consequência me deixando nervosa. Normalmente eu não sou do tipo que funciona bem sob pressão. – Simples, minha querida. Nós não estaríamos nessa situação se não fosse por culpa sua. – Quase berrei vendo pela primeira vez uma Beatriz assustada. – Você está mesmo querendo me culpar por nossos pais serem idiotas suficientes a ponto de ter uma ideia absurda como esta? – Beatriz estreitou os olhos em uma nítida fúria nada contida. – Não! Eu estou te culpando por você ser mimada, irresponsável, egoísta e imatura o suficiente para levar o nome da nossa empresa às páginas policiais. Você viu a última notícia que saiu sobre você? Claro que viu! A grande Beatriz Mendes, é detida por dirigir alcoolizada colocando não apenas a sua vida em risco, mas também a de várias outras pessoas, inclusive suas peguetes que estavam dentro do carro. Cuspi as palavras com toda raiva que sentia por estar naquela situação devido suas ações imprudentes, típicas de garota mimada. – O que eu faço ou deixo de fazer fora da empresa é problema meu. – Ela gritou e eu juro que poderia sentir as paredes que nos cercavam, tremerem. – Minha vida particular não diz respeito a você ou qualquer outra pessoa. – Deixa de ser um problema exclusivamente seu, quando seu nome surge como “a herdeira da M&V Construtora”. Você deveria saber o quanto nossa empresa hoje é referência nesse país, qualquer coisa que nós fazemos deixa de ser um problema particular, ou seja, passa ser algo que envolve todos nós, inclusive os sócios desse lugar. E não pense você que gosto dessa realidade, se você não percebeu, ao contrário de você, eu procuro me manter longe da mídia justamente por não suportá-los. – Isso significa que você está cogitando aceitar essa proposta absurda? – Ela ria desesperada. – Eu já disse que não tenho uma resposta formulada, e você gritar feito uma doida não vai ajudar em nada para me fazer decidir algo. – Fui firme. – Claro que está pensando sim, está na cara. – Sua mão passou pelo rosto claramente buscando paciência. – Óbvio que a puritana da empresa Mendes Vasconcelos não iria negar o desejo do papaizinho, aliás, devo lhe dizer o quanto você se torna ridícula por sempre ser submissa aos desejos dos nossos pais? O que para eles é sinônimo de orgulho, para mim, nada mais representa do que alguém digna de pena. Você é patética, Clara Vasconcelos, e eu te odeio! – Prefiro ser patética a ser uma desequilibrada problemática. Agora saia da minha sala. Apontei para porta usando meu habitual tom de voz calmo, mas as palavras saíram de forma venenosa. – Eu vou porque não aguento ficar olhando para sua cara de sonsa, mas não pense que se essa barbaridade chegar a ser concretizada, existirá a menor possibilidade de se tornar algo real. Beatriz saiu da mesma forma que entrou, batendo a porta e me deixando com uma sensação de ódio invadindo meu coração. Não que eu cogitasse ter algo real com alguém como Beatriz, mas por um momento meu lado feminino falou mais alto, me senti ofendida e incapaz de ser amada, ser desejada. Uma semana depois “E quem anda movimentando o mundo empresarial são as jovens herdeiras do reinado da M&V Construtora. Isso mesmo, a administração de um dos maiores impérios empresariais do país está dando o que falar nessa última semana. Contam os rumores que as herdeiras, Clara Vasconcelos e Beatriz Mendes, estariam engatando um romance. Não sabemos se os boatos são verídicos, mas os mesmos nos causarão no mínimo estranheza se levarmos em consideração que até duas semanas atrás, Beatriz Mendes estampava as principais manchetes do país, onde na ocasião, a mulher de vinte e cinco anos estaria mais uma vez acompanhada por uma das suas muitas conquistas noturnas após saírem de uma boate no centro de São Paulo. Lembrando ainda que, embora as famílias das duas empresárias mantenham um laço familiar, raramente Clara e Beatriz, foram ou são vistas juntas. Atitude que sempre alimentou os boatos, não confirmados, de que as duas não conviviam em harmonia no interior das