Olivia Hayes
Cheguei ao final do expediente tomada por um turbilhão de expectativas. O bilhete lacrado, impresso em papel espesso e perfumado com jasmim, dizia apenas “Após o expediente.” — sem remetente, mas eu supus que fosse de Alessandro. Meu coração disparou com a possibilidade de reviver os toque furtivos daquela manhã. Ajustei a bolsa no ombro, conferi o espelho quebradiço do corredor e segui em direção ao estacionamento subterrâneo, o pulso latejando em sintonia com cada passo.
O corredor longilíneo, iluminado por luzes fluorescentes, parecia engolir-me em silêncio. Imaginei Alessandro me esperando junto ao meu carro, prendendo-me num beijo de boas-vindas. Envolvi-me no casaco, criando coragem para encarar o coração que saltava — afinal, era proibido. Cheguei ao ponto combinado, perto da saída de veículos, e parei. O espaço vazio à minha frente tinha apenas uma única figura encostada no capô de um sedã preto. A silhueta era alta, o sobretudo escuro. Meu corpo instintivamente tensou-se.
— Alessandro? — chamei, esperançosa, ainda com o bilhete na mão.
O homem ergueu o olhar e, para meu choque, não era ele: era Arthur. Seu rosto bonito, sempre gentil, apareceu pálido sob a luz amarelada dos refletores. Ele suspirou, o semblante carregado de tristeza, e empurrou a aba da boina para trás.
— Olivia… — ele começou, pronunciando meu nome como quem lamenta um segredo violado.
Meu corpo ficou rígido, o sorriso escorregou dos meus lábios, e senti o rosto queimar de decepção e constrangimento. A expectativa de dominar o interdito se transformara num desconforto gelado.
— Arthur — murmurei, tentando recompor a voz —, pensei… pensei que fosse ele.
Ele colocou a mão sobre o capô e inclinou o corpo na minha direção, mas com respeito.
— Eu vi você entrar — disse, a voz baixa mas firme. — Vi você olhando ao redor como se bus… Como se esperasse encontrar outro alguém. E eu pensei que devia te procurar antes que se machucasse.
Minha visão turvou-se ao reconhecer a preocupação misturada à dor em seus olhos. O sentimento era tão intenso e confuso que não soube responder de imediato. As palavras se embaralharam na garganta.
— Eu… — gaguejei, a raiva se acendendo. — Eu agradeço, Arthur, mas… não precisava se meter.
Ele desviou o olhar por um segundo, mas voltou-o para mim com a determinação de quem não pretende ceder.
— Por favor, pare com isso — pediu ele, caminhando alguns passos mais perto. — Essa sua… essa sua atração pelo Alessandro… vai te prejudicar. Vai atrapalhar seu trabalho, sua reputação — soltou, a voz falhando. — Se envolver com o chefe não é apenas arriscado, é perigoso.
O calor subiu pelo meu pescoço e, em seguida, a indignação me dominou. Parei de engolir em seco e o encarei de frente, o semblante refletindo a fúria que ele dera voz.
— Como você ousa? — exclamei, recuando um passo. — Você acha que tem o direito de me dar lição de moral? Você, que me elogiou tanto e agora vem me criticar?
Arthur respirou fundo, os braços cruzados.
— Eu… — começou, mas a voz saiu vacilante. — Eu me importo com você, Olivia. E odeio ver você se perdendo num jogo que não tem fim.
As palavras dele me golpearam mais forte do que qualquer repreensão. A preocupação genuína era evidente: não era ciúme, era medo. Mas eu me senti invadida.
— Você não sabe de nada — respondi, a voz embargada. — Não sabe o que estou passando. Não sabe como ele me faz sentir viva.
— Viva? — retrucou ele, os olhos marejados. — Ou presa, num ciclo de fantasia e dor?
Ele se aproximou mais, um passo cauteloso, e eu recuei um instante, mas vi no rosto dele a decisão de não mentir.
— Eu juro que não vou contar nada a ninguém — prometeu, baixinho. — Mas, por favor, olhe para você mesma. Não se deixe enganar por luxúria. Ele não pode te dar tudo o que você precisa.
O silêncio se arrastou entre nós. O estacionamento ecoava nossos corações acelerados. Por um momento, Arthur se tornou um aliado inesperado — um farol de razão em meu mar de dúvidas. Mas a raiva ainda pulsava: eu não era criança para ser salva.
— Eu agradeço o conselho — falei, o tom gélido — mas não preciso que você me salve. Eu tomo minhas próprias decisões.
Ele ficou em silêncio, o olhar contrariado. Eu me virei para pegar o bilhete que ainda segurava, mas senti um peso em minha consciência: ao rejeitar Arthur, rejeitava também uma parte de mim que ansiava por segurança.
— Boa noite, Arthur. — virei de vez, pronta para fugir dali.
— Espere — chamou ele, a voz firme novamente. — Só pense no que eu disse, ok? — acrescentou, quase sem esperança.
Assenti de leve, sem vontade de olhar para trás. Caminhei até meu carro, o coração pesado. Subi ao volante, mas minhas mãos tremiam tanto que pensei em não conseguir sair dali. Fechei os olhos, inspirando o ar frio do estacionamento, tentando recuperar o equilíbrio.
Foi então que o celular vibrou no banco ao lado. Um número desconhecido. Abri a mensagem, o dedo tremendo:
“Não pense que pode brincar comigo. Pela última vez: amanhã, ao anoitecer, no portão de serviço. Venha sozinha.”
— S.
O sangue gelou. Sergei — sua assinatura, seca como um veredicto. O bilhete de Alessandro se tornara uma armadilha. Arthur fora um obstáculo que o espião colocara em meu caminho, para me fazer duvidar de tudo.
Olhei pelo retrovisor e vi-o: Arthur, parado no corredor de saída, me observando com expressão de cuidado e tristeza. O revide nas sombras pintava seu rosto com dramaticidade. Pedalei o freio e ele ergueu a mão num aceno breve, um gesto de despedida e de aviso.
O vidro do meu carro refletiu meu rosto: confuso, vulnerável, mas decidido. Eu havia sido tirada de equilíbrio em todas as direções: por Alessandro, pelo ciúme de Arthur e agora pela ameaça de Sergei. O protocolo de sedução deixara de ser um jogo secreto para se tornar armadilha mortal.
Engatei a ré e saí em disparada, as luzes do estacionamento se apagando atrás de mim. O peito ainda martelava, mas a mente girava com a urgência de preparar-me: obedecer àquela convocação — no portão de serviço, sozinha — poderia ser a única forma de retomar o controle.