Capítulo 17: Correntes Invisíveis

1514 Words
Olivia Hayes A madrugada se arrastava em passos lentos e secos, e cada minuto parecia dilatar a sombra de medo que se alojava em meu peito. Desde o pacote com a foto de Sergei me espionando, nada voltara a ser o mesmo. O apartamento, antes santuário de nossos desejos, convertia‑se agora num labirinto de armadilhas psicológicas. Em cada sala, eu via corredores de vidro que prendiam nossos reflexos, lembrando‑me das correntes invisíveis que Sergei forjara ao nosso redor. Despertei sobressaltada, os lençóis embaraçados em torno de minhas pernas. Olhei para o lado e vi Alessandro ainda dormindo, o rosto descansado, mas com a testa franzida em sono conturbado. A respiração dele era profunda, inconsciente — mas eu não podia descansar. O medo corria em minhas veias como um veneno, e cada batida do meu coração era um lembrete de que, mesmo em nossos momentos mais íntimos, estávamos vulneráveis. Sentei‑me na beirada da cama, abraçando os joelhos. A pele contrastava com o lençol gelado, e eu sentia a pulsação na minha têmpora martelar cada batida de pânico. Eu queria fugir — fugir de tudo: do apartamento, das câmeras, de Sergei e de mim mesma, com minha ingenuidade cega. Mas então me lembrava do calor dos braços de Alessandro, do modo como seus lábios diziam “não importa o que aconteça, eu jamais permitirei que te machuquem”, e essa promessa me mantinha presa, como se eu não pudesse escapar de algo melhor que a dor. Levantei‑me com cuidado para não acordá‑lo e fui à sala, onde as janelas permaneciam entreabertas conforme seu último gesto de precaução: cortinas fixadas com presilhas eletrônicas, impedindo intrusos. A luz fria da lua iluminava suavemente o tapete, revelando rastros minúsculos de poeira levantados pela última busca em cada canto. Respirei fundo, fechando os olhos e perguntando‑me onde terminava a proteção e começava a clausura. Voltei para o quarto e encontrei Alessandro despertando. Seus olhos se fixaram nos meus, atentos ao medo que eu tentava ocultar. Sem palavras, ele estendeu a mão e me puxou para junto dele, nossos corpos se encaixando num abraço protetor. O calor do corpo dele me envolvia como uma armadura frágil, mas era melhor que nada. — Não consigo pensar direito — sussurrei, a voz entrecortada. — Ele está em todo lugar. Sinto cada corredor me observando. — Eu também — admitiu ele, num tom grave. — Mas ficaremos juntos, assim enfrentamos qualquer sombra. A ternura de sua voz misturava‑se à determinação atroz que eu conhecia. Segurei sua camisa com força, afundando o rosto no peito dele, sentindo o coração dele bater contra o meu. Mas um fio de dúvida insistia em se erguer: até onde aquela união nos protegeria? Até que ponto eu podia confiar em nosso amor diante da crueldade de Sergei? O dia amanheceu com o zumbido discreto da campainha eletrônica: nossa entrega de alimentos frescos. Eu mantive distância enquanto Alessandro atendia, conferindo sem parar algumas instruções na tela do celular: não abrir pacotes sem varredura, não permitir a entrada de nenhum entregador sem identificação completa, não desligar as câmeras de segurança nem por um segundo. A paranoia se tornava rotina. Por volta do meio‑dia, senti a tensão me consumindo pela raiz. Decidi confrontar meu medo de modo mais proativo: chamar Alessandro para uma experiência que mudasse o ritmo de nossas relações — não apenas sexo, mas uma demonstração de que eu podia assumir o controle, mesmo que por breves momentos. Queria romper o ciclo de possessão e medo. Naquela noite, organizei o quarto de modo diferente: removi a máscara de dormir inteligente que ele usava para monitorar meu sono, deixei uma vela perfumada de baunilha acesa sobre o criado‑mudo, e usei o colar de Liandra como gargantilha invertida, lembrando‑me de que eu não era a sósia de ninguém. Quando Alessandro entrou, encontrando o ambiente silencioso e perfumado, sorriu intrigado. — O que está acontecendo? — perguntou, fechando a porta. — Quero jogar um jogo — respondi, com a voz firme, mas a pulsação disparada. — Um em que eu mando. Seus olhos se estreitaram, mas houve curiosidade no semblante. Ele tirou a gravata e jogou‑a sobre a cadeira, aproximando‑se de mim. — Diga as regras. Tomei ar e comecei: — Quero que me amarre. Como costumava acontecer. — Ele engrossou o cenho antes de compreender. — Mas desta vez será diferente. Você vai usar meus próprios lençóis para improvisar as amarras. E, enquanto minhas mãos estiverem livres, você irá me cingir com beijos letais. Então, quando eu estiver completamente nas suas mãos, você decidirá quando me soltar. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, avaliando. A tensão entre nós era densa, mas parecia aliviar o clima sufocante. Finalmente, sorriu, um sorriso lento e predatório. — Muito bem — disse ele. — Mas farei o mesmo por você. E ali começamos. Ele pegou os lençóis e amarrou meus pulsos à cabeceira com firmeza calculada, deixando‑me as pernas livres para me apoiar. Eu sentia a circulação sendo restringida, mas o prazer de estar sob o comando dele falava mais alto: cada tensão em meus braços reforçava a certeza de que, mesmo na submissão, eu mantinha o poder de entregar ou resistir. Alessandro deslizou as mãos abaixo de meus ombros, segurando‑me firme. Beijou‑me profundamente, a língua exigindo passagem, e provou meu pescoço com mordidas leves, anunciando a dominação. Senti o fluxo de adrenalina e desejo inundar‑me, tirando o foco do pavor para manter os sentidos vívidos. — Diga que confia em mim — ele murmurou entre beijos, sua respiração pesada roçando minha orelha. — Confio… — arrastei as palavras, avaliando cada sílaba. — Confio em você. Ele puxou os lençóis mais firmemente, a corda apertando as minhas costas contra o colchão. Lentamente, ele se levantou e tirou a camisa, o abdômen delineado sob a luz fraca, e sentou‑se no meu colo, girando o quadril num movimento controlado. A fricção direta foi intensa, provocando um gemido descontrolado. — Você disse que não há correntes invisíveis entre nós — ele sussurrou, deslizando os lábios pela curva interna da minha coxa. — Mas até essas amarras físicas não me impedem de possuir cada centímetro seu. Eu arqueei o corpo, incentivando‑o como se quisesse provar que controlava também aquela dinâmica. Sua mão esquerda penetrava‑me devagar, enquanto a direita explorava meu corpo com beijos e carícias, misturando dominação e erotismo. Ele mesclava pressão e ternura de forma magistral, equilibrando medo e desejo, como se ensaiássemos a dança mais perigosa de nossas vidas. — Teu corpo é meu mapa — ele murmurou entre investidas —, e vou traçar cada rota de prazer até não restar dúvida alguma. Os sons do nosso êxtase preencheram o quarto, a fricção de pele contra pele, os gemidos ardentes, o rangido suave da cabeceira sob a tensão. Nos momentos de maior i********e, senti‑o vacilar por lembranças do passado — um arrepio de dor cruzou os olhos dele. Aproveitei para beijar‑lhe o pescoço, lembrando‑lhe que não era a sombra de nenhuma Liandra, mas sim a mulher que ele escolhera amar. Quando ambos atingimos o ápice, foi como se o mundo explodisse em cores: o medo sumiu por instantes, deixando apenas a certeza de nossa união. Eu gemei o nome dele, ele gemeu o meu, e naquele instante preciso, não havia ameaça capaz de tocar‑nos. Depois, ele me soltou das amarras com cuidado e me envolveu num abraço apertado, ambos ofegantes, corpos sujos de suor e cumplicidade. Senti sua mão acariciar meu cabelo, e a voz dele, baixa, quase um sussurro: — Você é minha luz… e minha força. Suspirei, permitindo que o calor nos envolvesse. Tinha recuperado a confiança, ainda que provisória. Mas o coração nunca repousava por completo. Aquela noite havia provado que eu podia brincar com o poder e a rendição, mas a sombra de Sergei permanecia: um intruso invisível, um script macabro que nos lembrava de nossa fragilidade. Quando finalmente adormeci nos braços dele, tive um último momento de lucidez: adormeci com o dedo ainda apertando o pingente que li há pouco tempos, aquela letra “L” de Liandra. Fechei os olhos, sentindo o peso de nossos elos tão fortes quanto correntes invisíveis. E então sonhei: Liandra estava diante de mim, etérea, o vestido esvoaçando como fumaça. Seus olhos pediam socorro, e sua boca usava meu nome como um bordão urgente. Ela estendeu a mão, apontando para uma porta aberta longe dali. — Fuja — sussurrou, a voz arrastada de aviso. — Ainda há tempo. Despertei num sobressalto, o frio da madrugada me agarrando como punhos de névoa. Ao meu lado, Alessandro dormia em paz, inconsciente do aviso sombrio que me perseguia. Apertei o pingente em minha mão e soube que o verdadeiro desafio — decidir entre permanecer sob o abrigo do amor dele ou correr para salvar nossa liberdade — ainda estava por vir.
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