Olivia Hayes
O silêncio nos corredores subterrâneos ainda ecoava nos meus ouvidos, dias depois do confronto com Sergei. Cada sombra parecia sussurrar o seu nome, como se ele nunca tivesse partido de verdade. Quando deixei aquele mundo de túneis e segredos enterrados, jurei nunca mais voltar — mas agora, sentada em frente ao meu laptop, latejava a urgência de descobrir tudo que Sergei escondia sobre Liandra.
A escuridão na cobertura de tirar o fôlego de Alessandro me envolvia como um manto pesado. Ele confiara sua segurança e a minha àquelas paredes de vidro, mas, sem o grito agourento de Sergei, restei com a angústia de não saber quando ele voltaria a atacar. O último telefonema anônimo havia terminado com seu riso sádico: “Até breve, Olivia.” E, desde então, nada. Um silêncio mortal que me manteve vigilante.
Abri a intranet da Volkov Enterprises no ambiente remoto a que apenas eu tinha acesso. Minhas mãos trêmulas digitavam comandos de busca por “Liandra Romano” em todos os registros médicos e jurídicos. Os olhos ardiam de cansaço e adrenalina: cada campo de texto carregado era uma possibilidade de evidência — ou cilada.
Acesso negado.
Franzi o cenho. Os logs indicaram um bloqueio de privilégios. Sergei poderia ter reconfigurado permissões para me barrar, mesmo que não tivesse me visto chegar ao sistema. Senti uma onda de fúria e impotência. Se ele ainda mexia nos servidores, significava que seu poder atravessava não apenas o subsolo, mas também o alto comando da empresa.
Atrás de mim, o som abafado de um copo de cristal descendo na bancada me despertou. Virei-me e encontrei Arthur, o rosto iluminado pela lâmpada suave do bar privativo.
— Você está bem? — perguntou, aproximando-se de maneira protetora.
Por um instante, meu coração disparou ao lembrar de Alessandro, mas o calor do olhar de Arthur me trouxe alívio e vergonha.
— Eu… estou investigando algo — respondi, tentando soar firme, mas a voz falhou. — Sobre Liandra. Preciso ver nos registros originais, mas… alguém restringiu meu acesso.
Arthur franziu o cenho, preocupado, e puxou uma cadeira.
— Posso ajudar? — ofereceu-se, genuinamente disposto.
A gratidão me esmagou. Lembrei de seu apoio, das vezes em que confidenciei meus medos a ele. Mas a culpa me corroía: se Alessandro soubesse, perceberia meus passos fora de seu controle.
— Eu… não sei se deveria assumir essa tarefa — admiti, sentando-me. — Ele me chamou de duplicata, disse que eu jamais seria a original. E agora todos os acessos estão bloqueados. Sinto-me tão impotente quanto naquela primeira noite subterrânea.
Arthur passou a mão pelo queixo, pensativo.
— Sergei quer te amedrontar. Mas se você não expuser a verdade, ele continuará no escuro remoto da lei — disse, aproximando-se e mirando a tela. — Deixe-me tentar um túnel alternativo de acesso.
Enquanto ele digitava, senti a proximidade de seu corpo, a fragrância amadeirada que ele sempre usava, misturada à tensão que pairava entre nós. Cada golpe de tecla era um convite para me abandonar ao calor daquele abraço — mas eu estava presa num dilema: confiar em Arthur significaria mentir a Alessandro.
Detectamos uma saída de emergência nos servidores internos: um backup rotineiro feito pelo departamento de TI, acessível apenas a administradores. Arthur hesitou, então me olhou de soslaio.
— Posso fazê-lo, mas você precisa me prometer uma coisa.
— O quê? — perguntei, mordendo o lábio.
— Que me dirá tudo se descobrirmos o que Sergei escondeu. — A voz dele era suave, firme.
Assenti, aliviada. Ele entrou com as credenciais roubadas — e, num instante, a pasta “Registros_Liandra_Romano” se abriu. Lá estavam PDFs de exames, laudos, relatórios de intervenção médica — todos marcados como “sigilosos”.
Enquanto eu baixava as cópias, um e-mail emergiu na tela:
De: “S. Volkov”
Assunto: Últimas Notas
“Sua investigadora secreta avançou demais. Hora de silenciá-la novamente.”
Não havia arquivo anexado. Apenas a frase, um sopro de ameaça. Meu peito apertou. Arthur viu meu rosto pálido.
— O que foi? — perguntou.
— Sergei sabe que estamos acessando — respondi, a voz trêmula.
Ele fechou a janela e apagou o histórico de logs.
— Rápido — sussurrou. — Vamos fazer cópias físicas dessas pastas e guardar tudo numa nuvem externa.
Saímos da cobertura com pen drives e laptops escondidos. Minhas veias latejavam, e cada reflexo das luzes da cidade me lembrava que Sergei poderia nos vigiar até ali.
Na rua, brisa leve me refrescou. Arthur me guiou até um táxi.
— Eu levo você para casa — ofereceu.
Sacudi a cabeça, temerosa. Não queria ir diretamente para a cobertura, onde Alessandro me cobraria explicações. Mas não havia outra escolha: ali, no táxi, senti a cumplicidade dele, mas também a culpa.
— Obrigada, Arthur — agradeci. — Mas preciso me recompor antes de encontrá-lo.
— Entendo — murmurou. — Só estou aqui para ajudar.
Ele me deu um sorriso reconfortante. Quando o táxi partiu, senti o coração apertado: dois homens lutavam por mim, mas eu estava presa à guerra de poder deles.
No apartamento vazio, fechei a porta atrás de mim e encostei-me nela. O silêncio mortal reinava: nenhuma mensagem de Alessandro, nem sequer um recado. Sergei e seu rastro de mentiras haviam me isolado. O tédio e o terror compunham uma sinfonia macabra em minha mente.
Peguei o pen drive e o conectei ao computador de reserva. Enquanto transferia os arquivos para a nuvem, senti o celular vibrar no bolso. Uma notificação de mensagem anônima:
“Você é apenas uma cópia. Ele nunca deixará de olhar para a original.”
O suor escorria em minhas mãos. A mensagem era simples, mas carregada de veneno. Fiquei parada, encarando a tela, até que a campainha da porta tocou. Saltei e corri para abrir.
Era o síndico do prédio, segurando um envelope grosso.
— Chegou isso para a senhora, Olivia — disse, estendendo-me o pacote.
Peguei o envelope lacrado com cera preta. Sem remetente. A mão tremeu enquanto o abria. Dentro, encontrei uma fotografia antiga: Liandra sorrindo num baile de máscaras, o mesmo retrato que eu vira escondido entre as coisas de Alessandro. Agora, em minhas mãos, parecia acusar-me: “Você é só mais uma réplica.” A foto carregava, no verso, uma única palavra rabiscada em tinta vermelha:
“Devolva o original.”
O ar me faltou. Segurei o peito, tentando controlar a respiração. A bala de pavor perfurou o silêncio mortal de meu apartamento.
Não restava dúvidas: Sergei estava de volta, e o jogo estava apenas começando.