Alessandro Volkov
O vento gelado de novembro chicoteava as janelas da minha cobertura enquanto eu aguardava Olivia no foyer. À minha frente, a mesa de jantar emergia do piso de mármore como um altar de vidro n***o, decorada com candelabros de cristal, taças alinhadas e talheres de prata polida. Hoje, receberíamos o conselho da Volkov Enterprises para um jantar excepcional — a armação que eu preparara para desmascarar o traidor que, a mando de Sergei, vinha minando minhas defesas de dentro para fora.
Poucos dias antes, Olivia e eu descobrimos nos logs de acesso que alguém com credenciais de alto escalão vinha exportando arquivos confidenciais ao mesmo ritmo de meus downloads secretos contra Sergei. A testemunha silenciosa, Elliot, confirmara que, mesmo com o apagamento de rastros, alguém continuava entrando no sistema. Eu precisava tirar a suspeita de Olivia e atrair o infiel para a armadilha definitiva.
— Alessandro? — ela perguntou ao entrar, o vestido justo acentuando sua silhueta esguia. — O jantar está maravilhoso.
Seu sorriso iluminou o ambiente, mas eu não pude corresponder com leveza. Cada centímetro do meu corpo vibrava de tensão. Apontei para a cadeira à minha direita.
— Sente-se aqui — ordenei, tentando conter o tom imperioso que sempre surgia quando a via tão perto. — Precisamos conversar antes de receber os primeiros convidados.
Olivia obedeceu, ajeitando-se com graça, e sentei-me diante dela. Observei seu rosto, tão calmo e belo, e a culpa emergiu diante de minha estratégia arriscada.
— Eu… — comecei, seguindo meu próprio protocolo de honestidade. — Nos logs de acesso, descobrimos que alguém de alta patente exportou documentos de “ProjectLiandra” para um drive externo.
Seus olhos se arregalaram.
— Não acredito… — sussurrou ela, a voz embargada. — Quem faria isso?
— Ainda não sei — respondi, pressionando o lenço de linho sobre o volante de meu paletó. — Mas vamos descobrir. — Levantei-me, vestindo a gravata com precisão militar. — Você será… a isca.
— Uma isca? — ela repetiu, alarmada.
— Sim. — Inclinei o queixo, fixando-a com o olhar mais suave que pude forjar. — Irei convidar o traidor para este jantar. Você apresentará os novos relatórios em minha ausência por alguns minutos. Quando ele vir entrar no sistema para conferir, nós o flagramos.
Os traços de apreensão surgiram na face dela, mas a determinação se sobrepôs.
— Eu farei isso — assentiu, respirando fundo. — Vamos expor essa serpente.
Era tudo. O resto do plano fluía nos mínimos detalhes: câmeras ocultas, gravações de áudio, alerta automático para segurança privada. Mas o risco era alto: o traidor poderia fugir, derrubar nossa armadilha e enviar os arquivos antes que tivéssemos prova.
A campainha tocou suave, anunciando a chegada dos membros do conselho. Alexandre Marin, o CFO austero; Helena Duarte, uma das minhas mais antigas aliadas; e o Dr. Correa, chefe do conselho de auditoria. Cada um entrou elogiando a atmosfera requintada, mas eu m*l os via — a mente fervilhava em estratégia.
— Alessandro, — Helena comentou, sentando-se —, os serviços estão impecáveis. Mas nota-se certa tensão… Tudo bem?
Sorri, afagando sua mão em gestos de cortesia.
— Apenas entusiasmo pelo nosso novo projeto. — Ergui o cálice de vinho tinturado. — À nossa prosperidade e… à nossa lealdade.
Brindamos em uníssono. A tensão revelou-se imediatamente no olhar trocado entre eles, mas evitava focar em alguém. Enquanto conversávamos sobre metas de expansão, olhei discretamente para Olivia, que se preparava para sua parte. A música suave ecoava, mas meus ouvidos captavam além: a digitação surda de um teclado escondido, um clique de acesso remoto.
Chegou o momento. Levantei-me com elegância.
