Alessandro Volkov
O vento da noite soprava entre os cristais do meu apartamento no alto da torre, uma trilha sonora gélida para o turbilhão que me consumia. Sentei-me junto à ampla janela curva da cobertura, de onde eu dominava a cidade inteira, mas nada podia domar o caos que eu sentia por dentro. O reflexo no vidro mostrava meus olhos, escuros como brasa, fixos nas luzes que cintilavam lá embaixo. E eu pensava em Olivia—onde estaria ela agora? Confiando em mim… ou naqueles papéis sujos que Sergei plantara em suas mãos?
A revelação de que Olivia era, de certa forma, o “espelho” de Liandra rasgou a fratura já aberta em nossa relação. Eu me sentia dilacerado entre o impulso de protegê-la das mentiras e o medo de confrontar Sergei, cuja crueldade parecia inesgotável. Se impedisse a corrupção de minha empresa, colocaria-a em perigo imediato. Se desviasse o foco para meu amor por Olivia, estaria repetindo o mesmo erro que levara Liandra à ruína.
Levantei-me e caminhei até a escrivaninha de mogno escuro, onde os documentos de Sergei ainda descansavam, trêmulos sob a luz de um abajur. Eram cópias frias e precisas de contratos médicos, bilhetes codificados, relatórios de negócios — cada página uma prova de manipulação. Eu os fitava como relíquias de um crime antigo, tentando decifrar quem colaborara com Sergei, quem dentro da minha própria equipe estivera disposto a vender Liandra pela manutenção do poder.
— Não vou repetir meu passado — sussurrei ao vazio.
Folheei novamente as cópias e tracei uma linha imaginária em cada assinatura, cada selo oficial. Havia funcionários cujo carimbo parecia colocado às pressas, como se temessem minha investigação. Desenvolvi um mapa mental das manipulações: o departamento jurídico, um clínico cúmplice, um executivo que desaparecera misteriosamente logo após Liandra adoecer. Instrui meu assistente virtual a vasculhar logs de acesso, e-mails antigos e registros bancários — cada pista era uma peça de xadrez que eu precisava posicionar antes de dar o xeque-mate em Sergei.
Minha mente, porém, não permitia distração total. As lembranças de Liandra retornavam como lâminas de vidro. Lembrei-me da primeira vez que a vi — sua pele ruiva como brasa, o sorriso tímido ao aceitar minhas ordens, o modo como entregara sua confiança em meu comando. Revivi a sensação de êxtase que corria pelo meu corpo quando ela se depunha aos meus pés, e em seguida, o desespero quando o incêndio consumiu nossa promessa de eternidade. Liandra morrera não apenas por falha médica, mas por minha própria covardia de não zelar por ela como deveria. Agora, o espírito dela parecia sussurrar que eu repetiria o mesmo erro com Olivia.
Abri o cofre eletrônico embutido na escrivaninha e retirei um pequeno estojo de couro: dentro, um pingente de prata com a letra “L”. Era a única lembrança física que eu guardara de Liandra. Segurei-o firme, sentindo seu peso metálico e a urgência de transformá-lo numa promessa.
— Eu não falharei de novo — prometi, olhando meu reflexo no cristal.
As horas passaram num turbilhão de planejamentos. Enviei mensagens criptografadas a dois aliados leais — minha chefe de segurança pessoal, e o advogado de confiança — instruindo-os a preparar dossiês, escutas e vigilância intensiva. Mas, enquanto eu municiava meu contra-ataque, uma sombra de dúvida me consumia: Olivia confiaria em mim ao saber que eu investigava-a — em parte — como eco de Liandra?
O som agudo do celular cortou meu raciocínio. Atendi com a respiração contida:
— Alô?
Do outro lado, uma voz feminina, distorcida, riu baixinho. Era aquela risada sádica que eu conhecia.
— CEO Volkov… acredito que você desejará ver isso — murmurou a gravação, e um clique indicou que recebera um vídeo.
Meu coração pulsou forte enquanto abria o anexo no telefone. A tela mostrou Olivia: ela caminhava num corredor estreito de pedras brutas, iluminado por tochas tremeluzentes. Reconheci o local: as catacumbas antigas sob o prédio abandonado de um antigo parceiro meu, ao qual eu não ingressara desde o escândalo de Liandra. Ela andava com determinação, mas uma aura de incerteza marcava seus passos. Logo após, ela surgiu diante de uma porta de ferro enferrujada — totalmente fora do parque corporativo seguro. Vi o instante em que ela tocou o batente, hesitou… e entrou num espaço de sombras tão densas que m*l distingui suas mãos.
Fechei a tela com um estalo. O pulsar no meu peito explodiu em fúria contida.
— Olivia! — gritei, sabendo que era inútil. A gravação havia sido enviada para mim, não para ela.
