Alessandro Volkov
A manhã começou cinzenta e pesada, como se o céu inteiro lamentasse o que estava prestes a acontecer. Na torre de vidro da Volkov Enterprises, eu aguardava na sala de conferências revestida de madeira escura, o tique-taque do relógio ecoando ao fundo. Ao meu lado, a tela curva já exibia os primeiros slides de nossa apresentação estratégica – metas, indicadores, cronograma. Tudo muito meticuloso, profissional… até que meus olhos se voltaram para os únicos dois lugares que realmente importavam na sala: Olivia e Arthur, sentados lado a lado, prontos para conduzir comigo o projeto mais ambicioso do ano.
Procurei manter o tom firme de quem domina cada detalhe, mas meu coração teimava em bater um ritmo próprio. Vi Arthur inclinando-se discretamente em direção a Olivia para cochichar uma sugestão. Seu lábio roçou o ouvido dela, e o rubor súbito que coloriu as bochechas de Olivia foi o estopim para uma onda de calor percorrer minhas veias. Tive de lutar contra a vontade de cortar o microfone e interromper o cochicho, de me levantar e expelir meu ciúme em voz alta, mas engoli o impulso. No centro daquela sala, com executivos importantes observando, eu precisava da fachada imperturbável de CEO.
— Bom dia a todos — comecei, a voz dominando o ambiente. — Sejam bem-vindos à apresentação de validação do projeto Orion. Olivia, Arthur, por favor iniciem com uma visão geral do escopo e dos principais indicadores de performance.
Olivia aceitou o controle do slide com um sorriso contido, o indicador laser brilhando em seu olhar. Arthur acomodou-se ao lado dela, cada movimento exalando confiança. Olhei para ambos com atenção redobrada, cada sílaba de suas falas gravando-se na minha mente, mas minha atenção dividia-se entre a apresentação e cada gesto mínimo, cada troca de olhares furtivos entre eles.
— Nosso objetivo — começou Olivia, a voz firme e clara — é expandir a operação da Volkov Enterprises para mercados emergentes na Ásia, garantindo um aumento de 25% no faturamento global até o final do próximo ano. Para isso, propomos uma matriz de riscos ajustável…
Enquanto ela explicava, percebi Arthur inclinando-se novamente, tocando o antebraço dela como quem busca direcionar a atenção para um ponto crítico do gráfico. A proximidade era quase um insulto, e senti meu estômago se contorcer. Conter meu impulso exigiu toda a disciplina que aprendi no silêncio de minha infância.
Arthur sussurrou algo tão baixo que apenas Olivia pôde ouvir, mas seus lábios se moveram numa curva de leve provocação. Ela deu um riso suave, olhou para mim — e vi minha raiva aparecer, escura e concentrada. Mantive o semblante calmo, mas um aviso slow-burning percorreu meu peito: “Não ouse ultrapassar a linha.”
Quando a apresentação chegou à seção de budget, Arthur fez um comentário técnico que poderia ter sido proferido por qualquer analista. Mas o modo como ele o fez, com um leve toque no braço de Olivia, me fez avançar mentalmente até ele, cortar o slide e tomar o microfone:
— Excelente ponto, Arthur — falei, o tom formal, o sorriso de cortesia no rosto. — Gostaria de explorar essa questão em detalhes mais tarde, comigo e com Olivia, “à tarde, em minha casa”. Creio que, ao nos reunirmos num ambiente mais privativo, poderemos otimizar a matriz de custos com maior eficácia.
Arthur franziu as sobrancelhas, surpreso por ter sido convidado — ou expulso — daquele conclave técnico. Olivia me lançou um olhar de compreensão e excitação contida, passando informalmente o indicador para mim. Fechei a sessão de slides, troquei um último elogio formal e conclui:
— Agradeço o excelente entrosamento de ambos. Acredito que estamos no caminho certo. — Engoli o que restava de meu ciúme, ainda pulsando sob a pele.
A sala explodiu em aplausos contidos e sussurros aprovadores. Vi a satisfação de Olivia ao receber um aceno positivo de vários diretores. Mas, primeiro, todos saíram em fila, menos Arthur e Olivia. Troquei olhares rápidos com o assistente ao lado e me mantive de pé, aguardando.
Quando Arthur finalmente se levantou, Olivia se virou para mim com um sorriso discreto.
— Obrigada, Alessandro. — Sua voz era mansa, mas eu soube que havia entendido minha convocação ambígua. — À tarde em sua casa, então.
Assenti, mantendo o profissionalismo.
— Perfeito. A reunião está encerrada.
