O Nome que Todos Temem
A noite em Palermo caía pesada como chumbo, e cada esquina escondia um segredo. Carros pretos cruzavam ruas estreitas, fachadas antigas se misturavam a bares cheios de fumaça, e os olhares desconfiados seguiam cada passo de quem ousasse caminhar depois do pôr do sol.
No coração daquela cidade que parecia nunca dormir, existia um nome que não precisava ser dito em voz alta. Bastava um sussurro, e todos entendiam: Lorenzo Valente.
Os pais o usavam para assustar filhos desobedientes. Comerciantes o lembravam quando contavam moedas com medo de atrasar pagamentos. Policiais sabiam que o máximo que podiam fazer era fingir que não viam.
Ele não era apenas um homem. Era uma lenda viva.
Alto, coberto por tatuagens que narravam batalhas vencidas e inimigos enterrados, Lorenzo caminhava como se cada passo fosse um aviso de morte. Seus olhos, escuros e frios como lâminas de aço, não demonstravam nada além de arrogância e desprezo. Ele não falava em tom alto. Não precisava. Seu silêncio dizia mais do que ameaças gritadas.
Naquela noite, dentro de um galpão à beira do porto, um grupo de homens tremia ao redor de uma mesa. O ar cheirava a maresia misturada a óleo queimado, e cada um deles sabia que a visita não seria apenas um encontro de negócios.
Dante Russo, o braço direito de Lorenzo, foi o primeiro a entrar. Um homem de cabelos curtos, expressão impenetrável e olhar calculista. Atrás dele, o silêncio se quebrou apenas pelo eco das botas pesadas.
Lorenzo surgiu.
Os homens se levantaram às pressas. Alguns tentaram sorrir em sinal de respeito, outros apenas baixaram os olhos. Ele não retribuiu nenhum gesto. Sentou-se na ponta da mesa, acendeu um charuto e deixou a fumaça escapar lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo.
— Então… — sua voz rouca cortou o ar. — Onde está meu dinheiro?
Um dos devedores, Ricardo Duarte, tentou responder. O suor escorria pela testa, e sua gravata estava m*l ajustada. Ele engoliu seco.
— L-Lorenzo… eu… preciso de mais tempo. Os negócios… não foram como planejado. Mas eu juro que vou pagar. Só… mais um mês.
O silêncio que seguiu foi ensurdecedor. Lorenzo apenas ergueu uma sobrancelha. Depois, inclinou-se para frente, apoiando os braços cobertos de tatuagens sobre a mesa.
— Você está brincando com a minha paciência, Duarte. — As palavras saíram lentas, afiadas. — Eu não sou banco. Não sou seu amigo. E, definitivamente, não sou i****a.
Ricardo gaguejou:
— Eu… eu consigo o dinheiro. Só preciso que confie em mim.
Lorenzo riu. Uma risada curta, sem alegria.
— Confiança? — repetiu, como se saboreasse a ironia. — Esse é o problema. Você quebrou a confiança quando não me pagou na data certa.
Ele fez um sinal com a mão, e dois homens arrastaram uma cadeira até a frente de Ricardo. O barulho ecoou pelo galpão.
— Sente-se. — A ordem soou como sentença.
Ricardo obedeceu, tremendo. Os outros homens desviaram o olhar, temendo que o próximo fosse um deles.
Lorenzo aproximou-se lentamente. Seus olhos fixaram no devedor como predador diante da presa.
— Você me deve meio milhão de euros. — A cada palavra, sua voz ficava mais baixa, mais ameaçadora. — Isso não é trocado. Esse dinheiro mantém a cidade respirando do jeito que eu quero. Sem ele, meus homens começam a questionar se ainda devo ser temido. E eu não gosto quando questionam.
Ricardo tentou argumentar:
— Eu vou vender tudo, minha casa, meus negócios… por favor, só mais um mês.
Lorenzo soltou a fumaça do charuto direto no rosto dele.
— Um mês? — murmurou. — Você não entendeu. O prazo acabou hoje.
A tensão explodiu no ar. Alguns homens afastaram as cadeiras, prevendo o que viria. Dante, ao fundo, apenas observava, sabendo que Lorenzo sempre cumpria o que dizia.
Ricardo se curvou para frente, quase chorando.
— Eu tenho uma filha… Amira. Ela não sabe de nada disso. Por favor, não a envolva.
O nome ecoou nos ouvidos de Lorenzo como um sussurro inesperado. Ele se recostou na cadeira, encarando Ricardo com frieza renovada.
— Uma filha, hm? — Um sorriso torto surgiu em seus lábios. — Jovem?
Ricardo engoliu em seco, percebendo o erro.
— Não… não… ela não tem nada a ver com isso.
Mas já era tarde.
Lorenzo apagou o charuto no cinzeiro e se levantou. Sua presença encheu o galpão como uma sombra viva.