estruturas do império M&V, segundo rumores, isso porque existia uma disputa pelo trono da empresa de seus pais. Então nossa única pergunta é: Desde quando o possível romance entre as jovens empresárias passa despercebido pela imprensa brasileira?” Ass: Anônimo Terminei de ler aquela pequena manchete me questionando como as notícias, por mais sigilosas que sejam, sempre costumam vazar tão rápido nesse universo digital. No mesmo instante meu celular tocava insistentemente. Suspirei quando vi o nome da minha melhor amiga surgindo no visor. Eu sabia o que Adriana pensava disso tudo, e agora provavelmente iria usar essa matéria para me convencer que era uma loucura o que eu estava prestes a fazer, afinal, meu nome nunca aparecia em matérias tendenciosas de fofoca, e agora pelo visto a possibilidade de me passarem me descrever como a jovem rica e corna de São Paulo, eram de pelo menos cem por cento. – Alô! Atendi já me sentindo exausta pela conversa que ainda nem tínhamos tido. – Então é hoje que você assina o maldito contrato que te levará para o hospício? – Revirei os olhos, mas estremeci com aquela conclusão. – Bom dia para você também, Drica. Eu estou bem, obrigada por perguntar. – Adriana suspirou do outro lado, mas nada disse. – E só para deixar claro, não sabemos se de fato existirá um contrato. Até o momento não sabemos qual será a resposta dada pela problemática da Beatriz. Eu ainda não estava acreditando na loucura que meus pais me convenceram a fazer. Minha resposta em confirmação foi dada na noite de anterior, agora faltava apenas Beatriz nos informar sua decisão. Segundo seu pai, ela havia garantido que anunciaria sua decisão durante a reunião que aconteceria em poucas horas entre nossas famílias. – Você leu o que te mandei? – Não é como se você tivesse me dado escolha, Adriana. Só hoje você me mandou dez links com a mesma matéria. – Quis garantir que você não assinaria esse documento antes de ler o que está estampado em todos os sites de fofoca desse país. Clara, desde quando você se tornou tão maluca? – Desde quando meu pai não me deu muita opção. Sem casamento, perco tudo aquilo que venho batalhando para conquistar. – A custa de muito sacrifício, devo dizer. – Adriana rebateu. – Que seja! O fato é que além disso, eu ainda fico sem herança da qual tenho direito. Lembra? Acho que aquela era a décima vez que estávamos tendo aquela conversa, mas em todas elas Adriana ainda estava irredutível em entender meus motivos. – Perfeitamente! Infelizmente não tenho ouvido você falar em outra coisa que não seja o quanto sua vida se tornou uma bagunça, mas você tem competência suficiente para conseguir emprego em qualquer outro lugar, ou quem sabe construir seu próprio negócio. A menos é claro, que você se importa tanto com dinheiro a ponto de vender sua vida dessa forma. – Claro que não! Está maluca? – Fiquei indignada com a acusação descabida de Adriana. – O dinheiro é apenas uma consequência. Você sabe o quanto aquela empresa significa para meu pai. Abrir mão dela seria a maior decepção que eu poderia causar a Sr. Carlos Vasconcelos. Você sabe que ele sempre me preparou para assumir a presidência. Talvez aturar a Beatriz por dois anos seja a consequência que eu tenha que pagar por amar tanto minha família. Ao dizer aquelas palavras, a tristeza pontuou em meu coração. Eu realmente sempre fiz de tudo para que minha família se orgulhasse de mim, mesmo que isso significasse sacrificar minhas próprias vontades. – Eu sempre admirei a forma como você se esforçava para ser o orgulho da família, mas dessa vez não posso te apoiar, Clara. Você está sacrificando sua felicidade por algo que não vale a pena. Você e eu sabemos bem o motivo. – Beatriz é sem jeito, um caso perdido, patricinha mimada e inconsequente. Capaz de ferir e pisar em qualquer um que passe por sua frente. Ela é uma verdadeira catástrofe. Viu? Decorei todas as palavras que você vem incansavelmente repetindo durante esses últimos dias. Drica, eu te amo e você sabe disso. Te agradeço