Capítulo 30: Circuito de Olhares

1263 Words
Olivia Hayes O relógio marcava pouco mais de quinze horas quando Arthur apareceu diante do meu cubículo, segurando duas xícaras de café com o logo prateado da Volkov Enterprises. Suas bochechas estavam coradas pelo esforço da caminhada até o décimo andar, e o sorriso franco que ele me oferecia era urgente como um pedido de socorro. — Preparei algo diferente — disse ele, estendendo-me uma das xícaras. — Café com infusão de baunilha e canela. Achei que poderia animar nossa tarde. Peguei o copo, o calor se espalhando pelos dedos, e senti um leve rubor no rosto. A preocupação constante com Sergei e a obsessão de Alessandro dominavam meus pensamentos, mas, por um instante, a gentileza de Arthur me parecia um oásis. — Obrigada, Arthur. — Não pude conter o sorriso. — Você sempre tem boas ideias. Ele se encostou na beira da minha mesa, o olhar fixo no monitor à minha frente, como se quisesse participar sem atrapalhar. Aproveitei para confirmar mentalmente que meu chefe não nos observava — pelo menos, não ainda. — Era só uma… pausa — explicou ele. — Precisamos respirar um pouco fora do caos. Concordei e segui Arthur pelos corredores enfileirados de baias até a varanda corporativa, um terraço envidraçado que oferecia vista parcial sobre o centro financeiro de vidro e concreto. Lá fora, a brisa fresca da tarde sussurrava contra os painéis de vidro, misturando-se ao aroma intenso de café que cobriam as flores de lavanda em vasos de metal. Arthur pousou o copo numa mesinha bistrô e se sentou numa cadeira de alumínio preta, chamando-me. Tomei assento diante dele, os joelhos tremendo ligeiramente por causa do salto alto que usava. O contraste entre o ambiente formal do escritório e aquele refúgio inusitado acendeu em mim um alívio que não sentia há semanas. — Como você está? — ele perguntou, a voz suave como seda. Fitei o horizonte urbano antes de responder. — Confusa — admiti, rompendo o protocolo. — Há tanto para resolver… Sergei, Alessandro, o que descobri nos logs. Sinto-me dividida entre o medo e a obrigação de seguir adiante. Arthur inclinou-se para frente, apoiou o cotovelo no joelho e pousou o queixo na palma da mão, o olhar atento. — Eu sei que isso está tirando sua paz — disse. — Mas não precisa enfrentar tudo sozinha. A proximidade dele fez meu coração disparar. Parecia tão simples: confiar num amigo em vez de ceder ao cerco sufocante de meu chefe. Inspirei o aroma do café e deixei o peso de minhas responsabilidades flutuar por um segundo. — Obrigada, Arthur — repeti, a voz embargada. — Sua presença me acalma. Ele sorriu, um sorriso que ilumina o olhar. Então ergueu a mão e tocou meu ombro num gesto discreto, mas que me arrepiou por inteiro. — Sempre que precisar — murmurou —, estarei aqui. O calor daquele toque me queimou como brasa. Desejei prolongar o momento, deixar que Arthur fosse quem era: alguém que me ouvia sem cobrar lealdades, sem usar protocolos masculinos de comando. Mas, ao virar o rosto em direção aos painéis de vidro, notei algo que me gelou a espinha: o reflexo de Alessandro, de braços cruzados, observando-nos de dentro da sala de reuniões. Minhas mãos se fecharam ao redor da xícara, e a canela se tornou pó de desespero em meu peito. Arthur percebeu meu sobressalto e se virou, seguindo meu olhar. — Ele está aí — sussurrei. Arthur endireitou o corpo e olhou em direção ao vidro, mas não ficou tão rígido quanto imaginei. Pelo contrário, um lampejo de reprovação e incômodo cruzou seu rosto. — Deseja que eu vá embora? — perguntou, a voz embargada. — Não — respondi imediatamente, ainda lutando contra a culpa. — Eu… ele tem o direito de saber onde estou. Arthur baixou os olhos, mas seu aperto