Capítulo 41: Ecos na Escuridão

1215 Words
Olivia Hayes A porta do apartamento de Arthur se fechou atrás de mim com um estardalhaço que soou como um trovão na quietude da noite. Meu coração martelava tão forte que eu temia que ele atravessasse as costelas. A chave girou, o trinco se destravou — e eu me senti, pela primeira vez em horas, livre do controle sufocante de Alessandro. Mas aquela liberdade carregava um peso: o de quem abandona um refúgio apenas para correr em direção a outro abismo. Arthur apareceu na sala, o rosto iluminado pelos reflexos do corredor. O pijama amassado dava-lhe um ar casual e acolhedor, como se jamais se importasse com formalidades ou títulos. Seu olhar encontrou o meu e, sem dizer palavra, estendeu o braço como quem estende um tapete de salvação. — Entre — murmurou, a voz baixa carregando um calor inigualável. Mal tive ânimo para agradecer. Sentei-me no sofá, o corpo ainda trêmulo. Na mão, eu apertava a fotografia de Liandra que ele me devolvera, como se ela fosse a prova viva de tudo que me corroía. Arthur sentou-se ao meu lado, silencioso, permitindo que a brecha do silêncio falasse por nós. — O que aconteceu? — perguntou por fim, rompendo a névoa de pânico em que eu me afogava. As palavras surgiram entrecortadas, desesperadas: — Eu… ele me comparou a ela. — A voz falhou num soluço. — Disse que eu nunca seria como Liandra, que eu era um substituta imperfeita. Arthur inclinou o corpo e envolveu-me num abraço terno. Aquele gesto, simples, fez meus joelhos cederem. Desabei em seus braços, os ombros sacudindo-se em lágrimas silenciadas. — Ele não… não devia ter dito aquilo — balbuciou Arthur, acariciando meus cabelos. — Você não é ela. Você nunca será. Era a ajuda, a verdade simples que eu precisava ouvir, mas que soava irreal depois de tudo que acontecera. A cama de solteiro, o quarto pequeno, aquele espaço que eu só conhecia de conversas noturnas e confidências: agora virara abrigo e trincheira, um estranho refúgio em meio ao caos da minha própria vida. — Preciso entender quem eu sou — confessei, ainda inclinada sobre o peito dele, respirando seu perfume amadeirado. — Sem… sem comparações, sem fantasmas. Arthur afastou o rosto o suficiente para me olhar nos olhos. — Você é a Olivia que corre até aqui no meio da noite, procurando uma mão amiga. Você é a mulher que sobreviveu a pesadelos e continua de pé. Você é alguém com valor, com desejos, com escolhas. Aquelas palavras atravessaram minha mente como raios de sol rompendo nuvens de tempestade. Fechei os olhos e me permiti respirar. Mas, na mesma fração de segundo, senti algo mudar no ar: uma presença. Abri os olhos e virei o rosto, procurando uma brecha na cortina, um vulto na varanda estreita que se estendia além do vidro. Não havia nada além do reflexo de mim mesma, ali sentada, envolta pela luz difusa do abajur. — Arthur… acho que… — comecei, mas ele já se levantava, tenso. Sem que eu entendesse como, ele agarrou o celular e disparou um lampejo de luz em direção à porta de vidro. O campo de visão iluminado revelou uma silhueta indistinta: uma mulher encapuzada, imóvel, olhando para dentro do apartamento. Meu corpo gelou. A memória da primeira vez que vi aquela figura me invadiu de novo: passos leves, respiração contida, um rosto oculto que parecia tão familiar. Mas agora não era apenas uma sombra nos corredores da empresa, era uma ameaça concreta, às portas do refúgio de Arthur. — Quem é ela? — sussurrei, a voz engasgada. Arthur permaneceu em silêncio, mas sua mão apertou a minha. O som de nossos corações misturando-se num compasso frenético foi o único alívio que encontrei. Ele então baixou o celular e virou-se para mim, o rosto aceso por preocupação. — Não faça nenhum movimento brusco — instruiu baixinho. — Eu vou verificar. Antes que eu pudesse protestar, ele abriu a porta de vidro e saiu para a varanda. O vento noturno trouxe um ruído de cortinas esvoaçando. Por um instante, tudo ficou em suspensão — eu, sozinha na sala, sentindo cada segundo se arrastar como uma lembrança inevitável. Vi-o aproximar-se da figura encapuzada, o corpo tenso pronto para proteger. Mas, em vez de um confronto, ouvi apenas vozes abafadas. A mulher falou, a entonação grave e contida: — Ela precisa saber. Foi só isso. E Arthur voltou para dentro. O corpo dele parecia ter carregado uma tonelada de segredos. — O que ela disse? — perguntei, a garganta seca. Arthur hesitou, apoiando as mãos no batente da porta de vidro. A respiração dele vinha em sopros curtos. — “Ela precisa saber.” Repeti as palavras em voz baixa, como se elas pudessem se desfazer antes mesmo de tocar meus lábios. — Saber o quê? — insisti. Arthur baixou os olhos, incapaz de encontrar coragem para descrever. Em vez disso, seguiu-me até o sofá e sentou-se, o corpo encurvado como quem carrega culpa. — Não sei — murmurou, segurando minhas mãos. — Mas… ela não era Liandra. O coração apertou-se num nó. Uma ex-amante? Uma cúmplice de Sergei? Uma irmã? Uma inimiga desconhecida? — E por que eu a conheço tanto? — questionei, as lágrimas voltando a escorrer, misturando-se à tensão. Arthur ergueu o queixo, os olhos fixos nos meus. — Talvez seja alguém que tentou te proteger antes que eu pudesse. — Proteger? — repeti, incrédula. — Sendo vigilante por você — explicou ele, com tristeza. — Assim como eu tento fazer agora. As palavras pairaram entre nós, como se busquem um meio-termo entre mentira e verdade. Eu sentia o abrigo de Arthur, mas também a clausura de segredos que ele mantinha por não querer me assustar antes da hora. A sombra de Alessandro, no entanto, ainda se projetava gigantesca sobre nossa conversa. — Ele não pode saber disto — disse Arthur, a voz baixa, mas firme. — Se Alessandro descobrir que estou te ajudando a investigar isso, pode ficar ainda mais possessivo… e você sabe como ele reage. O nome dele soou como um aviso. A verdade era dolorosa: eu migalhava entre dois homens que se preocupavam de modos tão distintos. Alessandro com posse e controle. Arthur com cuidado e mistério. — Preciso entender — suspirei, erguendo o rosto para encarar o teto escuro. — Preciso saber quem me vigia… e por quê. Arthur aproximou-se e beijou minha testa, lento, quase imperceptível. — Vamos descobrir — prometeu, a voz suave. — Mas agora... você precisa descansar. Assenti, exausta. Ele me conduziu para o quarto, o corredor iluminado por um único abajur que projetava nossas silhuetas alongadas nas paredes. Enquanto me deitava, o calor do corpo dele ao lado me oferecia um breve alívio, mas também uma sensação inquietante de estar enjaulada, agora entre três forças opostas. Ele desligou a luz e se acomodou ao meu lado, mas a escuridão não trouxe o consolo esperado. Permaneceu o zumbido distante de perguntas sem respostas: Quem era aquela mulher? Por que se parecia tanto com a fotografia de Liandra — e por que me perseguia? No silêncio daquela noite, senti dois braços me envolverem, mas percebi que um terceiro olhar me observava, insistente, do outro lado da janela, aguardando o momento em que eu me sentiria realmente segura para atacar.
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