por tentar me fazer mudar de opinião, mas eu não vou desistir de lutar pela empresa que meu pai e meu tio construíram com tanto sacrifício, por causa de uma mulher como Beatriz. Além disso, são apenas dois anos. O que poderia dar errado em um casamento fake? Ouvi o suspiro de Adriana, eu sabia que ela não estava nada convencida daquelas palavras. – O errado já começa por aí. – Ela usava seu habitual tom de policial intimidadora. – É fake! Não existe amor, e você não merece passar por isso, Clara. – Silenciei pensando em tudo que Adriana falava. Ela realmente tinha razão, mas eu tinha meus motivos, sejam lá quais forem eles. – Você sabe que a probabilidade de sair machucada disso é enorme, não sabe? – Não respondi. – Ótimo! Fico feliz que saiba. Quero que saiba também que eu não concordo com esse absurdo, mas sou sua amiga e por isso vou estar aqui quando precisar. E eu sei que você vai. – Obrigada! – Foi à única coisa que eu consegui dizer. – Eu te amo, Clarinha. Desliguei a ligação de Adriana e voltei a olhar meu reflexo no espelho antes de seguir para a reunião que teria com Beatriz e nossos pais em menos de uma hora. Do outro lado da cidade Pov Beatriz – Que saco Beatriz. Fecha essas cortinas! Débora reclamava ainda largada na cama onde o lençol fino de cor branca lhe cobria apenas metade do corpo, deixando à mostra os arranhões que em algum momento fiz em sua costa, denunciando o quanto a noite de sexo havia sido prazerosa como tantas outras que já havíamos vivido. Débora era o que eu costumava chamar de amizade colorida. Ela e Talita, eram minhas melhores amigas desde que ainda éramos muito novas. As duas eram seres de personalidades completamente diferentes, enquanto Talita era aquela amiga que se dedicava a me chamar atenção e dizer o quanto preciso aprender a ser responsável, Débora me carregava para as baladas e me proporcionava curtir o melhor que a vida nos oferecia. Débora também era a única com quem eu costumava ficar mais de uma vez, porém não existiam sentimentos entre nós duas, que ultrapassassem amizade e desejo. Sempre deixamos claro uma para a outra que aqueles momentos eram apenas curtição e jurávamos que não deixaríamos nada atrapalhar nossa amizade. Eu gostava da companhia de Débora, com ela eu me sentia menos solitária, e admito, ela conseguia me enlouquecer como ninguém jamais conseguiu durante o sexo. Mesmo quando eu estava disposta a dizer não, Débora me tinha nas mãos, ela realmente sabia me dar prazer. Contudo, tínhamos um acordo. Ninguém além de Talita jamais poderia saber do nosso envolvimento que, aliás, era prontamente reprovado por nossa outra amiga. Talita é romântica demais, acredita na foça poderosa do amor e segundo ela, dependendo de como lidamos com ele, o amor é capaz de nos levar do céu ao inferno, por isso ela sempre fazia questão de nos alertar dizendo que aquela relação sem rótulo ainda nos causaria problemas emocionais. – Não começa com frescura, Débora. Você sabe que hoje é o dia que preciso me reunir com meus pais e a família Vasconcelos. Minha amiga finalmente despertou de mau humor. – Eu ainda não estou acreditando que você vai mesmo fazer essa loucura. Casar com aquela sem sal da Clara. É sério isso? – Nós duas sabemos que ela não é sem sal. Talvez um pouco sonsa, mas ela é muito bonita e isso você não pode negar. – Débora revirou os olhos e me esforcei para não rir. – Poxa Débora, você sabe que eu preciso fazer isso. Por mais que eu queira dizer não, como vou enfrentá-los? Estão todos unidos com a ideia que esse plano ridículo dará certo. Meu pai já está prestes a se afastar dos negócios para focar nos trabalhos eleitorais, ele precisa que eu esteja na direção da empresa e não vai sossegar enquanto isso não acontecer. – Seu desejo não foi sempre de destruir seu pai? Taí uma boa oportunidade. – Por que não para de fazer questionamentos e só me apoia? É tão difícil assim ser uma amiga compreensiva nessa hora? Nunca gostei de ser confrontada, principalmente quando isso envolvia minha