A manhã chegou silenciosa, quase pesada demais para a mansão. Amira despertou com o coração ainda acelerado pelo que havia visto no dia anterior: as tatuagens, as cicatrizes, os fragmentos de um passado que a prendiam mais do que qualquer parede.
Quando a porta do quarto rangeu, ela já esperava. Lorenzo entrou, impecável em sua presença imponente.
— Levante-se — ordenou. — Hoje vamos testar limites.
Amira respirou fundo. — Que tipo de teste?
— O tipo que define quem manda aqui — respondeu ele, cruzando os braços. — E quem aprende a obedecer.
Ela sentiu o medo, mas também uma estranha necessidade de encará-lo. Cada palavra dele parecia medida para quebrar a resistência.
— Você não vai me intimidar — disse, firme.
Ele avançou alguns passos, e o chão ecoou sob o peso da autoridade. — Não é questão de intimidação. É questão de sobrevivência.
Amira engoliu em seco. Ele estava perto demais, o cheiro de couro e tabaco penetrando como um aviso silencioso.
— Sobrevivência? — murmurou. — E eu?
Lorenzo a encarou com olhos de aço. — Você quer continuar viva? Então comece a entender que minhas regras não são sugestões.
Ela se manteve de pé, respirando fundo, tentando organizar os pensamentos. — E se eu não quiser obedecer?
— Então vai aprender da pior maneira — disse ele, a voz rouca e firme. — Nunca subestime o Don.
O silêncio se tornou sufocante. Ela podia sentir cada músculo dele tenso, cada tatuagem contando histórias de dor que não queria compartilhar.
— Quer me assustar? — perguntou Amira, quase como um desafio.
— Apenas avisar que o jogo começou — respondeu ele. — E que você já está dentro.
Amira sentiu o corpo tremer. O medo misturava-se à curiosidade, e algo nela começava a ceder. Não por submissão, mas pela necessidade de entender o homem à sua frente.
— Então vamos ver quem vence este primeiro confronto — disse ela, a voz firme apesar do coração acelerado.
Ele arqueou uma sobrancelha. — E quem disse que há vencedor?
O olhar dele era intenso demais para que ela desviasse. Por um instante, não havia raiva nem desafio. Havia história, sofrimento e algo que Amira ainda não conseguia nomear.
— Não gosto de ver medo — disse Lorenzo, aproximando-se. — Mas gosto de ver coragem.
— Então se surpreenda — murmurou ela, ergueu o queixo e cruzou os braços.
Ele deu um passo atrás, avaliando cada gesto dela. O desafio nos olhos de Amira era perigoso, mas fascinante.
— Você é teimosa. — disse, como se fosse uma constatação de fato. — Muito teimosa.
— E você é c***l. — respondeu ela. — Muito c***l.
Lorenzo sorriu, o gesto rarefeito e quase humano. — Crueldade é sobrevivência. — Ele deu um passo, aproximando-se novamente. — E se aprende cedo ou tarde.
Ela respirou fundo, mas não recuou. — Então vamos ver quem aprende primeiro.
Os minutos se estenderam como horas. Eles ficaram frente a frente, medindo forças, respirando o mesmo ar. A tensão era palpável, cada palavra carregada de desafio e medo, cada olhar uma batalha silenciosa.
— Você sente algo por mim, não é? — disse ele, de repente, baixo, quase num sussurro.
Amira parou. O coração disparou. — Sinto que quero entender quem você é. Não que me importe com… sentimentos.
Ele deu um passo mais próximo. — Engano. — Sua voz era firme, rouca. — Algo em você desperta algo que não quero admitir.
Ela recuou, mas não fugiu. — Então por que não me destrói de uma vez?
— Porque destruir é fácil demais. E você não é fácil. — Ele aproximou a mão, mas não tocou. — Você me força a enfrentar o que neguei por anos.
Ela engoliu em seco, incapaz de desviar o olhar. Pela primeira vez, Lorenzo parecia humano demais. A máscara de pedra tremeu por um instante.