— Convidados — anunciei, voz firme —, peço licença. Olivia e eu precisamos revisar um ponto crucial no relatório antes de prosseguirmos para a sobremesa. Volto em poucos minutos.
Marin assentiu, intrigado; Correa franziu o cenho; Helena sorriu compreensiva. Guiei Olivia até a sala de reuniões contígua, as portas vidradas permitindo-me observar pelo reflexo quem ficava por último na mesa.
Assim que nos sentamos, liberei a tela do laptop no centro da mesa. Olivia abriu o relatório na mesma pasta que eu indicara, e suas mãos trêmulas pairaram sobre o teclado.
— Desculpe… — sussurrou.
— Apenas digite sua senha de apresentação — instrui, o tom suave mas autoritário. — Você vai chamar a atenção dele. Espere dois minutos. Então…
Ela assentiu, e eu me posicionei na porta, olhos fixos no corredor até a sala de jantar. O tempo era um punhal.
De repente, ao meu lado, a mão de Olivia apertou a minha — o nervosismo dela me perfurou o peito. Sussurrei:
— Agora.
Ela ergueu os olhos, firmou a postura e digitou. O log se registrou em tempo real. Eu recuei até a porta, capturando a cena pelo vidro: o servo da empresa, em traje formal, disfarçava sua entrada atrás de uma taça de vinho. Era ele — o diretor de operações, um dos meus executivos mais confiáveis… até hoje.
Ele deslizou o mouse sobre a tela da mesa de jantar, usando um tablet de apresentação que eu configurara como ponto de entrada alternativo. Vi seus dedos moverem o ícone “ProjectLiandra” e, com um clique suave, disparou o download.
— É agora — eu sussurrei, entrando na sala de reuniões.
Quando ele levantou o olhar de sua tela, encontrou meu rosto colado ao dela, olhos flamejantes. Ele se sobressaltou como se molhado pela chuva.
— Alessandro! — exclamou, a pose rígida derretendo-se em constrangimento.
— Correa — cumprimentei-o, a voz gloriosa de predador. — Aconteceu algo no seu tablet?
Todos entraram na sala de reunião com pressa. Helena franziu o cenho; Marin segurou minha manga.
— O que houve? — perguntou Marin, baixo.
— Um acesso não autorizado — expliquei, puxando o pen drive do bolso. — Diretor Correa, você “consultou” arquivos que estavam indisponíveis para sua conta. Pode me explicar?
O corpo dele tremeu — a falsa serenidade zombou dele como véu rasgado. Cocei o queixo.
— Eu… achei que tinha autorização.
— Não — respondi, o olhar implacável. — Sua única autorização era a de conduzir o conselho, não de exportar evidências de uma conspiração interna.
Olivia ergueu-se, o rosto pálido mas firme:
— Dr. Correa, esta é a prova de seu envolvimento com Sergei. Cópias completas de documentos manipulados por ele.
Ele tamborilou os dedos na mesa, e então ergueu as mãos:
— Eu… por favor, entendam — disse, a voz trêmula —, não tive escolha. Ele me ameaçou.
Os presentes se entreolharam, chocados, mas a farsa desmoronava. Eu fechei o cerco:
— Ao ameaçar um diretor de operações, Sergei comprometeu toda a empresa. E permitiu que essa traição fosse exposta hoje — graças a Olivia.
Sussurrei um elogio a ela, e ela sorriu, a tensão substituída por triunfo. Seria o fim de Correa… mas o terror de Sergei ainda pairava. Antes que eu pudesse encerrar, meu celular vibrou. Olhei para a tela e my pulse spiked — a mensagem trocada:
“Estou vendo você, CEO.”
Os joelhos me fraquejaram. Ao fundo, percebi um reflexo: a silhueta de Sergei, crude, do lado de fora do prédio, observando pela vidraça. Um último lampejo de sorriso sádico me disse que ele viera assistir ao espetáculo da minha vitória… e frustração.
— Vocês o viram? — perguntei, com a voz falhando.
No instante seguinte, as luzes se apagaram. A escuridão engoliu a sala, o tilintar de talheres suspendeu-se, e o pânico acendeu os corações. A noite entrava em turbulência, e eu sabia: estávamos no olho do furacão.