Olivia Hayes
As luzes da cidade piscavam no horizonte, como pequenas velas lutando contra a escuridão sufocante que habitava minha mente. Sentada na escrivaninha particular de Alessandro, eu vasculhava arquivos antigos, digitais e físicos, na esperança vã de silenciar os ecos de Liandra que agora ressoavam mais alto dentro de mim. Cada pasta aberta parecia ampliar a sombra daquela mulher—um fantasma perfeito, cujo semblante conhecia apenas pelos relatos cheios de dor e fascínio que Alessandro revelava em seus momentos de vulnerabilidade.
Minha mão parou trêmula ao tocar em um envelope antigo, escondido em meio aos arquivos pessoais que Alessandro mantinha longe dos olhos do mundo. Ao puxá-lo cuidadosamente, senti o coração bater forte, antecipando o que estaria ali, mantido em segredo sob cadeado e silêncio.
Abri-o devagar. De dentro, deslizou uma fotografia em papel envelhecido, suas bordas desgastadas pelo tempo. Ao virar a imagem, perdi o ar. A náusea percorreu-me imediatamente, acompanhada por um fascínio mórbido: Liandra, linda e sorridente, encarava-me através do papel, com olhos claros que pareciam desafiar a passagem dos anos. Estava vestida exatamente como eu estivera em nosso último baile de máscaras—o mesmo vestido n***o, justo e revelador, os mesmos detalhes em renda fina sobre os ombros nus. Apenas uma coisa nos distinguia com clareza assustadora: seu cabelo ruivo, como chamas brilhantes, contrastando com os meus fios escuros.
— Meu Deus... — murmurei, incapaz de conter o tremor em minha voz. — O que isso significa?
Levantei-me, vacilante, com a fotografia presa em minhas mãos trêmulas. Corri até o telefone, a respiração entrecortada. O rosto de Liandra assombrava cada movimento meu.
Disquei para Arthur, sem hesitar. A voz dele, sempre calma e segura, atendeu após o segundo toque.
— Olivia? — questionou, preocupado pelo horário avançado. — Está tudo bem?
— Não — respondi, tentando controlar o tom. — Preciso vê-lo agora. É urgente.
Ele chegou rápido, seus passos firmes ecoando no piso do apartamento enquanto caminhava até mim. Abri a porta, segurando ainda o envelope e a fotografia. Arthur percebeu imediatamente minha inquietação.
— O que houve, Olivia?
Entreguei-lhe a foto, vendo seu rosto empalidecer ligeiramente ao reconhecer a figura.
— É Liandra — ele sussurrou, impressionado. — É... assustadoramente parecida com você.
— Não percebe? — indaguei, quase suplicante. — É exatamente o mesmo vestido que Alessandro pediu para que eu usasse naquela noite. Como ele pôde... fazer isso comigo?
Arthur ergueu o rosto, um misto de compaixão e seriedade em seu olhar.
— Você acha que Alessandro tenta recriar Liandra através de você?
Senti a garganta apertar, o medo e a dor disputando espaço dentro de mim. Balancei a cabeça, confusa.
— Não sei mais o que pensar. Quando olho para ela, me vejo refletida em um espelho distorcido. É como se eu fosse apenas uma cópia barata do passado dele.
Arthur tocou meus ombros, suave, trazendo conforto imediato ao turbilhão de emoções. Sua presença ali, naquele momento, era uma âncora firme à realidade.
— Escute-me, Olivia. Você não é Liandra. Você é real, aqui e agora, e merece alguém que te enxergue exatamente como você é, sem sombras do passado.
Sua proximidade, seu perfume suave e sua segurança me envolveram. Desejei desesperadamente acreditar nele, mas a imagem de Alessandro, possessivo e dominante, surgia em minha mente como um alerta, uma corrente invisível apertando meu coração.
— Preciso saber mais sobre ela — declarei por fim, firme, afastando-me para encarar Arthur diretamente. — Preciso entender por que Alessandro não consegue esquecê-la.
Arthur respirou fundo, concordando com um aceno discreto.
— Estou com você, seja qual for o caminho. — Sua voz trazia a promessa silenciosa de cumplicidade.
Passamos as horas seguintes mergulhados em arquivos antigos, desvendando lentamente o quebra-cabeça doloroso da vida de Liandra. Quanto mais eu descobria, mais a inseguridade aumentava. Bilhetes curtos, cartas apaixonadas, pequenas referências que deixavam claro o quanto Alessandro fora consumido por aquela mulher. Senti-me como um intruso nas lembranças dele.
Finalmente, deixamos tudo de lado, sentados sob a luz pálida da lua, que filtrava-se pela janela panorâmica. Arthur me observava em silêncio, sua presença confortável e acolhedora.
— Ele te ama, Olivia — murmurou suavemente, rompendo o silêncio. — Mas o amor dele está preso em fantasmas.
— Você acha que posso libertá-lo desses fantasmas? — perguntei com a voz rouca de emoção.
Arthur tocou meu rosto, gentilmente.
— Talvez ele precise se libertar sozinho. Você não pode carregá-lo se ele não quiser deixar o passado para trás.
Olhei para ele, grata, a confusão turvando minha mente. Arthur era segurança e calor, tão oposto à paixão perigosa e intoxicante que Alessandro despertava em mim.
Lembrei-me da primeira vez que Alessandro me tocou—dominador, possessivo, exigindo minha submissão. O contraste com Arthur era dolorosamente evidente: enquanto Arthur oferecia conforto e respeito, Alessandro oferecia fogo e tormento. O equilíbrio entre ambos parecia impossível, mas eu estava presa nessa balança desequilibrada, sem forças para escolher.
— Preciso ir agora — disse subitamente, afastando-me com uma inquietação renovada. — Preciso pensar.
Arthur não tentou impedir-me. Apenas assentiu em compreensão silenciosa, ciente da tempestade que agitava meu coração.
Ao sair do apartamento dele, caminhei rapidamente pelo corredor vazio, sentindo-me vigiada por olhos invisíveis. Talvez fossem apenas as sombras do passado; talvez fossem olhos reais. Tudo que eu sabia era que precisava retornar para Alessandro, confrontá-lo com a verdade que eu descobrira e decidir, finalmente, se poderia viver sob a sombra de Liandra.
Ao abrir a porta do apartamento vazio, senti um arrepio percorrer minha coluna. As paredes pareciam sussurrar segredos antigos, e eu percebi, com clareza dolorosa, que minha luta não era apenas contra uma mulher morta, mas contra os fantasmas vivos que Alessandro alimentava.
Ergui novamente a fotografia de Liandra, encarando-a uma última vez. Um sorriso melancólico brotou em meus lábios.
— Não sou você — sussurrei à imagem. — E, de alguma forma, farei Alessandro entender isso.
Deitei-me, tentando acalmar o coração inquieto sob o luar. Porém, antes que o sono chegasse, senti o celular vibrar na mesa de cabeceira. Abri a mensagem anônima, o sangue gelando ao ler as palavras que piscaram na tela escura:
“Você sempre será a sombra dela.”
A noite agora parecia infinita, preenchida por sussurros do passado e incertezas sobre o futuro. Fechei os olhos, compreendendo finalmente que, para viver esse amor, teria que libertar não apenas Alessandro, mas também a mim mesma da prisão silenciosa das lembranças.
E isso, eu sabia, seria o maior desafio de todos.