Olivia Hayes
Acordei sentindo o mundo girar, o gosto metálico do medo secando minha boca. Meus pulsos ardiam, presos por cordas ásperas que escavavam a pele, e meus olhos ardiam, tentando se ajustar à penumbra de um lugar que tinha cheiro de ferrugem, poeira e pânico. Estava deitada sobre um chão gelado, umidade penetrando na roupa, os ombros doendo pelo desconforto da posição. Por alguns segundos, tudo o que ouvi foi o som abafado do meu próprio coração.
Minha cabeça latejava, uma mistura de confusão, medo e raiva correndo por minhas veias. A última lembrança era de passos ecoando no galpão, vozes sussurradas, uma mão grosseira em meu braço e, logo depois, escuridão. Um vulto. Lembro de um vulto passando por mim, um cheiro desconhecido de cigarro e alguma fragrância masculina — não era Alessandro, disso eu tinha certeza.
Comecei a me debater, buscando qualquer folga nas cordas, mas elas estavam firmes demais. Meus lábios se apertaram, uma mistura de frustração e humilhação me invadindo. Não era só o medo; era o gosto amargo da impotência. O que Sergei queria? Por que Alessandro não estava aqui? E por que eu — sempre eu — parecia cair em enredos que eu mesma não controlava?
Foi quando ouvi o barulho de uma porta pesada se abrindo e, segundos depois, passos apressados ecoando pelo chão de concreto. Reconheci o compasso — o andar de Alessandro, firme, marcado por pressa e algo quase desesperado. Senti um nó na garganta: alívio e raiva em doses quase iguais.
— Olivia! — Ele veio até mim, ajoelhando-se ao meu lado, as mãos trêmulas deslizando pelas cordas. — Meu Deus, você está bem? Ele te machucou?
— Só me deixou aqui — consegui responder, a voz rouca, cheia de dor e indignação. — Achei que… achei que você não fosse chegar a tempo.
Alessandro puxou um canivete do bolso e, em poucos segundos, cortou as amarras dos meus pulsos e tornozelos. O toque de seus dedos na minha pele era urgente, possessivo, mas carregava algo mais — uma culpa sufocante.
Caí nos braços dele, sentindo a rigidez de seu corpo e o cheiro familiar de sua pele, agora misturado com suor e adrenalina.
— Eu deveria ter chegado antes — murmurou, os lábios tocando minha testa. — Eu juro, Olivia, eu vou matar esse desgraçado por ter tocado em você.
Queria dizer que estava tudo bem, que eu era forte, mas as palavras não saíam. Deixei que ele me levantasse e me carregasse até um canto menos úmido do galpão. Sentei ali, abraçando os joelhos, tentando encontrar algum controle sobre meus pensamentos.
Foi então que Alessandro encontrou o bilhete. Ele estava cravado em uma viga enferrujada, preso por um canivete idêntico ao de Alessandro. A tinta preta, firme, quase artística.
Ele leu em voz alta:
"Sei que veio buscar seu brinquedo, Alessandro. Mas, veja bem, esse não serve para o jogo. Não nasceu para ser submissa — você deveria ter aprendido com Liandra que alguns não foram feitos para dobrar. Esqueça o brinquedo. Brinque com fogo e vai se queimar de novo."
O silêncio que se seguiu foi mais assustador do que qualquer ameaça explícita. O nome — Liandra — pairou no ar, pesado, afiado. Olhei para Alessandro e vi o choque misturado ao furor tomar conta do rosto dele. Seus olhos ficaram escuros, tão ameaçadores quanto os de um animal ferido.
— O que isso significa? — perguntei, incapaz de segurar a inquietação. — Quem é Liandra? Por que ele me chama de brinquedo? E por que eu não serviria…?
A voz falhou, a vergonha de não entender aquela lógica c***l me atingindo em cheio. Eu nunca havia me considerado submissa, nem sabia o que aquilo realmente implicava no universo sombrio de Alessandro. Tinha medo das sombras, sim, mas sentia desejo por elas também — e, mesmo sem entender as regras do jogo, eu queria jogar. Ou será que não? O bilhete de Sergei era como um espelho: será que eu realmente não era feita para ser domada?
Alessandro virou-se para mim, engolindo a própria fúria, os olhos fixos em um ponto invisível.
— Liandra foi alguém do meu passado — ele disse, quase sem som. — Alguém que Sergei tirou de mim, muitos anos atrás.
— E ela… também era “submissa”? — arrisquei, sentindo o gosto estranho da palavra na boca.
Ele fechou os olhos, como se isso doesse fisicamente.
— Era mais do que isso. Liandra… Ela se entregava a mim, mas nunca do jeito que eu esperava. Sempre havia uma rebeldia nela, uma recusa em ser totalmente minha. Eu… eu a amava, mas nunca consegui domá-la de verdade. Isso acabou… custando caro.
O silêncio se instalou novamente, mas agora era carregado de perguntas. Quis perguntar se ele me via como um substituto, como uma segunda chance. Quis saber se, para ele, eu era só um novo brinquedo — e, se fosse, por que doía tanto ouvir aquilo de Sergei, por que eu queria tanto provar que podia ser mais?
Minhas mãos trêmulas buscaram o bilhete. Os dedos deslizaram sobre o nome de Liandra e, de repente, a lembrança voltou com violência: antes de apagar, eu vi um vulto masculino atravessar o galpão, rápido e silencioso. Não era Sergei, não era Alessandro. Mas o olhar — mesmo na escuridão, senti a promessa de perigo. Meu peito se apertou.
— Alessandro — sussurrei, os olhos arregalados. — Tinha mais alguém aqui. Antes de eu desmaiar… não era Sergei, era outro homem. Ele ficou me observando, tenho certeza.
Ele me puxou para perto, os braços como ferro ao meu redor.
— Você lembra de mais alguma coisa? — perguntou, a voz dura, controlada.
Fechei os olhos, tentando buscar detalhes. O cheiro de cigarro barato, talvez um perfume amadeirado. Sussurros distantes, passos leves. E a certeza de que, mesmo depois da partida de Sergei, alguém ainda estava naquele galpão, apenas esperando.
— Não sei quem era — admiti, os olhos cheios de lágrimas. — Mas sei que não estou segura. Nem você está.
Alessandro apertou meu rosto entre as mãos, forçando-me a olhar fundo em seus olhos.
— Você está comigo agora, Olivia. Ninguém vai te machucar. Nem Sergei, nem mais ninguém. Eu prometo.
Quis acreditar nele. Quis encontrar segurança naquele abraço, naquela promessa. Mas a dúvida já se espalhava como veneno: e se eu realmente não pertencesse a esse mundo? E se o que eu sentia fosse só a ânsia de liberdade, e não um desejo verdadeiro de entrega? O bilhete de Sergei pulsava em minhas mãos, e o nome de Liandra latejava como uma maldição.
Deixei que Alessandro me carregasse para fora daquele lugar, o sol já nascendo e dissipando as sombras do galpão. Mas dentro de mim, nada parecia realmente claro. No fundo, eu sabia: Sergei ainda não tinha terminado seu jogo. E talvez, para mim, o jogo estivesse apenas começando.