Capítulo 4

1946 Words
Mais um feriado em família na fazenda dos meus avós. Todos se esforçam em comparecer aos eventos familiares e manter as aparências, mas é raro quando não acontece alguma briga. Eu até gosto dessas reuniões, mas hoje eu esqueci meu biquíni e esse calor insuportável está me deixando m*l humorada. Além de o Davi ter brigado com seus pais e saído a cavalo por aí. Agora eu estou presa aqui, morta de calor e sem ele por perto. Bom, ele nem sabe que eu gosto dele, mas só de ficar próxima a ele eu me dou por satisfeita. Todos parecem estar aproveitando a piscina e nem parecem perceber minha infelicidade, saio pelo portão em direção ao jardim da minha vó, inconscientemente chego à entrada da sede da fazenda onde há horas atrás eu vi meu primo de 15 anos sair a cavalo. Onde será que ele está? Olhando para trás e vendo todos se divertindo na área da piscina chego à conclusão de que ninguém irá sentir minha falta se eu resolver dar uma voltinha por aí. A fazenda dos meus avós é grande, além da sede onde eles vivem há uma estrada que leva ao curral, às plantações e às cachoeiras. Resolvo seguir pela estrada e se alguém me perguntar digo que foi tédio, mas a verdade é que não me aguento sabendo que ele está por aí. Depois de quinze minutos de caminhada meu coração pára quando vejo o cavalo dele amarrado à porteira do pasto onde fica à plantação de milho, há uma cachoeira atrás das plantações e quando dou por mim eu já estou indo para lá. A cachoeira é envolta por bambus gigantes impedindo a visão de quem está de fora, o barulho da água é a única evidência do que tem lá dentro, e à medida que eu me aproximo o barulho fica cada vez mais alto. Quando eu finalmente atravesso o bambuzal eu vejo o Davi só de sunga deitado em uma pedra enorme que fica bem meio no meio da cachoeira como se fosse uma ilha. À minha direita, pedras menores formavam uma pequena queda d'água, enquanto que a esquerda a água se acumulava formando uma grande piscina, a grande pedra onde o Davi estava fica bem no meio dessa piscina. As pedrinhas no fundo da cachoeira deixavam o terreno bem irregular e difícil de andar e quando o rio estava cheio e com a água muito escura ficava tudo muito mais perigoso porque além de não ver onde pisava a correnteza era muito forte e te levava para a queda d'água. Eu conheço bem o lugar porque costumamos vir sempre aqui e é bem ali naquela pedra que ficamos todos juntos sentados ou dando grandes saltos na água. A roupa dele está na margem bem próxima a mim enquanto que ele está deitado lá com o cabelo completamente molhado revelando que ele estava nadando há pouco tempo atrás. O cabelo dele é tão preto e caído nos olhos que ele parece um índio, principalmente quando ele está bronzeado e a pele dele fica mais morena do que já é. Eu adoro o jeito que ele passa a mão no cabelo pra tirar dos seus olhos. Antes que eu perceba piso em um bambu seco que acaba partindo e fazendo o maior barulho. Merda! Ele se levanta e me vê parada ali como uma perseguidora. - O que você está fazendo aqui? - ele diz surpreso e meio zangado. - Eu estava andando por aí e vi seu cavalo amarrado. Aham. Super normal. - E o quê você estava fazendo andando por aí? Ele podia parar de fazer perguntas que eu não posso responder! - Está um saco lá e eu não trouxe biquíni hoje. O barulho da água é tão alto que é preciso falar alto pra que sejamos ouvidos na distância em que estamos. Ele termina de se levantar cai na água e vem na minha direção, ele é ainda mais bonito na água. Ai Nossa Senhora dos Primos Bonitos! - Porque você não entra? - ele diz agora mais gentil. Ele está sendo gentil? Eu acho que parece meio