Olivia Hayes
O relógio marcava pouco mais de quinze horas quando Arthur apareceu diante do meu cubículo, segurando duas xícaras de café com o logo prateado da Volkov Enterprises. Suas bochechas estavam coradas pelo esforço da caminhada até o décimo andar, e o sorriso franco que ele me oferecia era urgente como um pedido de socorro.
— Preparei algo diferente — disse ele, estendendo-me uma das xícaras. — Café com infusão de baunilha e canela. Achei que poderia animar nossa tarde.
Peguei o copo, o calor se espalhando pelos dedos, e senti um leve rubor no rosto. A preocupação constante com Sergei e a obsessão de Alessandro dominavam meus pensamentos, mas, por um instante, a gentileza de Arthur me parecia um oásis.
— Obrigada, Arthur. — Não pude conter o sorriso. — Você sempre tem boas ideias.
Ele se encostou na beira da minha mesa, o olhar fixo no monitor à minha frente, como se quisesse participar sem atrapalhar. Aproveitei para confirmar mentalmente que meu chefe não nos observava — pelo menos, não ainda.
— Era só uma… pausa — explicou ele. — Precisamos respirar um pouco fora do caos.
Concordei e segui Arthur pelos corredores enfileirados de baias até a varanda corporativa, um terraço envidraçado que oferecia vista parcial sobre o centro financeiro de vidro e concreto. Lá fora, a brisa fresca da tarde sussurrava contra os painéis de vidro, misturando-se ao aroma intenso de café que cobriam as flores de lavanda em vasos de metal.
Arthur pousou o copo numa mesinha bistrô e se sentou numa cadeira de alumínio preta, chamando-me. Tomei assento diante dele, os joelhos tremendo ligeiramente por causa do salto alto que usava. O contraste entre o ambiente formal do escritório e aquele refúgio inusitado acendeu em mim um alívio que não sentia há semanas.
— Como você está? — ele perguntou, a voz suave como seda.
Fitei o horizonte urbano antes de responder.
— Confusa — admiti, rompendo o protocolo. — Há tanto para resolver… Sergei, Alessandro, o que descobri nos logs. Sinto-me dividida entre o medo e a obrigação de seguir adiante.
Arthur inclinou-se para frente, apoiou o cotovelo no joelho e pousou o queixo na palma da mão, o olhar atento.
— Eu sei que isso está tirando sua paz — disse. — Mas não precisa enfrentar tudo sozinha.
A proximidade dele fez meu coração disparar. Parecia tão simples: confiar num amigo em vez de ceder ao cerco sufocante de meu chefe. Inspirei o aroma do café e deixei o peso de minhas responsabilidades flutuar por um segundo.
— Obrigada, Arthur — repeti, a voz embargada. — Sua presença me acalma.
Ele sorriu, um sorriso que ilumina o olhar. Então ergueu a mão e tocou meu ombro num gesto discreto, mas que me arrepiou por inteiro.
— Sempre que precisar — murmurou —, estarei aqui.
O calor daquele toque me queimou como brasa. Desejei prolongar o momento, deixar que Arthur fosse quem era: alguém que me ouvia sem cobrar lealdades, sem usar protocolos masculinos de comando. Mas, ao virar o rosto em direção aos painéis de vidro, notei algo que me gelou a espinha: o reflexo de Alessandro, de braços cruzados, observando-nos de dentro da sala de reuniões.
Minhas mãos se fecharam ao redor da xícara, e a canela se tornou pó de desespero em meu peito. Arthur percebeu meu sobressalto e se virou, seguindo meu olhar.
— Ele está aí — sussurrei.
Arthur endireitou o corpo e olhou em direção ao vidro, mas não ficou tão rígido quanto imaginei. Pelo contrário, um lampejo de reprovação e incômodo cruzou seu rosto.
— Deseja que eu vá embora? — perguntou, a voz embargada.
— Não — respondi imediatamente, ainda lutando contra a culpa. — Eu… ele tem o direito de saber onde estou.
