Capítulo 23: Encontro na Penumbra

1079 Words
Olivia Hayes A noite lá fora já se descortinava em tons de grafite quando deixei o prédio, o celular ainda quente na minha mão. A lembrança de Alessandro, sua expressão de preocupação misturada à raiva contida, reverberava em minha mente. Eu havia ligado rapidamente, tentando explicar—ele me perguntava onde eu estava, com a voz carregada de ciúme e cuidado—mas minhas palavras se embaralharam: — Preciso resolver algo… era urgente. Falo com você depois. Desliguei sem esperar resposta. Cada sílaba havia sido verdade: algo importante me aguardava, algo que eu não podia compartilhar com ele — pelo menos, não naquele instante. O bilhete, cuidadosamente dobrado no bolso, era claro: “Venha sozinha. No portão de serviço.” Assumi-me submissa a uma convocação sinistra, consciente de que não poderia hesitar. Caminhei por ruas m*l iluminadas, o salto ecoando no asfalto. A cada passo, meu coração martelava em descompasso, ora pela adrenalina do proibido, ora pelo medo de quem me esperava. Eu era, para Alessandro, não só a razão de seu ciúme, mas o risco maior de sua ruína — afinal, o que ele não sabia, eu não podia compartilhar. O portão de serviço rangia quando me aproximei. Empurrei-o com cautela e entrei num pátio interno, abafado, onde apenas um poste quebrado iluminava meio metro quadrado de chão. Um vulto se deslocava, as costas voltadas para mim, mãos enfiadas no bolso de um sobretudo escuro. — Estou aqui — declarei, tentando manter a voz firme e conter o tremor. Ele virou-se devagar. O rosto se destacou sob a luz fraca: alto, ossos marcantes, olhos com um brilho de sadismo que me fez engolir em seco. — Olivia — saudou Sergei com aplausos lentos e sarcásticos —. Veio sozinha, como prometido. Veio submissa, exatamente como sempre deveria ter sido. A palavra “submissa” caiu como um açoite. Eu sentia as mãos suar, e o casaco parecia pesar toneladas sobre meus ombros. — O que quer de mim? — perguntei, recuando um passo. Ele sorriu, um sorriso c***l que rasgou a penumbra. — Quero que você entenda seu lugar neste jogo — disse, aproximando-se. — Você é uma réplica perfeita de Liandra, mas nada além de uma substituta; uma morena tentando tomar o lugar de uma ruiva lendária. Alessandro te ama, sim, mas nunca poderá esquecer Liandra — porque, no fundo, você é a cara dela. O choque me atravessou como uma lâmina. A antiga mulher que eu só conhecia pelas histórias sombrias de Alessandro ressurgia em mim, não como memória, mas como evidência viva. — Não… — murmurei, balançando a cabeça. — Eu não… não sou ela. Ele deu um passo ao meu encontro, deixando-me sem espaço para recuar. — Impossível negar a semelhança — continuou, um dedo varrendo meu rosto com precisão clínica. — A estrutura dos ossos, o contorno dos lábios, o queixo… Você é Liandra em outro corpo, a prova de que ele jamais superou seu primeiro erro. Engoli em seco, tentando reunir forças. A raiva de Alessandro me retornou em ondas; eu mesma me surpreendi: — Você está enganado — respondi, a voz falhando mas firme —. Alessandro me ama por quem eu sou. Ele não esqueceu Liandra; ele apenas me escolheu. Os olhos de Sergei estreitaram-se em desdém. — Amor? — zombou, recuando para o ponto mais escuro do pátio. — Ele se enganou antes, lembra? Traiu sua promessa, deixou Liandra morrer em seus braços. Se apaixonar por você é só repetir o destino. Ele ergueu o casaco, exibindo um envelope grosso, lacrado. Jogou-o aos meus pés. — Aqui está o arquivo com as provas de que Liandra não morreu por tragédia acidental, mas por negligência orquestrada. Leia — ordenou. — Então decida se quer continuar encenando esse papel de esposa substituta. Eu recuei ao mínimo possível, fingindo coragem, mas o coração afundou. Peguei o envelope com as mãos trêmulas e o abri. Os documentos dentro tinham laudos médicos, registros de conversas codificadas entre médicos e advogados que faziam de tudo para ocultar a verdade: Liandra deixara instruções a Alessandro, desejos inscritos em bilhetes secretos — e ele, por medo de que seu emprego, suas fortunas e até sua vida se arruinassem, dera ordens para que ela fosse afastada, negando-lhe o atendimento que poderia salvá-la. A revelação me esmagou. Cada palavra era uma facada na confiança que eu depositara em Alessandro e na fé em nosso amor. Senti o chão tremer sob meus pés. — Por que está me mostrando isso? — perguntei, tentando manter o olhar firme. — Para que você entenda que é apenas um eco — explicou Sergei, aproximando-se de novo. — Um eco que logo se dissipará, porque ele nunca deixará de buscar a original. As lágrimas vieram sem aviso. Eu me sentia usada, a ponte entre o passado e o presente, a personificação de um erro que ele jamais superaria. Mas o desespero e o ciúme de Alessandro se confundiam dentro de mim, gerando uma fúria inesperada. Me endireitei, segurando o envelope com força. — Não vou ser sua marionete — declarei, cada sílaba cortante. — Alessandro não me ama por ser Liandra, mas por ser quem eu sou — morena, sim, mas com sonhos, medos e coragem que ela nunca teve. E, se ele errou com ela, eu vou mostrar que o erro pode ser corrigido. Sergei estalou o riso, um som gélido. — Veremos — respondeu, virando costas. — Mas lembre-se: hoje você escolheu submeter-se ao meu jogo. E ele não perdoa quem sai do tabuleiro antes da vez. Ele desapareceu na escuridão do portão de serviço, que se fechou com um clique sinistro. Fiquei ali, as mãos sujas de documentos, o coração martelando em fúria e dor. O vento frio da noite trouxe o cheiro de asfalto molhado, e eu soube: não havia volta. O mistério de Liandra, aquele passado sombrio, continuaria perseguindo meu presente até que eu o enfrentasse — ou até que ele me destruísse. Segurei o envelope contra o peito e me dirigi à saída, falhando em conter as lágrimas. A noite parecia mais densa, o mundo menor, e o suspense me esmagava: como eu reforjaria minha identidade sem ser apenas a sombra de uma mulher morta? E, sobretudo, como enfrentaria Alessandro sem trair o que ele acreditava amar em mim? Enquanto as luzes amarelas do portão se apagavam atrás de mim, senti o peso da escolha. E eu não tinha certeza de quem sairia vitoriosa dessa partida na penumbra.
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