abobalhada e a súbita mudança de humor dele me deixa ainda mais confusa. - Eu não estou de biquíni. Ótimo dia para ser uma esquecida. - E daí? - a voz dele fica mais rouca. - Eu não posso molhar minha roupa! - Respondo. - Então tira. Oi? Tirar minha roupa? Ficar semi nua? Eu devo ter feito a cara mais estranha do planeta porque quando ele olha a minha expressão cai na gargalhada me deixando profundamente sem graça. - Eu estou brincando! Anda, cai na água logo, daqui a pouco você já está seca de novo. Não vai, Amanda, tenha um pouco de compostura pelo menos uma vez na vida! Outro dia, outro dia eu tenho... Tiro minha sandália e me aproximo mais da margem, ele estende a mão pra me ajudar a entrar. - O rio está vazio, não tem perigo. Quando entro no rio com a água batendo no meu joelho ele me puxa me fazendo cair na água e me molhando toda e a gargalhada dele ecoa por todo o lugar. Idiota! - Seu i****a! - grito jogando água na cara dele. - Hey, só estava te dando uma ajudinha. - ele mergulha e se afasta. - Por que você veio pra cá? - eu pergunto quando ele se aproxima de novo. - Porque lá estava um saco. - ele diz repetindo minhas palavras. - Por que você brigou com seus pais? - Porque eles são um saco. - ele responde sendo evasivo. - Eu gosto deles - digo. - Porque não são os seus pais. Ele é tão desagradável às vezes. - Por que você é tão chato? - Se eu sou chato por que você veio atrás de mim? Posso sentir todo o meu corpo ficando vermelho de vergonha e raiva. - Eu não vim atrás de você! - digo em minha defesa. - Veio sim. - ele diz olhando pra mim sem piscar. Bastardo convencido! - Você se acha, seu convencido! - digo segurando uma súbita vontade de chorar pela humilhação. Se chorar agora vai ser ainda pior. - Fiquei feliz por ter vindo. - Acho que ele percebe e muda o tom me surpreendendo completamente com o que ele diz. - Ficou? - Fiquei. - Por quê? -Porque sim. - ele diz dando de ombros. Ele é mesmo muito estranho. Mergulho e começo a nadar, passo por ele e continuo indo mais para o fundo, ele me acompanha. Ficamos alguns minutos nadando e jogando água no outro até que vamos para a pedra onde ele estava deitado antes. - Posso te perguntar alguma coisa? - ele pergunta. - Já está perguntando. - digo sorrindo. Ele ignora minha brincadeira e me pergunta: - Você já beijou alguém? - eu coro de um jeito que eu acho que nunca fiz antes, sinto até minhas orelhas arderem. - Não precisa ficar com vergonha. - ele diz quando eu não respondo. Não responde! - Não. - eu finalmente digo. Amanda, você é uma i****a! - Por que não? - Porque eu só tenho doze anos. - respondo parecendo óbvio pra mim o motivo. - Você quer fazer? - Beijar? Quem? Você? - digo nervosa. - É. - ele diz com um sorriso de menino que faz meu coração apertar. Oi? - Não. - Por que não? - ele diz meio incrédulo. - Porque parece muito errado. Até que enfim algum juízo! - Você gosta de mim? Não responde! - Gosto. - finalmente digo. Caso perdido... - Então não tem nada de errado. Ele é tão calmo, como alguém pode ficar tão calmo em uma hora dessas? Sinto como se fosse fazer xixi há qualquer minuto. - Minha resposta ainda é não. Ele é lindo, mas isso parece tão errado! Muito errado! Se minha mãe descobrir ela me mata! E o pior, e se meu beijo for r**m? Eu nunca fiz isso antes e se for uma tragédia e ele rir de mim? E eu ter que conviver com ele para o resto da vida? - E se você se arrepender para o resto da vida em não me beijar? Que convencido! - Se minha avó fosse uma bicicleta eu andava nela. Pelo menos é o que meu avô diz. Não que eu entenda muito de ditados populares, mas ele sempre diz isso quando alguém diz "e se" para ele. Ele