— Então o primeiro confronto é apenas isso? — murmurou ela. — Palavras e olhares?
— Por enquanto. — Ele a estudou. — Mas o verdadeiro teste começa quando você entender que não há saída.
O ar entre eles era carregado, quase sufocante. Amira percebeu que o medo e a coragem estavam entrelaçados. Ela sentiu uma estranha e perigosa atração — não física, mas de força e inteligência, o desejo de decifrar o inquebrável.
— Entenda algo, Amira. — disse Lorenzo, quebrando o silêncio. — Eu não perdoo. Não por medo, não por ódio, mas porque aprendi que sentimento é fraqueza.
— Então é por isso que todos fogem de você — murmurou ela. — Porque ninguém aguenta conviver com pedra e sangue.
Ele respirou fundo, quase como se aceitasse o golpe. — Talvez. Mas pedra não se quebra facilmente. E sangue é lembrança.
Amira engoliu. — Então eu sou pedra agora?
— Não. — A resposta veio firme e rápida. — Mas você está sendo testada para se tornar sobrevivente.
O silêncio voltou, carregado de tensão. Cada movimento, cada respiração, parecia cronometrada. Ambos sabiam que aquilo era apenas o começo.
Amira sentiu que algo dentro dela mudava. Não era submissão, mas percepção. Ela já não era apenas prisioneira. Tornava-se adversária e, ao mesmo tempo, testemunha de um homem que escondia tudo sob o peso do passado.
Lorenzo deu um passo para trás, encarando-a. — Amanhã o teste continua. Prepare-se.
Ela assentiu, sem baixar o olhar. — Estarei pronta.
Ele se virou e desapareceu no corredor. Amira respirou fundo, sentindo o coração disparado, a adrenalina e algo novo — respeito pelo homem que até então parecia imbatível, mas que começava a revelar pequenas rachaduras sob a superfície de pedra.
O dia avançava lentamente, mas na mansão cada segundo parecia esticar como se fosse infinito. Amira caminhava pelo corredor, a mente ainda presa nas palavras de Lorenzo. Cada frase dele pesava mais do que qualquer ameaça física, cada olhar queimava mais que uma lâmina.
Ela entrou na sala de estar, decidida a não se deixar dominar pelo medo. Sentou-se em uma poltrona e olhou em volta: tudo parecia perfeito e perigoso ao mesmo tempo, como se cada detalhe estivesse ali para lembrá-la de quem realmente mandava.
De repente, a porta se abriu novamente. Lorenzo entrou sem bater, como sempre. O silêncio caiu como um manto pesado.
— Você está em pé de guerra contra mim — disse, aproximando-se. — Mas ainda não entende o que significa desafiar alguém como eu.
— Então me mostre — respondeu Amira, a voz firme, sem traços de medo. — Que me mostre o que é real.
Ele estudou cada gesto dela, cada fio de cabelo que caía sobre o ombro. Algo dentro dele se agitava, algo que ele negava há anos.
— Real? — repetiu, a voz baixa. — Você quer real? Então venha até aqui.
Ela se levantou, o coração acelerado. A proximidade dele era sufocante, quase c***l. O cheiro do tabaco, o calor do corpo e a tensão nos músculos transmitiam uma mensagem clara: aquele homem podia destruí-la, mas ainda assim não o fazia.
— Por que não me toca? — perguntou ela, quase sem perceber.
— Porque ainda há limites que não quebramos — respondeu ele, firme. — Mas esses limites podem mudar.
Amira sentiu um arrepio percorrer a espinha. — Então você também sente algo. — disse, ousando provocar.
Lorenzo parou, e por um instante o semblante dele vacilou. Algo humano surgiu na máscara de pedra, uma fração de vulnerabilidade que ele lutava para esconder.
— Não se engane — disse ele, finalmente. — O que sinto não é amor. É… confusão.
