Capítulo 06

958 Words
Ane Acordei com a luz suave da manhã filtrando pelas enormes cortinas de linho bege. Pisquei algumas vezes, confusa, o corpo ainda pesado pelo sono. Por um segundo, meu cérebro tentou me enganar — me fazer acreditar que eu estava no meu quarto, na minha casa, na minha rotina. Mas então, o cheiro amadeirado do quarto me atingiu. A maciez exagerada dos lençóis. O silêncio. E o som sutil da respiração dele. Sebastian ainda dormia. Virei o rosto devagar e o vi deitado de lado, de costas pra mim, o lençol baixo sobre os quadris, revelando a extensão de um corpo que parecia esculpido em pedra. Os cabelos estavam bagunçados, e o braço repousava sobre o travesseiro, relaxado, sem as linhas duras de quem mandava no mundo durante o dia. Por um instante, ele parecia... humano. Mas eu não podia me deixar cair nessa ilusão. Me sentei com cuidado, tentando não fazer barulho. O colchão afundou levemente sob meu movimento. Levei as mãos aos cabelos, afastando-os do rosto, e respirei fundo. O piso de mármore estava gelado sob meus pés descalços. Caminhei em pontas de pé até a mala no canto do quarto, abri com cuidado e peguei uma calça jeans e uma blusa básica. Vesti ali mesmo, com movimentos rápidos, sem nem me olhar no espelho. Queria estar pronta antes que ele acordasse. Antes que o ar mudasse de novo. Peguei minha bolsa, alguns itens da nécessaire e segui em silêncio até o banheiro. Me tranquei lá dentro e respirei fundo, apenas por alguns segundos, apoiando as mãos na pia. Meu reflexo no espelho parecia cansado. Perdida. Mas determinada. Eu precisava manter distância. Não apenas física — mas emocional. Mental. Tudo nele era um teste de resistência. Um convite para cair. Para esquecer. E eu não podia me esquecer nem por um segundo de quem ele era. Quando saí do banheiro, ele ainda dormia. Ou fingia. Atravessei o quarto o mais silenciosamente possível, meus passos quase flutuando no chão. Peguei meu celular e fui em direção à porta, torcendo para que ninguém aparecesse no corredor. Precisava encontrar um canto da casa onde pudesse respirar sem ser observada. Porque conviver com Sebastian Mancini era como dormir ao lado de um incêndio. E eu não sabia por quanto tempo ainda conseguiria não me queimar. A casa era tão grande que eu poderia facilmente me perder — o que, naquele momento, seria uma benção. Depois de vagar por um corredor silencioso, encontrei uma porta entreaberta de madeira escura, entalhada com detalhes antigos. Empurrei devagar, e um cheiro familiar me acolheu: livros. A biblioteca era o único lugar da mansão que me fazia respirar com um pouco menos de peso no peito. Tudo ali cheirava a madeira antiga, tinta velha e silêncio — um silêncio diferente do resto da casa. Quase acolhedor. Caminhei devagar entre as estantes altas, os dedos roçando de leve pelas lombadas dos livros. Alguns pareciam tão antigos que eu temia estragar só de olhar. Escolhi um aleatório, mais pela necessidade de me ocupar do que por interesse real. Eu só queria fugir. De tudo. — Se você está se escondendo do meu irmão, veio para o lugar certo. A voz feminina e segura me fez virar de imediato. Diante de mim, uma jovem observava com um sorriso no canto dos lábios. Era linda. Cabelos escuros ondulados, olhos cinzentos intensos demais para serem ignorados. Parecia ter saído de uma daquelas capas de revista — mas diferente de todas as pessoas que eu havia visto naquela casa, ela exalava leveza. — Eu... desculpa. Não sabia que tinha mais alguém aqui — murmurei, meio sem jeito. Ela caminhou até mim com naturalidade e estendeu a mão. — Vittoria. Irmã mais nova do Sebastian. Sorri de leve, apertando sua mão. — Ane. — Eu sei. É difícil não saber quando meu irmão resolve trazer uma mulher pra casa pela primeira vez. Isso nunca aconteceu antes. A surpresa em meu rosto foi imediata. — Nunca? Ela balançou a cabeça, pegando um livro qualquer da prateleira e me entregando. — Nunca. Ele não mistura negócios com a vida dele. Mas você... — ela me olhou como quem tentava entender um quebra-cabeça — você é claramente diferente. Soltei o ar lentamente, sentando no sofá da biblioteca com o livro no colo. — Meu pai vendeu a própria filha pra pagar dívidas. E aqui estou eu. Um pedaço de papel assinado e um futuro que não escolhi. Vittoria deu de ombros, como se já esperasse por isso. — Não me surpreende. Sempre espero o pior do nosso pai... e, quando se trata de negócios, de Sebastian também. Mas ele é um bom irmão, sabe? Protetor. Intenso. Se ele decidir cuidar de você de verdade, vai ser do jeito dele — possessivo, feroz, mas completo. Olhei pra ela, ainda sem saber se acreditava ou não. — Eu só queria minha vida de volta. Minha rotina, meu pai, minha faculdade... — Essa casa engole rotinas — ela disse. — Mas você não precisa deixar que engula você também.— Ela me olhou com gentileza, e um sorriso brincou em seus lábios. — Eu vou subir pra me trocar. Te dou cinco minutos. Depois volto pra te levar pro café. A essa hora, a mesa já deve estar cheia de coisas boas... e de tensão também, claro. Mas você vai sobreviver. A gente sempre sobrevive. Ela piscou pra mim e saiu, com a postura leve de quem já aprendeu a dançar entre as feras. Fiquei ali por um instante, abraçando o livro como se fosse um escudo. Pela primeira vez, desde que pisei naquela mansão, senti que talvez — só talvez — alguém estivesse do meu lado. E isso, por menor que fosse, me deu forças pra continuar.
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