gargalha de novo me irritando ainda mais. Ele se aproxima mais de mim deixando quase nenhum espaço entre a gente, levanta o meu queixo para olhar para ele e perco completamente o ar e a noção de tempo e espaço. Ai meu Deus! - Então diz olhando no meu olho que você não quer que eu te beije. - o jeito que ele fala me faz derreter e meu coração dispara dentro de mim. Diz que não quer! Quando eu não respondo ele começa a diminuir ainda mais o espaço entre os nossos rostos. - AMANDA! Merda é minha mãe! Levanto sem jeito com a culpa de quem foi pega no flagra, acabo tropeçando e escorregando no lodo da pedra causando a queda mais grotesca e ridícula que alguém poderia conseguir, rolo e finalmente termino na água. Mas não antes de dar o grito mais estranho da minha vida. Como uma gata. No cio. Como o momento do meu primeiro beijo se torna no momento mais constrangedor do universo? Me levanto de costas para não ver sua expressão diante do meu vexame. Ainda não consigo ver onde está minha mãe só ouço seus gritos. Graças a Deus ela não viu nada, não preciso de mais testemunhas. Antes que eu consiga alcançar a margem ela surge entre o bambuzal com os pais do Davi. - O que vocês dois estão fazendo aqui? - O pai do Davi pergunta. Eu não respondo, me sinto tão humilhada e envergonhada que m*l consigo falar. - Eu estava aqui nadando quando ela apareceu. - A voz do Davi soa bem atrás de mim me fazendo dar um pequeno pulo, não tinha percebido que ele havia saído da pedra também. - Não tenho culpa! Ele está me entregando? Maldito bastardo convencido dedo-duro! Eu acabei de confessar que gosto dele e ele me entrega como uma perseguidora? - Você, Amanda, é uma pequena irresponsável! Estávamos te procurando por todo o canto e olha pra você aí toda molhada, como se fosse uma menina qualquer completamente sem modos! -Ela grita. Alto. Ninguém entende a capacidade que a minha mãe tem de me diminuir e me constranger na frente das pessoas. É como um dom. - Você parece uma oferecida, se comportando feito uma v********a com essa roupa quase transparente na frente do seu primo! Ai! Eu só queria sumir pra sempre, talvez se eu me afundasse aqui e deixasse a correnteza me levar fosse um bom plano. - Anda, sai logo dessa água! - ela diz pra mim. Chego próxima à margem e ela puxa meu braço como se eu fosse uma garotinha de cinco anos. Parece que esse dia não tem mais fim! Saio da água com as lágrimas escorrendo, tento andar o mais rápido que posso, como se isso fosse apagar tudo. Chegamos à fazenda sem que eu tenha olhado uma única vez sequer para trás, procuro uma toalha pra me enrolar e entramos no carro com a minha mãe ainda me dando sermão pelo meu terrível comportamento. Quando o carro avança para a saída eu vejo o Davi junto dos seus pais ainda caminhando de volta, quando passamos ao lado dele ele desvia o olhar e eu faço o mesmo. Esse é o pior dia da minha vida! Depois desse dia eu nunca mais vi o Davi e nem soube notícias dele até o dia que eles se mudaram. Passei dias revivendo tudo que aconteceu e me sentindo cada vez pior! Ele nunca disse que gostava de mim. Mas você disse que gostava dele e que nunca havia sido beijada. Disse que tinha ficado feliz por eu ter ido até lá. E te entregou para sua mãe e os pais dele. E não se esqueça que você não disse olhando nos olhos dele que não queria ser beijada. Quando ele desviou o olhar foi a confirmação de que nada era sério pra ele, só uma brincadeira para um garoto entediado e cheio de hormônios. Ele estava errado sobre me arrepender de não o beijar, a única coisa que me arrependo naquele dia é de ter ido até lá.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD