cap 02 tu fica esperta

1437 Words
Rayssa... Terminei de tomar banho e vesti só um shortinho de pano molinho com um cropped. O almoço era aqui em casa mesmo, então tava de boa. Aqui em casa a gente tem dessas: todo sábado e domingo rola almoço em família. E quando eu digo "família", quero dizer eu, minha mãe, meu pai, minha irmã, meu padrinho e a chatinha da mulher dele. Os pais da minha mãe moram longe, lá em Minas, e a mãe do meu pai não curte a mulher do Tito, então só aparece à noite, quando a insuportável já foi embora. Queria eu fazer igual à vó Yolanda, mas infelizmente sou obrigada a aturar essa azeda todo fim de semana. É um saco, cara. Se eu pudesse, nem participava dessa merda de almoço, mas minha mãe me obriga. Fazer o quê. Ouvi a voz da chatinha lá embaixo e revirei os olhos. Peguei meu celular em cima da cama e desci logo pra sala. Assim que botei os pés ali, ela gritou meu nome como se a gente fosse super amiga e eu amasse a presença dela — o que tá bem longe da realidade. Lorena: Rayssa, minha linda, quanto tempoooo! — gritou toda escandalosa, com aquele ar de falsidade que dá pra sentir de longe. Essa garota é um erro, acha que sou boba. Rayssa: Lorena, meu amor! Como cê tá, florzinha? — Se é pra ser falsa, meu bem, eu sei ser mais ainda. Aqui é cria de dona Andressa, não é brincadeira não. Lorena: Tô ótima! Você sumiu, nunca mais foi lá em casa. — Me deu um abraço mais falso que nota de três reais, e eu retribuí com mais falsidade ainda. Rayssa: Pois é, vida tá corrida: trabalho, estudo, curso, a obra do meu salão... uma loucura. Fiz questão de jogar na cara. Essa mulher vive metendo o p*u em mim, dizendo que sou uma vagabunda encostada, bancada pelo meu pai traficante. Mas na real? Quem é bancada aqui é ela! Não faz p***a nenhuma o dia inteiro e vive às custas do meu padrinho. E o que mais me irrita nem é isso, é que ela é burra. Não aproveita o dinheiro que tem. Em vez de pensar no futuro, construir um comércio, investir em uma casa, fazer o padrinho botar alguma coisa no nome dela, não... a i****a só liga pra roupa cara e ostentar em hotel de luxo. Coisa fútil, sabe? E se um dia o marido der um pé na b***a dela, vai ficar com uma mão na frente e outra atrás. Quer ser bancada? Beleza. Mas seja esperta, p***a. Faz o cara colocar os bagulhos no teu nome, pensa no amanhã também. Queria eu ter essa sorte, filha. Tá achando que minha vida é um morango? Que nada, meu bem. Meus pais nunca me deram nada de mão beijada. Se eu queria algo, tinha que merecer. Tirar boas notas, ajudar em casa. E de certa forma, isso me fez ver o mundo com outros olhos. Aprendi cedo que nada vem fácil. Se eu quiser alguma coisa, tenho que correr atrás. Tenho que conquistar por mérito meu, não por causa dos outros. Por isso comecei a trabalhar cedo. Com 13 anos já tava na padaria aqui perto. Nunca foi por necessidade, era por vontade mesmo. Sempre gostei de ter o meu, comprar minhas coisas com meu dinheiro. Sempre quis ter minha independência financeira. Odeio pedir dinheiro pros meus pais. Eles não se incomodam, não negam, mas já é de mim. Não é nem orgulho. Até peço de vez em quando pra não gastar o meu, mas depender é outra história. Lorena: Salão, é? E quem tá bancando? Seu pai? — falou com aquele arzinho de deboche que me subiu o sangue. Andressa: A Rayssa não precisa disso, não, Lorena. Ela trabalha desde os 13 e junta dinheiro pro salão desde os 15. Tudo que damos pra ela é porque queremos, não porque ela é bancada! Ela trabalha das 13h às 17h, estuda de manhã e faz curso de enfermagem à noite. Ela não precisa disso! — minha mãe respondeu, com um sorriso bem falso, mas elegante. Lorena ficou sem graça e mudou de assunto rapidinho. Sorri cúmplice pra minha mãe, que piscou pra mim mandando beijo. Por isso que amo essa mulher! Ela esculacha sem sair do salto, tudo com classe. Minha rainha. Depois disso o assunto morreu. A galera foi pra mesa almoçar na paz de Deus. Minha mãe conversava com a mulher do Tito, meu pai e meu padrinho engataram um papo, e eu trocava ideia com minha irmã caçula, que contava as fofocas dos coleguinhas da escola. Um erro, essa menina. Rafaela: Aí eu modi ela, né, Yssa? Num sou boba dela, pra ficar atulando gracinha de p*****a. — Não aguentei e ri. Deus que me perdoe, mas com essa garota não dá. Disse que a menina não gosta dela porque ela é linda. O auge. Rayssa: Que isso, Rafaela? Não pode fazer isso não, garota. Quando acontecer, tem que falar com a professora, não morder a coleguinha. — Tentei corrigir, mas ela nem ligou, só deu de ombros e continuou o papo da escola. O almoço seguiu com o clima bom até a Lorena estragar tudo com aquela boca de valão. Lorena: Rayssa, minha linda, e os namoradinhos? Levantei o olhar do prato, encarei a versão genérica da mãe Lucinda, agora com um sorrisinho ridículo no rosto. Meu pai e meu padrinho também olharam na hora, curiosos. Rayssa: Namoradinhos? Eu não namoro, flor. Graças a Deus. Homem só dá trabalho. Quero não. Agora eu gosto de b****a. — Paguei de sonsa, mas sabia muito bem onde ela queria chegar. Lorena: Ah é? Pois não foi isso que eu vi quando você tava se agarrando com aquele trafica lá no beco, perto da boca. Qual era o vulgo dele mesmo? Ah, lembrei. Palhaço! Que ódio, mermão! Que p*****a filha da p**a! Essa desgraçada sabe que meu pai odeia que eu me envolva com quem é do corre, e ainda vem fazer showzinho? Vontade de meter a mão nessa infeliz. Ricardo: Que história é essa, Rayssa? — Meu pai já veio no veneno. Tito: E aí, Rayssa? Que p***a é essa? — braços cruzados, me olhando feio. Rayssa: Também não sei. Lorena tá me confundindo. Nunca fiquei com ninguém envolvido, pai. O senhor sabe disso. — Menti na cara dura e ainda encarei a falsa. Rayssa: Você deve ter me confundido, Loreninha querida. Mas pode deixar que, quando eu começar a namorar, você vai ser a primeira a saber. E outra: minha vida amorosa não é da sua conta. Aqui tu é só a mulher do meu padrinho. Nada mais. Eu, hein. Lorena: Não, eu... — Ia rebater, mas minha mãe me salvou. Claro, ela sabia de toda a história. Nada passa batido por ela. É minha melhor amiga, minha confidente, meu fechamento. Andressa: Vamos comer a sobremesa, meu povo? Fiz um mousse gostosinho de maracujá! — Ela se levantou e a galera logo animou, esquecendo a treta. Minha mãe piscou pra mim e eu sorri, agradecendo. Todo mundo foi pra cozinha pegar o mousse, mas eu fiquei mais um pouco na mesa, terminando meu refrigerante. Só então percebi que meu padrinho também não tinha ido. Tava ali, sentado à minha frente, me encarando com aquela cara de mau e os braços cruzados no peito trincado. Hoje ele tava mais gostoso que o normal. Camisa polo vermelha da Nike, bermuda jeans clara, Kenner preta, boné da Nike combinando. Um verdadeiro pedaço de m*l caminho. Ele me pegou no flagra admirando e negou com a cabeça, fechando ainda mais a cara. Nunca sei o que ele tá pensando. Não transparece nada. Sempre com aquela expressão fechada. Encarei de volta e arqueei a sobrancelha. Rayssa: Qual foi? Tito: Se liga, garota. Tô te palmeando. Tu engana teu pai, eu não. Fica espertinha. Sei de cada passo teu. — Falou com aquele tom estranho dele, que dá até um medinho. Rayssa: Credo, padrinho. Não tô fazendo nada. — Continuei no papel de santa. Tito: Acho bom mesmo. Não tô afim de matar mulequinho por tua causa. Não tem que tá pegando esses vagabundos, não. Tu sabe que não gosto. Tu merece mais que esses merdas da favela. — Me deu a última encarada e levantou, indo pra cozinha. Me encostei na cadeira e olhei pro teto. Que ódio! Vontade de matar a Lorena. E o Tito também! Que que ele tem que se meter na minha vida? “Tu merece mais que isso...” Tipo quem? Ele? Porque se for... eu quero, hein.
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