— Se você não tem o dinheiro… — disse, ajeitando o paletó. — Então vou levar algo que valha mais.
Ricardo arregalou os olhos, desesperado.
— Não! Lorenzo, por favor! Ela é só uma garota!
Mas Lorenzo não conhecia a palavra “não”.
— Uma garota pode ser um ótimo lembrete de que dívidas com Valente nunca ficam impagas. — Ele olhou para Dante. — Prepare os homens. Vamos fazer uma visita à casa do senhor Duarte.
O carro de Lorenzo cortava a estrada estreita, iluminada apenas pelos faróis. Amira permanecia imóvel no banco de trás, o olhar perdido, tentando compreender a realidade que a engolia. Cada curva fazia o estômago dela se revirar. Cada sombra na estrada parecia esconder perigo.
Lorenzo, à frente, não dizia uma palavra. O silêncio dele era mais ameaçador do que qualquer grito. Dante Russo dirigia o segundo carro, observando a garota pelo retrovisor com cautela. A tensão era palpável.
Amira finalmente quebrou o silêncio.
— Por que… por que está fazendo isso comigo? — Sua voz tremia, misturando medo e raiva.
Lorenzo desviou os olhos da estrada apenas por um instante, encarando-a pelo espelho retrovisor.
— Porque seu pai me deve. — Ele respondeu de forma seca, sem emoção. — Você é a moeda de troca.
— Isso é… é c***l! — Amira tentou recuar, mas o cinto de segurança a mantinha presa. — Sou só uma garota! Não tenho nada a ver com isso!
— Uma garota pode ser útil. E você será, — respondeu ele, deixando escapar um sorriso que não chegou aos olhos. — Além disso… sempre há prazer em ensinar alguns limites.
Amira engoliu em seco. Ela já tinha ouvido histórias de Lorenzo. Homens que sumiam, mulheres que desapareciam, vidas destruídas. Cada palavra de advertência agora se materializava diante dela.
Eles chegaram a um prédio antigo, nos limites da cidade, aparentemente abandonado. Um depósito de tijolos expostos, portas de ferro, janelas protegidas com grades. Lorenzo desceu do carro primeiro. Seus passos eram firmes, decididos, e Amira percebeu que qualquer resistência era inútil.
Dante abriu a porta do banco de trás e ajudou Amira a sair. Ela tentou se debater, mas um toque de Lorenzo no ombro a imobilizou como se fosse feita de gelo.
— Vamos. — Sua voz era um comando. — Sem gritos. Sem movimentos bruscos.
Ela tentou olhar para os lados, procurando alguma forma de fuga, mas não havia nenhuma. O depósito se abria à frente como um castelo sombrio.
Ao entrar, o cheiro de óleo e metal velho tomou conta do ar. Lorenzo a guiou até uma sala central, iluminada apenas por uma lâmpada pendurada, que balançava levemente, projetando sombras inquietantes nas paredes.
— Sente-se — ordenou, apontando para uma cadeira simples no centro da sala. Amira se recusou, mantendo-se firme.
— Eu não vou me sentar! — disse, firme. — Eu não sou um… um objeto!
Ele se aproximou dela lentamente. Cada passo dele parecia ecoar como uma sentença.
— Um objeto? — repetiu Lorenzo, com a voz baixa e cortante. — Talvez não. Mas alguém que precisa aprender a obedecer às regras de quem manda neste mundo… sim, você vai sentar.
Amira respirou fundo, sentindo o medo e a adrenalina se misturarem. Tentou pensar em um plano, em uma maneira de escapar, mas a força dele era esmagadora. Ela percebeu que cada movimento poderia ser usado contra ela.
— Eu não… — começou, mas ele interrompeu com um gesto frio da mão.
— Shh… — disse Lorenzo, aproximando-se ainda mais. — Não tente me enganar. Eu não brinco. Não com dívidas, não com ameaças e, principalmente, não com quem me pertence agora.
Ele a fez sentar à força, e Amira sentiu a cadeira fria sob o corpo. O olhar de Lorenzo nunca a deixou, penetrando como se estivesse tentando ler cada pensamento, cada medo, cada fraqueza.
Dante fechou a porta atrás deles, e o eco do trancar de ferro fez o coração de Amira disparar. Ela estava sozinha com Lorenzo, em um lugar desconhecido, e sentia que qualquer movimento poderia ser fatal.
— Você tem algum plano, garota? — Ele perguntou, um leve sorriso curvando os lábios. — Alguma ideia de como escapar?
— Eu… eu vou fugir! — disse ela, tentando parecer confiante, mas a voz tremia.
— Eu espero que sim — murmurou ele, quase divertido. — Mas saiba que todos os planos que vi até hoje terminam do mesmo jeito: você em minha mão.
Amira percebeu a realidade brutal: não havia fuga. Cada história que ouvira sobre Lorenzo agora se confirmava. Ele não era apenas um homem frio; era a personificação do medo.