no ombro permaneceu firme. — Se cuida — disse. — Só achei que precisava saber. Sentia-me sufocada entre dois olhares: um de cuidado e outro de vigilância controlada. Não queria magoar nenhum dos dois, mas estava dividida. Olivia, pense! — repeti mentalmente. — Obrigada — disse, erguendo a xícara para um brinde silencioso. — Vou voltar. Arthur inclinou a cabeça numa mesura triste e ergueu seu copo também. Depois, deu uma última olhada em minha direção antes de se afastar, deixando-me na varanda como uma ilha cercada pelas lâmpadas do escritório. Voltei para dentro, o salto batendo firme no piso frio. Cada passo era uma contagem regressiva para meu retorno ao domínio de Alessandro. Ele me aguardava de pé, atrás da grande mesa de madeira, o terno perfeito sem um vinco fora de lugar. Seus olhos, intensos como brasas, brilharam de satisfação ao me ver entrar. — Café? — questionei, anunciando minha presença. Ele balançou a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Posso perguntar onde esteve? Engoli um gole seco de saliva. O calor nos olhos dele queimava minha mentira. — Um café com um colega — respondi, tomando coragem para olhar nos olhos dele. — Hum — murmurou. — Gostaria de ter ido junto. Um arrepio me percorreu de ponta a ponta. A diferença entre seu ciúme e o apoio de Arthur parecia um abismo. Alessandro se aproximou, segurou meu queixo entre o polegar e o indicador. — Você me pertence — disse, a voz grave. — Com ou sem café. O toque dele me dissolveu o resto da coragem. Eu cedi, aproximando os lábios dos seus num beijo rápido, tentando compensar a traição velada com entrega total. — Eu sei — sussurrei contra seus lábios. Ele sorriu num meio sorriso possessivo, afastou-se e estendeu o braço para conduzir-me até a carteira em meio aos cubículos. — Volte para o trabalho — instruiu. — E não se esqueça do nosso cronograma. Concordei com um aceno, sentindo as mãos dele deslizar pela minha cintura antes de me soltar. Olhei de relance para os cubículos ao redor: ali, travestidos de normalidade, os funcionários seguiriam com seus números de acesso e senhas em meio ao turbilhão de poder e paixão do nosso triângulo. Sentei-me, ainda sentindo o perfume de lavanda e canela no ar — a lembrança de Arthur persistia, enquanto o timbre autoritário de Alessandro sufocava qualquer impulso de desviar do meu papel. O circuito de olhares encerrava-se: a janela de vidro separava duas visões de mim mesma, cada uma seduzida por um homem diferente. Olhei para a tela do computador e vi o ponteiro do mouse piscando sobre a aba “ProjectLiandra”. As dúvidas latejavam: Arthur estava ali para me ajudar a descobrir a verdade; Alessandro, para me manter viva. Qual deles era o refúgio? Qual deles seria o futuro? Fechei o documento e digitei, com os dedos trêmulos: “Retorno às 17:45. Confirmar chegada e transferência de arquivos confidenciais. Sem atrasos.” A mensagem pairou na minha tela como sentença. E eu soube, entre o calor da curiosidade de Arthur e a possessão de Alessandro, que cada escolha me prenderia ainda mais no labirinto de sombras que Sergei criara. Encarei meu reflexo no monitor e jurei: sobreviveria — e, se possível, encontraria minha liberdade. No entanto, quando o relógio marcou quinze e cinquenta, senti o olhar de Alessandro cravar-se nas minhas costas, lembrando-me de que, na Volkov Enterprises, o preço de um deslize era muito alto. E assim, enquanto o circuito de olhares entre nós se mantinha, suspenso entre a varanda e o cubículo, eu me preparava para o próximo movimento: desvendar por completo a trama de Sergei — ou sucumbir ao pacto de obediência que fizera com aquele CEO de olhar voraz.
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