relação com meu pai. – Eu só acho que essa é uma condição patética que lhe foi imposta, e que você está sendo burra em aceitar. – Olhei mortalmente para Débora. – Bea, são dois anos, não dois dias. Isso é tempo suficiente para muita coisa acontecer. – Tipo? – Você se apaixonar, por exemplo. Gargalhei com aquele pensamento tosco de Débora. Eu jamais iria me permitir me apaixonar e tornar refém de um sentimento bobo e facilmente destrutível. Ainda mais por Clara que era uma mulher completamente diferente de mim. – Você só pode estar brincando. – Falei ainda entre sorrisos. – Desde quando você deixou de me conhecer? Eu não sou mulher para me apaixonar, e aconselho que ninguém apaixone por mim também. – Então o que nós temos realmente nunca significou nada para você? Débora costumava ser sempre muito determinada, ela até parecia comigo em muitas coisas. Não era o tipo de mulher que se conformava com limitações e obstáculos que surgissem durante sua caminhada. Ela sempre luta por aquilo que acredita ou quer, e isso é uma das coisas que mais admiro nela. Mas não, eu nunca nutri qualquer sentimento por ela que não fosse amizade e gratidão pelas noites divertidas que me proporcionava. – Meu bem, o que vivemos sempre foi muito divertido e você sabe disso, mas nem eu e nem você, temos esse lado sentimental. Nenhuma de nós conhecemos o amor, a paixão. – Vi seu olhar magoado e por um momento passei a encará-la me perguntando o que estava acontecendo com ela afinal. – Ou estou errada? Minha amiga se levantou da cama cobrindo seu corpo com o lençol, passando reto por mim, porém voltou e segurou meu queixo, antes de olhar bem dentro dos meus olhos, e adotando aquela postura arrogante que sempre conheci tão bem, falou... – Claro que não minha querida. – Ela me olhava intensamente. – Você acha mesmo que Débora Menezes, cairia em seus encantos cafajestes? Não sou mulher para me prender a ninguém, nem mesmo à conquistadora, Beatriz Mendes. – Débora deu uma piscadela com deboche. – Foi o que pensei. Sorrimos em cumplicidade, antes dela entrar no banheiro já gritando para que fechasse a porta quando saísse do seu apartamento. Terminei de me arrumar e segui para a empresa onde todos provavelmente já me esperavam. Durante o caminho eu me perguntava o que poderia esperar daquela reunião, afinal aquela seria a primeira vez que veria Clara depois da briga que tivemos em sua sala. Eu sabia exatamente o porquê iria concordar com isso, mas e ela... Por que concordaria? Aquela era uma curiosidade que tentaria saná-la com o tempo. Estacionei meu carro na vaga de costume, olhei no relógio de pulso constatando que já estava vinte minutos atrasada. Droga, ouvir sermão logo cedo não era o que eu queria. Logo que entrei no ambiente, atrai muitos olhares em minha direção. Eu sabia que a dias, muitos estavam cochichando se perguntando se as fofocas que surgiram na mídia eram verídicas. Na verdade, esse parecia ser o assunto do momento daqueles desocupados. Alguns dos homens que ali estavam, eram mais afoitos e me olhavam com veneração, sem ao menos se importarem por cobiçarem a patroa. Eu sabia da beleza que possuía, mas aquela era uma das coisas que mais eu detestava nos homens, seu modo invasivo de tratar ou olhar para uma mulher. Já outros me encaravam com um claro e costumeiro temor no rosto, o que me fazia lembrar da má fama que tinha com os empregados daquele lugar. Segui em silêncio sem cumprimentar nenhum dos funcionários que avistava pelo o caminho. Entrei no elevador que dava acesso à sala do meu pai e só parei para cumprimentar a senhora Margareth, secretária antiga do Srº. Augusto. – Bom dia, dona Margareth. Tudo bem com a senhora? Simpatia não era muito meu forte, mas eu gostava daquela senhora bondosa. – Menina Beatriz, que bom vê-la por aqui. Seu sorriso era sincero, talvez um dos poucos sorrisos sinceros que eu costumava receber. – Por favor, Margareth, eu não sou mais aquela menina que você costumava prometer doces para que eu me comportasse nessa