Enquanto caminhávamos em fila pelo corredor, Arthur pôs a mão no ombro de Olivia, depositando-lhe no ouvido um elogio: “Você foi excepcional hoje.” Seu tom era sincero, apreciativo. Aproximei-me num instante, o corpo tenso:
— Não aprovo esse tipo de conversa — murmurei, apenas o suficiente para que Olivia ouvisse, e Arthur estampasse um sorriso constrangido. As risadinhas contidas dela e a vermelhidão no rosto dele foram minha vitória silenciosa.
A situação poderia ter terminado ali, mas havia algo mais. Olivia se afastou de mim — o brilho em seus olhos demonstrava excitação — e seguiu pelo corredor, a pasta apertada contra o peito. Tentei chamar seu nome, mas minha voz soou seca e tensa:
— Olivia…
Ela não parou. Dobrou a esquina antes que eu pudesse alcançá-la. Meu coração apertou-se com o medo de perdê-la em meio àquelas paredes de vidro. Andei em passos largos até o ponto em que a visão da escada rolante sumia, mas ela não apareceu. Um pânico frio me invadiu: onde ela fora?
Os corredores estavam vazios, iluminados apenas pelo eco rasteiro de nossas passadas. Avaliei o botão de call do elevador, mas nada. Meu terno engolia-me em silêncio, e cada segundo sem vê-la me feria como lâmina.
— Olivia! — chamei, transtornado. — Onde está?
Um assistente passava por ali, empurrando uma pilha de pastas.
— Procurando a senhora Hayes? — perguntou, sem olhar para mim. — Ela saiu há alguns minutos, disse que tinha um compromisso urgente.
Compromisso urgente. O que isso significava? A convocação de “à tarde, em minha casa” vira lembrança. Minha possessividade explodiu em raiva contida.
— Obrigado — disse, a voz grave. — Se ela voltar, me avise.
O assistente assentiu e seguiu. Restou-me o corredor vazio e a certeza de que perdera seu rastro. O tique-taque do relógio parecia zombar da minha impotência. Liguei para o celular dela. Chamadas não atendidas. Mensagens presas no limbo: “Estou esperando por você.” Nada.
Senti uma urgência de encontrá-la antes que o ciúme – ou a ansiedade – me destruísse. Desci as escadas correndo, o sapato preso na capa de carpete, as pastas de relatórios ameaçando escorregar debaixo do braço. Na saída do prédio, o ar fresco bateu em meu rosto, mas não acalmou meu coração descompassado.
Olhei para os carros estacionados, mas não vi o sedã preto dela. O estacionamento subterrâneo estava fechado naquele horário. Poderia ter descido as escadas secundárias, mas a ideia de procurá-la em cada andar me fez hesitar. Liguei de novo para ela, desejando ouvir apenas sua voz atenciosa.
— Alô? — a voz delicada veio do outro lado, e meu peito aliviou-se ao ouvir seu timbre familiar.
— Onde você está? — a palavra saiu quase num grito.
— Desculpe, Alessandro — respondeu ela, calma demais. — Tive uma emergência. Precisava sair, tenho uma coisa pra resolver.
O sangue fugiu do meu rosto. Que coisa é essa? O sangue subiu, ela estava escondendo algo e com certeza tem a ver com Arthur? Não gosto de ser i****a.
— Onde você está? — perguntei, o tom estilhaçado.
— Estou longe da empresa, tive que pegar um táxi. Agora não posso falar, tenho que ir. — explicou ela. Em seguida desligou. Olhando o celular nas minhas mãos e fico sem ação. Por que ela fez isso? Vou descobrir se ela foi se encontrar com Arthur… Não quero nem pensar.
A decepção misturou-se à raiva: havia um espaço na minha posse que Arthur, sem perceber, invadira. Eu, que queria mantê-la só para mim, sentia-me traído. Mas a razão soprou-me uma última palavra:
— Vá ficar com ele. — a voz sai rouca. — Descanse. A gente se vê mais tarde.
— Alessandro, eu… — tentou ela, hesitante.
— Boa noite, Olivia. — desliguei, sem esperar uma resposta.
O telefone caiu na minha mão, indiferente. O corredor à minha frente permanecia vazio. A noite caía, enchendo as janelas de reflexos distorcidos. O suspense cresceu em mim como uma sombra viva: onde estaria Olivia agora, between two men, entre o cuidado de Arthur e o desejo que ela nao perdera por mim?
O relógio marcava o momento exato em que o jogo de paixão e poder se tornava ainda mais complexo. Eu sabia que, quando ela voltasse, enfrentaria não só o orgulho ferido, mas o medo de perdê-la para algo que escapava ao meu controle. Enquanto as luzes da cidade se acendiam em reflexo nas fachadas, percebi que a noite só começara — e eu não estava preparado para o que viria a seguir.