Ane
A manhã passou rápido na faculdade. Fiz minha prova com a mente focada e mãos firmes, respondi cada questão com mais confiança do que esperava e, ao final, me despedi de Sofia e Diego. Agradeci a minha amiga por me explicar melhor como funcionava aquele universo obscuro da máfia. Por mais c***l que fosse, agora eu pelo menos sabia onde estava pisando.
Mas nem isso me preparou para o que aconteceria depois.
Caminhei até o carro preto que sempre me esperava na saída. Desta vez, no entanto, não pedi para ir direto para a mansão.
— Me leve até a casa do meu pai — pedi ao motorista.
Ele me olhou pelo retrovisor, claramente incomodado.
— Eu… não posso, senhorita. Preciso de autorização do senhor Mancini.
Revirei os olhos com impaciência.
— Então peça.
— Ele está em reunião — respondeu, cauteloso.
Cruzei os braços.
— Ótimo. Então me leve até onde ele trabalha. Falo com ele pessoalmente.
O motorista hesitou. Troquei um olhar com o segurança ao lado, e depois de uma pausa incômoda, ele finalmente cedeu com um suspiro:
— Tudo bem. Mas não posso garantir que deixem a senhorita entrar.
Não respondi. O caminho foi silencioso, mas meu peito estava em tumulto. Eu queria encará-lo. Queria lembrar Sebastian que, mesmo tendo me conquistado num jogo sujo, ele agora era meu noivo. E que se achava que podia me controlar como um bem adquirido, estava enganado.
A fachada do edifício onde ele trabalhava era imponente: vidro, aço e concreto refletindo o céu nublado. O logotipo dos Mancini brilhava em dourado no topo, como uma coroa. Tudo ali cheirava a dinheiro, poder e segredos.
Entramos no saguão — mármore branco no chão, colunas metálicas e recepcionistas com expressões entediadas. Uma delas me avaliou com frieza quando o segurança informou que eu era a noiva do Sr. Mancini.
— A senhorita tem horário marcado?
— Sou a noiva dele. Não preciso de agenda — respondi com firmeza.
Antes que ela pudesse retrucar, caminhei em direção ao elevador. O segurança tentou me alcançar, mas já era tarde.
Subimos até o último andar.
A porta do elevador se abriu num corredor silencioso, luxuoso, decorado com obras de arte modernas e móveis minimalistas. Cada detalhe gritava poder.
A secretária do andar, uma mulher alta e elegante, me recebeu com um sorriso educado, mas forçado.
— Senhorita Ane, o Sr. Mancini está em reunião, posso verificar…
— Não precisa — interrompi. — Eu sou noiva dele. E já esperei o suficiente.
Empurrei a porta do escritório antes que ela ou o segurança pudessem impedir.
E então… tudo parou.
Sebastian estava encostado em sua mesa de mármore n***o, sorrindo preguiçosamente.
E entre seus braços, uma mulher o beijava.
Alta. Loira. Sexy de um jeito ensaiado. Como uma daquelas mulheres que sabem exatamente o efeito que causam.
Ela o segurava com i********e, como se aquele corpo fosse dela. Como se ele nunca tivesse pertencido a mais ninguém.
O ar sumiu dos meus pulmões.
Sebastian ergueu os olhos e me viu. O sorriso apagou-se. Mas não disse nada. Nenhum dos dois disse.
Não chorei. Não gritei. Não fiz cena.
Só me virei, com a dignidade mais frágil que já carreguei, e saí.
O elevador demorou uma eternidade para chegar. O silêncio do corredor parecia zombar da minha coragem, ou da falta dela.
E ali, naquele espaço de luxo e frieza, tudo ficou claro: o nosso casamento já estava arruinado antes mesmo de acontecer.
Um casamento de mentiras, amarrado por uma dívida, e agora… por traição.
Eu não sabia por que aquilo me afetava tanto. Não era amor. Não podia ser. Não havia tempo suficiente para isso. Mas talvez… talvez fosse o medo. Medo de me casar com um homem que beijava outras mulheres nos bastidores, enquanto eu me adaptava à nova realidade como uma prisioneira bem vestida.
Era essa a vida que me esperava?
Lembro vagamente do caminho de volta. A cidade passava pela janela como um borrão. Só percebi que havia chegado quando o carro parou diante da mansão. O segurança abriu a porta e me olhou com cautela. Desci. Meus pés se moveram como se fossem de outra pessoa.
Por dentro, eu estava em combustão. Por fora… era gelo.
Subi os degraus com a cabeça erguida. Cada passo uma tentativa de manter minha alma no lugar.
Assim que entrei, Nana me esperava ao fim do corredor, com o avental preso na cintura e um pano no ombro. O cheiro de bolo assando e ervas frescas tomava o ar. Ela sorriu — um sorriso calmo, gentil. Mas os olhos… estavam atentos.
— Chegou cedo — comentou.
— A prova foi curta.
— E não quis almoçar com os amigos hoje?
Neguei, largando minha bolsa com um movimento automático.
— Só queria voltar.
Nana se aproximou devagar. Tocou meu braço com leveza, mas o suficiente para me ancorar ali.
— Aconteceu alguma coisa, filha?
A palavra me desmontou. Filha.
Engoli em seco. O nó na garganta estava alto demais.
— Não aconteceu nada — menti.
Ela não insistiu. Apenas assentiu, com aquele jeito calmo de quem já viu muita coisa.
— Vá trocar de roupa. Vou preparar um chá de verdade. Camomila com mel. É o que minha mãe fazia quando eu voltava chorando da escola.
Assenti e comecei a subir.
Mas antes de alcançar o primeiro degrau, ela falou:
— Seja o que for… você não está sozinha aqui.
Parei. A frase flutuou no ar por alguns segundos.
E mesmo sem me virar, deixei que ela me envolvesse. Como um cobertor num dia gelado.
No quarto, tirei minhas roupas com lentidão. Dobrei cada peça com cuidado. Era o único controle que eu ainda sentia ter.
Deitei na cama. O cheiro dele ainda estava ali. E, mesmo com a janela aberta, o ar parecia preso na minha garganta.
Fechei os olhos.
E a imagem daquele beijo não saiu da minha cabeça.
A dor não era só por causa dele.
Era pelo que aquilo significava: que meu destino agora estava nas mãos de um homem que sequer respeitava o laço que me forçaram a aceitar.
Talvez eu fosse a noiva de Sebastian Mancini.
Mas naquele mundo... ser noiva não significava ser escolhida.