Sergei estava à minha frente, invisível, conduzindo-a para um lugar proibido. O bilhete a convocara ao portão de serviço; agora, ele a atraíra para o labirinto das catacumbas, onde se perderia entre ecos de segredos enterrados. O antigo depósito de memórias de Liandra residia ali — um trono de pedra onde herdeiros impuros se confrontavam com o passado.
Levantei-me numa explosão de adrenalina e pisei no acelerador — ou melhor, numa ordem mental para minha assistente de segurança. Ela apareceu ao meu lado no elevador em segundos, pronta para me acompanhar.
— Vamos proteger a Senhora Romano — determinei, sem fôlego.
Ela assentiu, já abrindo a tela de vigilância noturna: câmeras infravermelhas no subsolo ativo, portas de emergência abertas, todos os sensores disparados. O sistema tentava rastrear Olivia, mas havia um atraso de sinal. Cada segundo de incerteza me corroía.
— Rastreie pelo Bluetooth do telefone dela — ordenei.
Enquanto aguardávamos a localização aproximada, tentei manter o controle. O espaço amplo da cobertura me sufocava, o abismo entre mim e ela se expandia num vão de concreto e fumaça. Lembrei-me da suavidade de seus lábios, do calor do seu corpo, e senti o peso de cada falha de Liandra.
— Eu não vou falhar — murmurei.
Por fim, o painel mostrou o ponto exato: as catacumbas abaixo do antigo prédio do consórcio Kars. Era o mesmo lugar onde aquelas portas de ferro guardavam arquivos médicos e fitas confidenciais de Liandra. Agora, Olivia caminhava entre ossos de segredos, inconsciente do perigo real.
Desci em disparada no elevador de serviço, a grande cabine vibrando de velocidade. Minha pulseira de segurança emitia luz verde enquanto eu passava dos controles de acesso. Assisti as portas se abrirem num corredor subterrâneo estreito, iluminado por lâmpadas de alta voltagem. Cada passo meu fazia eco, uma contagem regressiva até encontrá-la — viva ou ferida pelo passado que Sergei arquitetara.
Finalmente, cheguei à porta enferrujada. Abri-a com a chave-mestra, o rangido metálico sobrepujando meu coração. Dentro, o ar era úmido, carregado de cheiro de mofo e história esquecida. As paredes de pedra respiravam segredos, e eu seguia o rastro da figura feminina à minha frente: Olivia, cautelosa, tocando os relevos de antigas inscrições, o rosto pálido sob a luz trêmula.
Chamei seu nome, e ela se voltou, os olhos arregalados ao me ver.
— Alessandro! — exclamou, alívio e medo misturados no tom. — Como…?
Aproximei-me, tomando sua mão gelada nos meus dedos, e ela se encolheu contra meu peito, lágrimas brilhando no escuro.
— Não confirma as palavras dele? — perguntei, visível a frustração. — Que você não passa de uma substituta de Liandra?
Ela respirou fundo, tentando recompor-se.
— Eu… sei quem sou — respondeu, a voz falhando mas firme. — Não sou ela.
Segurei seu rosto entre as mãos, os polegares enxugando suas lágrimas.
— Eu a amo por quem você é, Olivia. — A verdade explodiu na garganta, trazendo alívio e vulnerabilidade. — Não por causa de Liandra, mas apesar dela.
Ela me encarou, e por um momento, todo o mistério e medo se dissiparam. Suas mãos subiram ao meu pescoço, e seus lábios encontraram os meus num beijo desesperado, marcado por urgência e paixão. As paredes úmidas das catacumbas se tornaram testemunhas silenciosas de nossa entrega renovada, enquanto eu provava que meu amor era único, não um eco de um passado em ruínas.
No entanto, mesmo enquanto a puxava para mais perto, sentia a presença de Sergei — um vulto invisível a observar. Apesar dos beijos, o suspense não se quebrava: o passado sussurrava promessas de vingança, e eu sabia que nossa batalha apenas começava.
Foi quando ouvi um sutil ruído de metal contra metal, longe — ou talvez bem atrás de mim. O riso suave de Sergei ecoou no corredor, como um aviso:
— Bravo, CEO Volkov. Mas cuidado para não usar a mesma estratégia da outra vez.
O eco daquela voz fria reverberou pelos túneis, e senti o pavor retornar. Segurei Olivia mais firme, o corpo tenso, pronto para lutar. A fragilidade do amor e a escuridão da vingança se entrelaçavam no silêncio subterrâneo.
E ali, entre sombras e reflexos, entendi que este “espelho” que eu enfrentava era duplo: refletia Liandra e também o medo de me perder novamente. O caminho de volta à luz seria traiçoeiro, mas eu a protegeria — não como um senhor, mas como um homem errante em busca de redenção.
Enquanto a pegava pelo braço e saíamos das catacumbas, o último lampejo do riso de Sergei ecoou, carregado de desdém:
— Até breve, CEO Volkov. Até breve.
E, mesmo ressoando longe, suas palavras soavam como uma sentença: o jogo estava apenas começando.