empresa. – Sorri com carinho. – Você sempre será minha menina travessa. Era impossível não me sentir querida por ela. – Eu tenho uma reunião marcada com minha família. Será que posso entrar? Ela me encaminhou para entrar na sala e já foi informando que todos os demais já estavam presentes, incluindo a família Vasconcelos. Tomei fôlego antes de abrir a porta daquela sala e me deparar com cinco rostos familiares me encarando, alguns com alivio, outros com surpresa. Isso, provavelmente, devia-se ao fato de que prometi aparecer para dar a minha resposta, mas certamente achavam que eu não apareceria. Cumprimentei a todos de forma geral com apenas um bom dia, mas parei diante da minha mãe para deixar um beijo em seu rosto. Apesar de tudo, eu já não me sentia tão brava com ela. – Filha, você está atrasada. Pensei que não viria. – Eu costumo honrar com minha palavra, dona Soraya. Meu tom não era raivoso. Confesso que até eu estava surpresa com minha calma naquele instante. Me virei e então dei de cara com ela... Clara estava visivelmente incomodada, eu diria até que nervosa, mas ainda assim seus traços davam vida a um belo rosto maquiado. Por um instante nossos olhos prenderam-se um no outro. Silenciosamente, eu me questionava o que estaria se passando em sua cabeça. – Bom dia, Clara. Tive a ousadia de me colocar diante da mulher que levantou-se para apertar com formalidade a mão que estendi em sua direção. – Bom dia, Beatriz. Nos encarávamos como se buscássemos respostas nos olhos uma da outra, ela estava ilegível e isso me intrigou. Clara costumava ser sempre muito fácil de ler, tão previsível, mas não naquele momento. O silêncio na sala foi quebrado pela voz rouca do meu pai que tinha um pequeno sorriso de canto nos lábios. – Já que honrou sua palavra vindo até aqui Beatriz, acho que agora podemos começar a conversar, mas antes vamos direto ao ponto, precisamos saber qual foi sua decisão a respeito do acordo que lhe propomos. Me sentei de frente para Clara que evitava me olhar. Qual o problema dessa mulher? Ela não costumava evitar me olhar. Bem, talvez durante a nossa briga na última vez que nos vimos em sua sala, eu tenha pego um pouco pesado e isso deve ter assustado a outra. Pov Clara Depois do pequeno contato que eu e Beatriz tivemos ela sentou-se de frente para mim. Seus olhares intensos me deixavam incomodada. Por alguma razão desconhecida sentia-me desnuda diante daquela mulher. Decidi não encará-la quando seu pai perguntou a respeito da sua decisão, aquele ar arrogante de Beatriz era extremamente irritante e tudo o que eu menos queria era perder o controle, caso a resposta viesse acompanhada por algum dos seus shows prontos. – Eu quero deixar claro que eu acho isso tudo uma grande palhaçada. – Beatriz começou sua narrativa quase me fazendo esquecer como respirar. – Sinceramente não acredito que seja com um casamento fajuto que vocês vão convencê-los de que sou o que eles precisam. E na verdade eu nem quero ser, não me importo com nada disso aqui, tão pouco com o que eles pensam sobre mim. – Vi meu pai se remexer impaciente na cadeira que ocupava ao lado do tio Augusto, que por sinal estava com a mão fechada em punho tentando conter o nervosismo. – Mas decidi surpreender vocês e aceitar essa proposta ridícula. No entanto, existe uma condição. Todos arregalaram os olhos diante daquela resposta. Ela realmente não mentiu quando disse que havia nos surpreendido. – E o que você quer Beatriz? Seu pai lhe perguntou da forma mais paciente possível, talvez por medo dela voltar atrás. – Farei o que deseja, contanto que após passar o tempo determinado o senhor me transfira toda minha herança para que eu faça o que bem entender com ela, e que esqueça de uma vez por todas que continuarei nessa empresa como herdeira da vice-presidência. – Você está abrindo mão da minha empresa? Do nosso patrimônio? – Tio Augusto parecia indignado. – Você disse bem, essa é a sua empresa, o seu sonho, não o meu. É isso ou nada. Ambos duelaram durante longos segundos que para mim, pareceram uma eternidade. Todos nós permanecíamos em silêncio assistindo aquele embate e por um instante pude notar a ironia do destino bem diante dos meus olhos. Por mais que Beatriz recusasse qualquer coisa que lhe aproximasse do pai, ela estava nos mostrando o quanto era tão igual a ele, determinada e imbatível. Ela não temia, não recuava, não desistia. – Muito bem. Se é o que deseja, apenas faça o que tem de fazer agora, que lhe dou minha palavra de atender sua condição no futuro. – Dois anos e nenhum dia a mais que isso. – Ela bateu o martelo. – Concordo! – Ele acatou. Passamos a ouvir o que nossos pais tinham a dizer sem ao menos trocarmos olhares. O contrato basicamente estipulava que as condições reais da nossa relação jamais deveriam ser expostas para terceiros, isso era primordial para que não fosse vazado pra mídia e principalmente para os acionistas da empresa e diretório do partido do tio Augusto. O mesmo estipulava ainda que Beatriz passaria a honrar seus compromissos na M&V Construtora. Olhei de relance para Beatriz, quando essa cláusula foi lida, e era perceptível que ela não estava nada feliz com aquilo, mas permanecia ouvindo tudo em silêncio. No quesito imprensa era pontuado que Beatriz deveria permanecer longe das manchetes, ou seja, nada de farras, álcool, namoros, brigas, má educação com os repórteres... Uma verdadeira reeducação. Todos estavam de acordo que deveríamos ter alguns meses para agirmos como namoradas, ou seja, precisaríamos plantar convicção daquela relação para que a mídia “engolisse” aquele namoro repentino e posteriormente o noivado. – Então é isso. A partir de agora vocês serão oficialmente namoradas e devem comportar-se como tal quando em público. Precisamos fazer com que essa história seja aceita o quanto antes. – Meu pai explicou com uma simplicidade assustadora. – Que ridículo! Beatriz resmungou com cara de tédio, mas antes que pai e filha entrasse em confronto tia Soraya desandou em falar. – Exatamente! Isso será uma bomba e um prato cheio para gerar falatórios que irão colocar o histórico do comportamento inadequado da Beatriz em xeque para atingir o Augusto. Você está pronta para isso, Clara? Eu que até então não tinha falado nada, não me sentia pronta sequer para responder aquela pergunta da tia Soraya, como poderia estar pronta para o que viria pela frente? Olhei para Beatriz que me olhava de forma debochada, ela parecia se divertir com meu espanto repentino. De repente uma raiva invadiu meu coração quando conclui que ela me achava uma bonequinha quebrável e que somente ela poderia enfrentar aquela situação com louvor. Claro que limpar o histórico horroroso da mulher inconsequente que ela demonstrava ser, não seria nada fácil, mas se ela achava que eu não sei lidar com desafios estava muito enganada. – Limpar as burradas da sua filha não é nada agradável, o desafio será longo, mas não será impossível. Nada com o qual eu não possa lidar. Meus olhos encontraram-se com os de Beatriz que não parecia ter ficado nada feliz com a resposta que ouviu. Dessa vez foi dos meus lábios que surgiu um sorriso debochadamente vitorioso. Quando pensei que o assunto havia sido finalizado Beatriz voltou a falar. – Se é para eu trabalhar com seriedade nesse muquifo, então que seja ao lado dela. – Ela apontou em minha direção me causando espanto. – Não é fácil aguentar uma santinha toda certinha, mas devo admitir que não conheço todo o funcionamento dessa empresa e não quero precisar ficar me reportando a funcionário algum. Então que seja a Clara imaculada a fazer a boa ação. O sorriso debochado de Beatriz me dava certeza que aquela não seria uma tarefa fácil, mas nossos pais pareciam satisfeitos com a condição da outra e eu pelo visto não teria outra opção que não fosse ser a babá da mulher encrenca. Apenas concordei com tudo que foi exposto sem falar nada a respeito. Na verdade, eu não sabia ao menos o que estava sentindo com tudo aquilo.
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