Ela engoliu em seco, observando cada traço daquele homem: cada tatuagem, cada cicatriz, cada linha de expressão que contava histórias de dor e sobrevivência.
— Confusão? — murmurou. — Então até você pode ser humano.
— Pode — admitiu ele, a voz baixa, quase rouca. — Mas não quer que ninguém veja. Não quer que ninguém saiba que o Don também sangra.
O silêncio caiu, pesado, quase sufocante. Amira percebeu que havia tocado algo dentro dele que ninguém jamais tocara. A intensidade do momento a fez recuar um passo, mas o olhar dele a manteve presa no lugar.
— Então me diga, Lorenzo — começou ela, a voz tremendo, mas firme — você é c***l porque precisa ser… ou porque gosta de ser?
Ele a observou, olhos sombrios, e o ar entre os dois parecia carregado de eletricidade.
— Ambas. — respondeu finalmente. — Crueldade é defesa e prazer, mas só porque descobri que proteger-se dói menos do que amar.
— Então é isso? Amor é fraqueza? — perguntou Amira, cada palavra um desafio.
— É — confirmou ele. — E você está prestes a aprender isso do jeito mais duro.
Mas, em vez de agir com violência, ele apenas deu um passo para trás, os punhos cerrados. Por um instante, parecia lutar contra si mesmo. Amira percebeu que, por baixo de toda a força e crueldade, havia alguém que sentia mais do que admitia.
Ela se aproximou, desafiadora, mas consciente do perigo.
— Você pode tentar negar, pode me assustar, pode me punir… — disse — mas não vai apagar o que somos agora, mesmo que seja medo e ódio.
Ele parou, a expressão indecifrável. — Medo e ódio são poder. Mas cuidado, Amira… você está brincando com fogo que pode queimar mais do que imagina.
— Talvez — murmurou ela. — Mas também posso aprender a lidar com o fogo.
O ar ficou denso entre eles. Cada respiração parecia medida, cada gesto uma batalha de vontades. Lorenzo avançou, parando tão perto que podiam sentir a respiração um do outro.
— Então vamos ver até onde você aguenta — disse, baixo, quase um sussurro. — Porque este primeiro confronto não foi sobre vitórias ou derrotas. Foi sobre entender quem domina a dor… e quem sucumbe a ela.
Amira sentiu o coração disparar, mas não recuou. O desafio não era físico, era mental e emocional — e ela sabia que aquele homem podia destruí-la com uma palavra, um gesto, um olhar.
— E se eu não sucumbir? — perguntou, firme.
Lorenzo sorriu, um gesto raro e quase humano. — Então você me surpreende. — Ele deu um passo para trás, liberando o espaço, mas mantendo os olhos fixos nela. — Mas não se engane. Surpreender o Don tem um preço.
Ela respirou fundo, sentindo cada músculo tenso, cada emoção em conflito. Pela primeira vez, não era apenas medo. Era uma mistura de curiosidade, respeito e algo que ainda não podia nomear.
Ele a estudou por um instante, e a tensão se transformou em algo silenciosamente reconhecido: ambos sabiam que aquele confronto não tinha vencedor. Era um jogo de vontades, um teste de limites.
Amira percebeu que a guerra entre eles estava apenas começando, mas também compreendeu que, por mais c***l que ele fosse, havia humanidade oculta, escondida nas tatuagens, cicatrizes e nos silêncios longos.
— Amanhã haverá outro confronto — disse Lorenzo, virando-se para sair. — Prepare-se.
Amira o observou desaparecer pelo corredor. Ela sabia que nada mais seria como antes. O primeiro choque direto tinha terminado, mas as marcas daquele confronto se alojaram na mente e no coração.
Sozinha, sentou-se novamente na poltrona. Pela primeira vez, sentiu que o jogo não era apenas de medo. Era de entendimento. E algo dentro dela começou a mudar, silenciosamente, enquanto a noite caía sobre a mansão, pesada e silenciosa, guardando o segredo de dois corações em guerra.