Arthur baixou os olhos, mas seu aperto no ombro permaneceu firme.
— Se cuida — disse. — Só achei que precisava saber.
Sentia-me sufocada entre dois olhares: um de cuidado e outro de vigilância controlada. Não queria magoar nenhum dos dois, mas estava dividida. Olivia, pense! — repeti mentalmente.
— Obrigada — disse, erguendo a xícara para um brinde silencioso. — Vou voltar.
Arthur inclinou a cabeça numa mesura triste e ergueu seu copo também. Depois, deu uma última olhada em minha direção antes de se afastar, deixando-me na varanda como uma ilha cercada pelas lâmpadas do escritório.
Voltei para dentro, o salto batendo firme no piso frio. Cada passo era uma contagem regressiva para meu retorno ao domínio de Alessandro. Ele me aguardava de pé, atrás da grande mesa de madeira, o terno perfeito sem um vinco fora de lugar. Seus olhos, intensos como brasas, brilharam de satisfação ao me ver entrar.
— Café? — questionei, anunciando minha presença.
Ele balançou a cabeça, erguendo as sobrancelhas.
— Posso perguntar onde esteve?
Engoli um gole seco de saliva. O calor nos olhos dele queimava minha mentira.
— Um café com um colega — respondi, tomando coragem para olhar nos olhos dele.
— Hum — murmurou. — Gostaria de ter ido junto.
Um arrepio me percorreu de ponta a ponta. A diferença entre seu ciúme e o apoio de Arthur parecia um abismo. Alessandro se aproximou, segurou meu queixo entre o polegar e o indicador.
— Você me pertence — disse, a voz grave. — Com ou sem café.
O toque dele me dissolveu o resto da coragem. Eu cedi, aproximando os lábios dos seus num beijo rápido, tentando compensar a traição velada com entrega total.
— Eu sei — sussurrei contra seus lábios.
Ele sorriu num meio sorriso possessivo, afastou-se e estendeu o braço para conduzir-me até a carteira em meio aos cubículos.
— Volte para o trabalho — instruiu. — E não se esqueça do nosso cronograma.
Concordei com um aceno, sentindo as mãos dele deslizar pela minha cintura antes de me soltar. Olhei de relance para os cubículos ao redor: ali, travestidos de normalidade, os funcionários seguiriam com seus números de acesso e senhas em meio ao turbilhão de poder e paixão do nosso triângulo.
Sentei-me, ainda sentindo o perfume de lavanda e canela no ar — a lembrança de Arthur persistia, enquanto o timbre autoritário de Alessandro sufocava qualquer impulso de desviar do meu papel. O circuito de olhares encerrava-se: a janela de vidro separava duas visões de mim mesma, cada uma seduzida por um homem diferente.
Olhei para a tela do computador e vi o ponteiro do mouse piscando sobre a aba “ProjectLiandra”. As dúvidas latejavam: Arthur estava ali para me ajudar a descobrir a verdade; Alessandro, para me manter viva. Qual deles era o refúgio? Qual deles seria o futuro?
Fechei o documento e digitei, com os dedos trêmulos:
“Retorno às 17:45.
Confirmar chegada e transferência de arquivos confidenciais.
Sem atrasos.”
A mensagem pairou na minha tela como sentença. E eu soube, entre o calor da curiosidade de Arthur e a possessão de Alessandro, que cada escolha me prenderia ainda mais no labirinto de sombras que Sergei criara.
Encarei meu reflexo no monitor e jurei: sobreviveria — e, se possível, encontraria minha liberdade. No entanto, quando o relógio marcou quinze e cinquenta, senti o olhar de Alessandro cravar-se nas minhas costas, lembrando-me de que, na Volkov Enterprises, o preço de um deslize era muito alto.
E assim, enquanto o circuito de olhares entre nós se mantinha, suspenso entre a varanda e o cubículo, eu me preparava para o próximo movimento: desvendar por completo a trama de Sergei — ou sucumbir ao pacto de obediência que fizera com aquele CEO de olhar voraz.