Capítulo 32: Sussurros na Noite

1006 Words
Olivia Hayes O grito sufocado da lembrança rasgou meu sono às três da manhã. Liandra—o rosto ruivo, o sorriso triste—desfilava pelos meus sonhos como um espectro acusador, sussurrando confissões inaudíveis. A escuridão no quarto de Alessandro parecia se fechar em torno de mim, o eco dos meus próprios gemidos tornando-se uma trilha de pavor. Levantei-me num sobressalto, o coração martelando no peito. Vesti apenas o roupão de seda que sobrara no cabide, esquecido após uma tarde de descanso apressado, e saí do quarto. Cada passo em direção à porta do apartamento era uma tentativa de escapar dos fantasmas que me perseguiam. A lâmpada do corredor iluminava os quadros minimalistas, mas eu não via arte ali — apenas sombras de histórias que não eram minhas. A mão trêmula girou a maçaneta, e eu deixei o silêncio da torre para trás, descendo as escadas discretamente até chegar ao térreo. O saguão vazio me recebeu sob o brilho lânguido dos lustres. Peguei o elevador, apertando o botão do segundo andar, onde sabia que Arthur dormia. O corredor de carpete amortecia meus passos. Toquei na porta dele com o punho, hesitei, e finalmente bata de leve. Passaram-se segundos que pareciam horas até ouvir o som seco de uma camurça de slipper aproximando-se. — Olivia? — A voz sonolenta de Arthur soou por debaixo da porta. — O que faz aqui a essa hora? — Não… consigo dormir — respondi, esforçando-me para não tremer. — Preciso falar com você. A porta abriu. Arthur estava de pijama de linho e um roupão leve; o cabelo bagunçado, os olhos inchados. Convidou-me sem perguntar, fechou a porta e trancou-a. Sentou-se na poltrona junto à janela, A luz pálida da rua entrava pelos cortinados. — Sente-se — ofereceu, estendendo a mão para que eu fizesse companhia. Me acomodei no sofá, tentando conter a respiração. O conforto do tecido abafou parte do frio, mas eu ainda sentia o coração despedaçado. — Tive outro pesadelo com Liandra — confessei, a voz falhando. — Ela… ela me culpa por ter me aproximado de Alessandro. Diz que vou repetir o mesmo erro. Arthur inclinou-se para frente, as sobrancelhas franzidas em compaixão. — Liandra morreu por falhas de outros, não suas — disse, segurando minha mão. — Você não é ela. E Alessandro te ama de modo diferente. As palavras dele me aqueceram momentaneamente, mas a sombra de minha culpa persistia. — Eu sei… Mas a lembrança do incêndio, da negligência, do silêncio dele… tudo volta em mim. Sinto-me dividida entre o medo do passado e a esperança do presente. Arthur fez um gesto terno, afastando o cabelo dos meus olhos. — Você não está sozinha. — A voz dele se quebrou num tom quase materno. — Eu estou aqui, se precisar de um ombro. Encarei o rosto dele, tão próximo, e senti uma inquietação inesperada. Arthur representava a empatia simples, o cuidado sem exigências. Mas meu compromisso com Alessandro, o homem que prometera me proteger com possessividade, pesava como correntes invisíveis. — Obrigada — respondi, tentando sorrir. Mas o peso no meu peito não se dissipou. — Eu realmente aprecio isso. Ele sorriu com tristeza, e eu quis ficar ali, envolvida naquele abraço sem medo de acordar para ordens, horários e protocolos. Mas, ao fechar os olhos um instante, imaginei Alessandro. Sua voz, grave e autoritária, dizendo: “Saia daqui. Você pertence a mim.” A culpa corta tão fundo quanto a lujúria. Respirei fundo e levantei-me. — Preciso ir — murmurei, abraçando-o rapidamente. — Alessandro deve estar… preocupado. Arthur recuou, o corpo desabando na poltrona. — Tenha cuidado — disse, tocando meu braço. — E que seus sonhos não te abandonem tanto quanto a mim agora. Assenti e segui de volta ao elevador. Cada andar parecia uma eternidade, alfinetadas de melancolia cortando meu coração por ter deixado ali um pedaço de paz. Quando entrei no apartamento de Alessandro, a escuridão reinava. Corri até o quarto, empurrei a porta e o encontrei sentado na cama, olhando para o nada. O terno dos dias anteriores fora trocado por um roupão escuro, a gravata pendurada num cabide. A expressão dele se iluminou com alívio ao me ver. — Onde esteve? — perguntou, a voz baixa, porém firme. — Meu celular não parava de tocar seu nome. — Fui… até a casa de Arthur. Não conseguia dormir. — Sorri triste, deslizando para junto dele. — Arthur? — o tom dele misturou surpresa e ciúme contido. — Por quê? Tentei medir as palavras, mas o turbilhão de emoção me venceu: — Ele me ajudou a acalmar a mente. Arthur é… um amigo, Alexandre. Ele ergueu um cenho sombrio. — Precisa conversar sobre tudo comigo primeiro — disse, usando o pronome possessivo que me fazia estremecer. — Você pertence a mim. A voz dele carregava o humor n***o de um senhor que se gaba de sua posse. Atraída ao magnetismo de seu corpo, senti o rosto corar. — Eu sei — respondi, a respiração acelerada. — Mas… às vezes, o medo me consome. Ele se aproximou, erguendo o queixo, e acariciou meu rosto: — E eu sou seu escudo contra esse medo. A ternura naqueles dedos arrancou a última resistência. Deixei-me cair nos braços dele, a escuridão do medo substituída pela luz voraz de sua posse. Ele beijou-me num gesto tão urgente quanto possessivo, como se cada lábio fosse um lembrete de que eu era sua — e só dele. No entanto, enquanto me perdia na alcova proibida, a sensação de ser vigiada não me abandonava. Ainda sentia o olhar de Sergei, invisível, observando-me decidir entre o calor de dois homens. E, no fundo, eu sabia que, apesar de estar segura nos braços de Alessandro, havia uma sombra fatal que aguardava o momento certo para nos assombrar de novo. Por fim, adormeci, entre cacos de sonhos e promessas de proteção. Mas, ao fechar os olhos, ouvi o sussurro gélido: “Estou sempre observando.” E a noite tornou-se ainda mais longa, tão densa quanto as histórias não contadas de Liandra.
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